Como escolher um curso de psicanálise?

Como escolher um curso de psicanálise?

Tenho recebido muitos e-mails de pessoas interessadas em iniciar uma formação psicanalítica e que se sentem perdidas sobre como escolher o curso, que grupo se filiar, qual analista escolher e etc. Este texto não é um guia definitivo para se escolher cursos ou grupos de psicanálise e sim um alerta aos meus leitores e possíveis futuros colegas e também um convite para pensarmos em como a psicanálise vem caminhando e se difundindo.

Vou propor uma lógica simples, eu diria simplista e quase banal, e posso até ser criticado por colegas psicanalistas, mas aqui vou eu. A princípio, a lógica é a mesma que utilizamos ao comprar qualquer produto, como por exemplo, um carro. Você pode ter ouvido falar muito bem do carro e que os donos estão plenamente satisfeitos. Mas esse é apenas o primeiro passo do que poderíamos chamar de um processo de “encantamento” produzido pela propaganda. Depois você visita a concessionária, verifica informações sobre o carro e experimenta o produto. Depois de tudo, decide por comprá-lo ou não.

Como é basicamente um “produto”, estamos obviamente sujeitos ao marketing, que quase sempre é enganoso no sentido de esconder algumas características indesejáveis do produto e exaltar outras (descontos enormes, anúncios exaustivos, sites com pouca informação ou com informações falsas e etc.)    

A prática e o ensino da psicanálise não são regulamentados em nível estadual e nem federal e isso significa algumas coisas. Não é porque ela não é regulamentada por instâncias do Estado que a prática e o ensino não são confiáveis, pelo contrário. A instituição ou escola precisa ser responsável por muitas instâncias e conter, dentro de seu quadro administrativo, todos os dispositivos de regulação tais como conselho de ética, conselho acadêmico, didático e científico e etc. A instituição se auto regula.

Portanto, é importantíssimo que a instituição escolhida tenha uma estrutura de funcionamento clara, uma diretoria que se alterne de tempos em tempos, um regimento interno, carta de princípios éticos e um conselho que faça valer estes princípios éticos. A não regulamentação da psicanálise traz consigo benefícios que já discuti anteriormente em meus textos, mas é frequentemente utilizada como um aval a obscuridade.

Importante também, você obter informações sobre as pessoas responsáveis pelo curso e sobre os professores que vão ministrar as disciplinas. A psicanálise é um campo de conhecimento amplo que se desenvolveu com base em intensos debates promovidos por pessoas geniais. Isso foi possível graças à uma certa  atmosfera em que diferentes tipos de pensamento puderam conviver e serem colocados em pauta. Então, escolha instituições com certa diversidade de professores e que este professores tenham um currículo público e de qualidade adequada às suas funções. Mesmo que eles sigam uma mesma linha, é fundamental para sua formação que você tenha acesso a diferentes tipos de pensamento. Penso ser fundamental que a instituição promova debates científicos entre seus membros e alunos, no intuito de incentivar o questionamento e o pensamento científico, tão caros a psicanálise. A psicanálise não é uma crença, precisa ser frequentemente questionada e debatida para poder existir.

Assim como na escolha do carro, há frequentemente aspectos ilusórios neste processo e portanto, erros vão acontecer. Quando a pessoa compra um produto ruim, tende a racionalizar seu erro pela dificuldade em aceitar ter sido enganada. Sente vergonha por ter sido iludida pela propaganda e ter ainda perdido tempo e dinheiro. Passa a fazer vista grossa para certos "defeitos" do produto e até mesmo divulga o produto como bom para não se sentir sozinho nessa péssima escolha.

Sobretudo, verifique se você não está comprando gato por lebre, ou seja, verifique se você está de fato entrando em um curso/grupo de psicanálise e não em uma seita com seguidores de algum deus. Os deuses podem ser tanto os teóricos da psicanálise deste ou daquela escola de pensamento quanto figuras dentro da própria instituição.

Deuses teóricos ou deuses institucionais?  Fuja dos dois.

Finalizando com Freud

“A proibição do pensamento, estabelecida pela religião para assegurar sua autopreservação, também está longe de ser isenta de perigos, seja para o indivíduo, seja para a sociedade humana. A experiência analítica nos ensinou que uma proibição como esta, embora originalmente limitada a apenas uma determinada área, tende a alastrar-se e, daí, a se tornar causa de graves inibições na conduta de vida da pessoa.”

S. Freud, Vol. XXII. Novas conferências introdutórias sobre psicanálise (1933[1932]) Conferência XXXV - A Questão de uma Weltanschauung

 

 

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