A psicanálise foi superada pela neurociência?

A psicanálise foi superada pela neurociência?

Com 60 anos de carreira, Ivan Izquierdo, 78, é o neurocientista mais citado e um dos mais respeitados da América Latina. Nascido na Argentina, ele mora no Brasil há 40 anos e foi naturalizado brasileiro em 1981. Suas pesquisas ajudaram a entender os diferentes tipos de memória e a desmistificar a ideia de que áreas específicas do cérebro se dedicariam de maneira exclusiva a um tipo de atividade [1].

Izquierdo em entrevista para Folha chega a falar sobre a psicanálise. Retiro alguns fragmentos para que possamos pensar sobre eles.

“Toda teoria envelhece. Freud é uma grande referência, deu contribuições importantes. Mas a psicanálise foi superada pelos estudos em neurociência, é coisa de quando não tínhamos condições de fazer testes, ver o que acontecia no cérebro”.

De fato, a precariedade tecnológica de sua época pode ter sido um dos fatores propulsores para que Freud elaborasse hipóteses sobre o funcionamento mental, como fizeram muitos outros cientistas em diversas áreas. Freud sabia desta precariedade e provisoriedade de suas teses psicológicas que, segundo ele seriam substituídas no futuro por processos bioquímicos. Quem é leitor de Freud percebe que ele deixa claro, sendo as vezes insistente e chato, sobre o caráter provisório e hipotético de sua teoria. O problema é que a psicanálise fez escola e dogmatizou muita gente que passou a “acreditar” em Freud e não “estudar” Freud. Nesse sentido, Izquierdo tem razão. A psicanálise, nas mãos e cabeças de pessoas crentes, envelheceu e perdeu seu poder terapêutico e de análise da cultura. Virou um clichê! Paradoxalmente, os psicanalistas são os seres mais dogmáticos que conheci, depois dos pastores evangélicos. Izquierdo só exagera em dizer que a neurociência, como pode “ver o que acontece no cérebro” ultrapassou a psicanálise. Ivan talvez acredite que quando tivermos descoberto 100% de todos os segredos neuroquímicos e neuroanatômicos, conheceremos enfim a mente humana. O problema é que - como já vem sendo falado e repetido por muitos cientistas, muito da mente humana se realiza fora do organismo, na interação com o meio formando redes de significação abstratas e singulares em cada sujeito, portanto, fora do cérebro, em um espaço onde residem as fantasias, os pensamentos, os desejos. Um local virtual onde os eletrodos de alta precisão não podem e nem pretendem chegar.

“Para mim, a psicanálise hoje é um exercício estético, não um tratamento de saúde. Se a pessoa gosta, tudo bem, não faz mal, mas é uma pena quando alguém que tem um problema real que poderia ser tratado deixa de buscar um tratamento médico achando que psicanálise seria uma alternativa.”

Sim, a psicanálise é um exercício estético porque ela é bonita em várias sentidos (e um horror em outros!). É bonito saber que nem sempre se pode saber de tudo e que quase nada esta sob nosso controle. É bonito sair de uma sessão de análise com a sensação de que se foi compreendido. É bonito poder ter um espaço para falar de coisas que não nos permitimos falar em situações cotidianas. É bonito percebermos que os sonhos podem ter um importante significado. Mas a psicanálise é horrorosa em outras sentidos porque em sessões de análise muitas vezes se descobre funções e características que escondemos a todo custo. Izquierdo pega leve e foi gentil ao dizer que uma psicanálise “não faz mal”. A psicanálise pode fazer muito mal! Primeiro, há analistas sem qualificação atuando no Brasil, visto que é profissão e formação não regulamentada. Segundo, há na psicanálise, assim como na psicologia, uma tendência dos profissionais de se aproximarem de ideias de espiritualidade, religiosidade, energias quânticas e imaterialidade do espírito o que quase sempre é acompanhado de uma postura anticientífica. Postura anticientífica - e antiética - que culmina no comportamento do “psicanalista” não recomendar que o paciente faça um outro tratamento. Isso é grave, de fato acontece e Ivan, com seus anos de experiência, percebeu essa perigosa mania dos “profissionais psi” acreditarem que “palavras são remédios da alma”, ou outra bobagem que mais serve para inflar o narcisismo dos analistas do que constitui uma verdade. Psicanalistas que conheço sabem bem das potencialidade e limitações de sua atividade. Sabem que palavras não são remédios. Palavras são palavras e por isso são importantes na constituição da subjetividade. Remédios: o psicanalista deixa para os médicos.

Ivan lança importantes questões sobre o ofício do psicanalista que não podem ser lidas como comentários superficiais ou sem sentido. Ainda aponta seguramente a Terapia Cognitiva como uma terapia que funciona. Existem atualmente muitos trabalhos que mostram que a psicanalise, além de ser muito bonita, é sim eficaz como um tratamento de saúde mental [2]. 

Enfim, a psicanálise continua sendo uma prática importante que funciona como terapêutica e que produz conhecimento. A psicanálise que Izquierdo conhece talvez seja a psicanálise que ele ouve de colegas, de psicanalistas, de psicólogos e da mídia em geral. Ele, por ser um grande homem, lança críticas importantes mas que são muito mais provocações  direcionadas à postura dos profissionais psicanalistas do que uma crítica à psicanálise propriamente dita.   


  

[1] Folha de S. Paulo, 18/06/2016 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2016/06/1783036-estudos-de-neurociencia-superaram-a-psicanalise-diz-pesquisador-brasileiro.shtml

[2] Evidence base of Psychoanalytic Psychotherapy https://psychoanalysis.org.uk/resources/evidence-base-of-psychoanalytic-psychotherapy

Foto: Ivan Izquierdo por Bruno Todeschini para a Folha de S.Paulo.

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