As “Novinha”

As “Novinha”

A palavra “novinha” é uma das mais utilizadas para buscas em sites pornô. O termo foi popularizada pelas letras de funk brasileiro e representa garotas adolescentes de 10, 12, 14 anos que transpiram certa sexualidade... uma sexualidade adulta, é bom dizer. 

Uma garota de 14 anos é estuprada em Ribeirão Preto e, não lembro exatamente em qual telejornal que tratava do assunto, um certo sujeito ligado ao caso diz: “Essas meninas de 14 tão dando uma lavada nas de 40”

Na mesma semana, no programa Master Chef, uma das participantes é assediada pelo Twitter, pois é uma bela garota de 12 anos (12 anos!!).

Fui na casa de um amigo meu em um condomínio bonito e fechado e vi pai e filho caminhando tranquilos pelo jardim milimetricamente bonitinho, com aquela iluminação de casa de revista. Os dois vestiam a mesma roupa (bermuda branca e camisa polo com um brasão).

Pergunto: quem imita quem nesse caso? O pai, quer parecer um garoto de 5 anos, ou o contrário?  

Continuo em direção ao elevador e vejo algumas meninas de 5 ou 6 anos, de salto alto. E as mães preocupadas com uma possível queda das garotas que tentavam brincar, mas se atrapalhavam com aquele maldito salto alto. Mas as garotas não desistiam de se equilibrarem sob aquelas sandálias.

Cria-se um impasse na mente das garotas: ou brinco ou sou sexy!

Sabemos do desejo de toda criança de ser adulta o mais rápido possível e isso é muito natural. Mas atualmente há elementos de uma cultura que tem acelerado esse processo de maneira completamente perversa. Por um lado, os próprios pais idolatrando a juventude eterna e, por outro, esquemas de mercado que visam incluir rapidamente as crianças nas rodas do consumo.

Desde a publicação de “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” (1905), Sigmund Freud trouxe a luz um tema terrivelmente posto de lado e obscurecido: a sexualidade humana e... infantil. Deste modo, ampliou a noção de sexualidade antes vista como apenas um instinto imutável de reprodução individual e perpetuação da espécie e, agora como forças poderosas que permeiam atividades diversas do ser humano e estrutura a própria personalidade do sujeito. Na criança esse poder se expressa como uma sexualidade não genitalizada, ou seja, que ainda não se focalizou em uma área do corpo específica. Por exemplo, no ser humano adulto, a área comumente fixada são os órgãos genitais (pênis e vagina). Essas zonas erógenas quando excitadas produzem prazer sexual que o adulto conhece - mas a criança só conhece de forma difusa e indefinida - e toda necessidade sexual é descarregada por meio delas. As crianças, portanto, passam a ser consideradas não como pedaços do pai e da mãe e sim, como seres em desenvolvimento com desejos, uma vida própria e bastante rica, cuja sexualidade existe, mas é bastante diferente da sexualidade do adulto; e por consequência, precisa ser protegida.  

Bronisław Malinowski, antropólogo polonês em seu livro “A vida sexual dos selvagens” (1939) estudou profundamente o povo das Ilhas Trobriand (atóis coralinos que formam um arquipélago de aproximadamente 440 km² ao longo da costa oriental da Nova Guiné) e pôde constatar que a vida sexual dessa sociedade era bastante diferente da nossa (ocidental de moral cristã). As crianças iniciavam a vida sexual cedo, pelos 4 ou 5 anos, manifestando brincadeiras íntimas entre elas; muito semelhante às nossas crianças, que nessa idade já brincam de médico ou realizam o troca-troca escondido. Os adultos pouco ou nada faziam para impedir que as crianças brincassem entre si na mata e o peso dos costumes e tabus não recaiam sobre os meninos e meninas da ilha; isso acontecerá apenas depois de passada a adolescência, quando se espera um maior apreço ao trabalho e as instituições sociais como o casamento. Os tabus sexuais não atingiam as crianças, pois, sabia-se intuitivamente que essa fase do desenvolvimento necessitava de liberdade e certa proteção de parâmetros adultos da vida. O sexo entre as crianças não é o sexo dos adultos, é mais uma forma de brincadeira entre eles.

Mas, o que vemos em nossa sociedade? A dita evoluída e moderna, moral e justa?

Adultos colocam seus filhos para imitar “sexy simbols” como Beyonce e Lady Gaga domingo a tarde em rede nacional. Adultos responsáveis por um programa de televisão criam concursos de dança, para elegerem a melhor “mini dançarina de funk”. Adultos responsáveis por propaganda utilizam crianças para seduzir adultos das mais diversas formas.  Estes mesmo adultos flertam com a perigosa fantasia da juventude eterna, desejando a qualquer custo parecerem-se como “novinhos”. O termo “Kids” invade o nosso cotidiano. Da mesma forma que o termo “Pet” (bicho que custa caro e que não é bicho) ... ou o terrível “Gourmet” (comida que custa caro e que não é comida).

Quem alicia seu filho, inicialmente não é o pedófilo ou o estuprador. É inicialmente a própria família, os próprios pais.

Criam crianças aberrantes, imitações em pequena escala de mulheres ou homens adultos (e dizem com orgulho que “o filho já é bem maduro, parece um hominho...”). Sinto que os adultos estão tão infelizes e perdidos que depositam nos seus filhos pequenos a responsabilidade de ser a “Lady Gaga”, a dançarina famosa que eles não puderam ser. E mais, verdade seja dita: a mãe quando faz plásticas, quer ficar o que? Mais velha? Não, mais jovem: com linhas tênues no rosto e sem rugas, como uma “menininha nova”. A mãe quando implanta cabelos longos, viçosos e brilhantes quer se parecer com a Vovó Mafalda? Não! Quer ter cabelos como da filha de 14 anos.

Você pode me dizer: “É logico que as pessoas querem parecer mais jovens!” Mas penso que não há lógica nisso e sim um completo absurdo; que foi naturalizado pela ciência e pela própria medicina. Pessoas mais velhas desejarem parecer mais jovens é um absurdo dos mais infames, que transverte a própria natureza biológica... mas que vemos perversamente como “natural”.

Nada disso justifica o estupro ou as frases covardes que a garota do Master Chef teve que ler em seu Twitter. Mas estamos sim produzindo meios culturais para a facilitação de uma cultura que fragiliza a mulher e danifica a infância.

A sexualidade infantil está sendo utilizada por empresas, por adultos, inclusive os próprios pais, para fins comerciais e isso está eliminado a infância como conhecemos e como ele deveria ser: livre e protegida da interferência de valores adultos, já fracassados e obsoletos relativos ao trabalho, ao sexo e a felicidade.

 

 

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