Do luto de todos nós

Do luto de todos nós

 SOBRE A DOR DO OUTRO

William Blake

"Posso ver a dor de outrem
E não ter tal dor também?
Posso ver sua aflição
E não tentar dar-lhe a mão?
E ao ver lágrima caindo,
Não partilhar da dor ainda?
Pode um pai ver o seu filho
Chorar sem ficar aflito?
E a mãe ouvir ao sentar
Com medo o filho chorar –
Não, não pode acontecer.
Nunca, nunca acontecer. 
E o que de tudo sorrira
Ouvir aflita a corruíra? 
A mágoa dos passarinhos?
E o ai do sofrer de meninos?
Junto ao ninho não sentar-se
Pondo em seu peito piedade?
Junto ao berço que balança
Chorando com a criança?
Não sentar-se noite e dia
Nos trazendo calmaria? 
Não, não pode acontecer.
Nunca, nunca acontecer [...]"

 

A recente tragédia desse 29 de novembro de 2016, que vitimou e/ou matou jogadores de futebol, comentaristas esportivos, jornalistas, tripulantes, entre outros, antes de tudo humanos, filhos, pais, esposos, pessoas, assim como eu e você, comoveu a todos. Despertou os maiores sentimentos de solidariedade e empatia, além de sofrimento e dor. Tal acontecimento colocou todos nós diante daquilo que é nos é mais temido - e desconhecido - que é a morte.

Assim é a vida, um processo que contém, em si mesma, o seu próprio fim. Ao longo da vida, muitas são as experiências de perdas, sejam estas definitivas ou não, mais ou menos intensas, que exigem de nós uma capacidade - talvez por nós pouco esperada nesses momentos - de superação, a qual não existe sem a experiência de viver o luto.

O luto, por sua vez, invoca a capacidade de enfrentar situações de muita dor e tristeza, de falta e ausência, experiência sem a qual não se pode sequer continuar vivo da perspectiva de dentro da gente. As perdas que exigem a elaboração do luto não são apenas da morte temida, mas também aquelas pequenas, da gente mesmo, do dia a dia, vivências diante das quais tendemos a reagir minimizando seus efeitos, e continuamos inabaláveis, como se fosse o que tem que ser feito; em si mesmo, um indicativo de força. Aquela dor da expectativa não atingida, o processo mesmo de desenvolvimento e envelhecimento,  todas mudanças que requerem um processo interno individual de elaborar perdas e luto, diariamente.

A tendência, no entanto, é o da evitação da própria dor e sofrimento, impossibilitando-se, assim, todo um processo de integração e amadurecimento pessoal que acompanham a elaboração do luto. Às vezes, sem a intenção de patologizar o mais humano sentimento de tristeza que advém das perdas, o acompanhamento em psicoterapia pode se fazer necessário, como um caminho que possibilita experienciar as próprias emoções. 

O que um acidente desse nos lembra é de nossa pequenez, vulnerabilidade, e de nossa falta de controle em relação a algo maior, à vida. A união frente a um momento tão difícil como esse nos coloca como iguais, remete-nos à possibilidade de nossas próprias mortes e das nossas próprias perdas, e nos permite nomear e simbolizar a respeito de situações tão familiares e tão desconhecidas  e tão temidas por nós mesmos. Nessa união, há uma via aberta para expurgar nossas dores e nossos sofrimento, no sentido de retirar as cascas grossas e atingir o essencial, de se aproximar da nossa humanidade e de nossas fragilidades, isto sim sinal de força e coragem.

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