Acordei machista

Acordei machista

Depois do meu casamento muita coisa mudou. Me senti mais próximo de minha esposa e surgiu rapidamente a necessidade de ter filhos, uma divisão mais rígida de tarefas domésticas e uma inevitável inclinação de tratar a esposa como “esposa”: vai pegar minha cerveja, vai lavar roupa...

O fato é que ela começou a fazer análise e um machismo que se instalava automaticamente em mim teve que esperar. Ter filhos é um negócio que assusta para um jovem casal. Mas, em menos de 1 ano de casados, as esperanças e cobranças eram grandes.

Fazendo análise minha esposa descobriu que ela é quem decide isso. Sim! Há um bom tanto de decisão sobre isso, apesar de toda “forçação de barra” que temos que aguentar de familiares e amigos que não podem te ver tranquilo que já perguntam: “e quando vem o bebê?” Aí você sai para passear no Shopping e vê todos as pessoas da sua idade com filhos. E como todos amam ter filhos! E como todos são felizes com filhos! E como todo um esquema de mercado montou-se em torno dessa ideia, somos forçados mais do que nunca para tê-los. Como disse Vinicius de Moraes, “Filhos...  Filhos? Melhor não tê-los! Mas se não os temos, como sabê-lo?”.

Não só minha esposa questionou isso, como também começou a sair para beber com as amigas. Toda semana me sentia trocado e abandonado, como uma dona de casa das antigas assistindo novela e esperando o marido chegar bêbado do bar. Para piorar a situação comecei a apreciar algumas tarefas do lar como a faxina. Aí já é demais!

Eu, todo seguro, sujeito estudado, moderno, muito afeito aos processos mentais e a subjetividade humana me senti como uma "mulherzinha".

Então tive um sonho revelador. Sonhei que estava numa festa, meio contrariado. Estávamos minha esposa, a analista de minha esposa e eu. A analista me pediu a minha mão para ler. Ela pegou minha mão, olhou minha palma, fez uma cara de surpresa e riu... mas riu de morrer de rir mesmo. Me senti ridículo e as duas riam na minha cara, conspiravam e cochichavam. Eu nesse momento pensei: essa analista é uma farsa mesmo! Se diz psicanalista e fica lendo a mão dos outros como uma cigana desqualificada! Que péssima psicanalistas ela deve ser! Psicanálise é ciência e não bruxaria!

O velho Freud já nos disse: o sonho é uma realização de desejos. No meu sonho realizei um desejo. Um desejo de que minha esposa tivesse um bom motivo de encerrar a sua análise com a tal “analista cigana” que desvirtua as pessoas. Constatei que na verdade, toda libertação e alegria, toda independência de minha esposa me fazia mal, lá no fundo. Eu era um moderninho de araque! Nas profundezas do meu inconsciente eu era bem pior do que qualquer senhor de engenho ou coronel da antiga república, arcaico e machista.

Sou psicanalista, faço análise e supervisão há bons anos e sei da força do inconsciente em nossas atitudes... mas caí do cavalo com a impressionante força do que chamamos de machismo (sem contar no preconceito em relação às ciganas...). Comecei a pensar que há certa razão em dizer que todo homem tem dentro de si um estuprador, um violentador.

Nos achamos muita coisa, mas não sabemos de nada. Minha esposa continua em análise com suas questões e eu vou fazendo faxina em casa... em todos os sentidos!

 

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