Carta escrita em 2090

Carta escrita em 2090

Vivemos um período tão grave de ameaças ambientais que se faz necessário lançar mão de apelos emocionais, como feito na década de 70. No passado, era a Carta do Cacique Seatle dirigida ao governo dos Estados Unidos, que tentava comprar as suas terras. Na verdade, aquele cacique nunca escreveu nenhuma carta; foi um poeta contemporâneo quem a escreveu. Seja como for, gerações foram embaladas pela pureza da sua mensagem. Atualmente criou-se uma outra “carta-alerta” supostamente vindo do ano de 2090. De autor desconhecido, essa mensagem sofreu algumas modificações e você lerá uma versão. Trata-se de um texto incisivo, duro e que merece uma apreciação cuidadosa.

Escrevo esta carta com uma profunda amargura e arrependimento. Estou sobrevivendo em condições precárias, em um mundo caótico, dominado pela fome, miséria, crime e desespero. Hoje sou uma das pessoas mais idosas da minha comunidade, e tenho apenas 55 anos, mas a minha aparência é de alguém de 90 anos. A média de idade é de apenas 35 anos.

Respiramos um ar envenenado e o nosso alimento é 90% sintético. Muitas crianças jamais viram uma fruta. Recordo quando tinha 10 anos. Tudo era muito diferente. Havia muitas florestas, rios e vales verdejantes. As casas tinham bonitos jardins e eu podia desfrutar de um longo banho de chuveiro. Agora usamos toalhas embebidas em azeite mineral para limpar a pele.

Antes, as mulheres mostravam as suas formosas cabeleiras. Agora, raspamos a cabeça para mantê-la limpa sem água.

Antes meu pai lavava o carro com a água que saía de uma mangueira. Hoje as crianças não acreditam que utilizávamos a água dessa forma. Duvidam quando dizemos que algumas pessoas varriam calçadas e davam descargas em vasos sanitários com água potável. As piscinas são uma mentira, para elas.

Recordo que os ambientalistas diziam para CUIDAR DA ÁGUA, só que ninguém lhe dava atenção. Eram chamados de ecochatos, impediam o “progresso”. Agora, todos os rios, barragens, lagoas e lençóis subterrâneos estão irreversivelmente contaminados ou esgotados.

Por falta de água a rede de esgotos não funciona. O ar atmosférico é pútrido e nauseante. As doenças renais, as infecções gastrointestinais e as enfermidades da pele são as principais causas de morte. Com o ressecamento da pele, uma jovem de 20 anos parece ter 50.

A indústria está paralisada e o desemprego é dramático. As fábricas dessalinizadoras são a principal fonte de emprego e pagam os empregados com água potável em vez de salário.

Antes, a quantidade de água indicada como ideal para se beber era oito copos por dia, por pessoa.

Hoje só posso beber meio copo.

Os cientistas investigam, mas não há solução possível. Não se pode fabricar água. O oxigênio disponível na atmosfera foi drasticamente reduzido por falta de árvores. As novas gerações têm baixo coeficiente intelectual devido à escassez de oxigênio e de alimentos.

Alterou-se a morfologia dos espermatozóides de muitos indivíduos. Como consequência, há muitas crianças com deformações e insuficiências.

O governo até nos cobra pelo ar que respiramos: 137 m3 por dia por habitante adulto. Quem não pode pagar é retirado das “zonas ventiladas”, dotadas de gigantescos pulmões mecânicos que funcionam com energia solar. Não são de boa qualidade, mas se pode respirar.

Em alguns países restam manchas de vegetação com o seu respectivo rio que é fortemente vigiado pelo exército. A água tornou-se um tesouro muito cobiçado, mais do que o outro ou os diamantes. Com frequência há violência pela posse da água.

Aqui não há árvores porque quase nunca chove. E, quando chega a ocorrer uma precipitação, é de chuva ácida.

As estações do ano foram severamente transformadas pelas provas atômicas e pela poluição das cidades e das indústrias do século XXI. Imensos desertos constituem as paisagens que nos cercam. Advertiam que era preciso cuidar do meio ambiente, mas ninguém ouviu. A prioridade era ganhar dinheiro e comprar coisas. Destruíam as florestas dizendo que era para criar empregos e trazer o progresso.

Quando a minha filha me pede que lhe fale de quando era jovem, descrevo como eram belas as paisagens. Falo da chuva e das flores, do ar puro, da água cristalina, do prazer de tomar um banho em uma cachoeira e poder pescar nos rios e lagos, beber toda a água que quisesse. O quanto nós éramos saudáveis!

Ela pergunta-me:

- Papai! Por que a água acabou?

Então, sinto um nó na garganta!

Não posso deixar de me sentir culpado porque pertenço à geração que destruiu o meio ambiente, sem prestar atenção a tantos apelos.

Sinceramente, creio que a vida na Terra já não será possível dentro de muito pouco tempo porque a destruição do meio ambiente chegou a um ponto irreversível.

Como gostaria de voltar no tempo e fazer com que toda a humanidade entendesse isso. Deixasse de ser tão ignorante e pudesse mudar as coisas, enquanto ainda é possível...”

Fonte: Livro: Atividades interdisciplinares de educação ambiental (Genebaldo Freire Dias). Adaptação do autor de texto de domínio público, publicado na revista “Crónicas de los Tiempos”, Chile, abril de 2002.  

 

 

 

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