Psicologia não! Vou de Taxi

Psicologia não! Vou de Taxi

Houve pouca ou quase nenhuma repercussão da mídia sobre o caso. Mas o fato é que a empresa “99Taxis” (aplicativo de internet para chamar taxi, patrocinadora do Corinthians) fez uma propaganda dizendo assim: “Psicólogo está caro? Converse com o Taxista! 

Então alguns psicólogos sentiram se ofendidos ao serem comparados com um reles taxista e argumentavam que a psicologia é algo bem diferente de uma conversa informal num boteco, com um amigo ou com um taxista; pois ela é uma ciência, uma profissão regulamentada e exige uma formação mínima de 5 anos e etc.  Psicólogos e seus conselhos partiram em defesa da profissão.

O “Conselho Regional de Psicologia de SP” lançou no dia 3 uma nota de repúdio (1) dizendo que “a publicidade em questão faz chacota, centrando no custo, que existe em qualquer ação profissional, inclusive na de taxista, uma das ferramentas mais relevantes da Psicologia - a Escuta Qualificada - colocando-a no mesmo nível de uma conversa de botequim.” Logo no dia 6 a “99Taxis” pede desculpas (2) “para todos os psicólogos e psicólogas pelo material divulgado em alguns táxis. Gostaríamos de reforçar que em nenhum momento tivemos a intenção de ofender os profissionais de Psicologia. Infelizmente, não percebemos o desconforto que os adesivos poderiam causar para uma área tão valorizada da saúde.”

A nota de repúdio é necessária para esclarecer e informar. Mas o que fica desse rápido episódio para os psicólogos?

Penso que uma propaganda, mesmo quando feita por “publicitários de formação ética questionável” - como ataca desnecessariamente o CRP-SP - reflete ideias e pensamentos difundidos, daquilo que chamamos de senso comum. Senso comum e piadinhas têm um fundo de verdade e dizem o que não podemos dizer em circunstância normais, como soube perceber Freud em seu estudo “Os chistes e a sua relação com o inconsciente” de 1905 (3). Neste texto Freud lista exaustivamente piadas, jogos de palavras e trocadilhos, inclusive piadas de judeus e as piadas sobre agentes matrimoniais, que eram alvo de muita chacota na época pois muitas vezes tentavam casar “mulheres incasáveis”.

Podemos “combater” ou influir positivamente no senso comum por meio da divulgação da informação correta oficial e científica ou podemos tentar transformar o senso comum com base na atuação direta de bons profissionais na sociedade, mas esta segunda opção é bem mais difícil de se por em prática. A segunda opção responsabiliza todos os psicólogos e professores pela, digamos, “má fama” expressa na propaganda que poderia ser considerada uma piada, um chiste. Mais especificamente um chiste tendencioso, que possui um propósito, ao contrário dos chistes inocentes. Freud diz que “apenas os chistes que têm um propósito correm o risco de encontrar pessoas que não querem ouvi-los” e ainda diz que os chistes tendenciosos precisam de 3 pessoas: uma que conta, outra que ouve e a outra que é o alvo da chacota ou hostilidade. No caso da propaganda da “99Taxis” o alvo é evidentemente os psicólogos e quem ri, ri de um pressuposto, de uma imagem já vulgarizada, a imagem de que o psicólogo apenas “conversa com as pessoas e cobram caro para isso”.

Pela propaganda o psicólogo: [1] cobra caro e [2] conversa com as pessoas como qualquer um.

Diferentemente dos taxistas, os psicólogos não tem um “taxímetro” ou “psicômetro” e são orientados a flexibilizar seus honorários de acordo com as condições psicológicas e materiais de seus clientes/pacientes e ainda garantir a qualidade do serviço prestado independentemente do valor cobrado. É o que determina o Código de Ética do Psicólogo, Art. 4º (4).

Sabemos que o “psicólogo ideal” não conversa exatamente. Ele utiliza técnicas psicológicas de psicoterapia, que podem se assemelhar a uma conversa hora ou outra, mas que possuem um objetivo clínico e uma metodologia cientifica específica. Em outras palavras, o psicólogo é qualificado.

Ora, se a propaganda pode refletir verdadeiramente um senso comum - hipótese que nunca podemos descartar - pode-se supor que há psicólogos que cobram caro para baterem um papo, dar conselhos e opiniões “de mãe”, falar da sua vida pessoal e cometer demais deslizes éticos. É fato cotidiano que vemos psicólogos na TV e outras mídias simplesmente dando opiniões pessoais e “pitacos” sem fundamento científico sobre assuntos mais variados. Basta ver esses programas tipo Casos de Família, Fátima Bernardes entre outros programas de “variedades”. Entretanto, o Código de Ética do Psicólogo, Art. 19 (4) determina que “o psicólogo, ao participar de atividade em veículos de comunicação, zelará para que as informações prestadas disseminem o conhecimento a respeito das atribuições, da base científica e do papel social da profissão.”

Importante nesse episódio é percebermos que a formação do psicólogo talvez não seja “suficientemente boa” e que as determinações éticas da profissão podem ainda não estar claras para a categoria. Assim, com uma formação deficitária e um insuficiente conhecimento da ética da profissão, um psicólogo possa não ser tão diferente assim de um taxista.

A piada, chacota ou propaganda de mau gosto criada pela empressa “99Taxis”, nos convida a um processo de “desidealização” da profissão. Daniel Kupermann (5) aponta a importância deste processo dizendo que “a possibilidade de caricaturar nossos estilos de existência e nossos anseios de onipotência e onisciência nos permite acessar o ingrediente que se impõe como a força motriz da nossa capacidade criativa”. Capacidade criativa que pode movimentar e modificar o senso comum em torno de ideias preconcebidas e falsas sobre o profissional psicólogo.

A formação do psicólogo precisa ser discutida permanentemente e é pouco estudada no Brasil segundo estudo de Joyce da Costa (6) que aponta sobre a importância de estudos sobre a formação do psicólogo “para a elaboração de reflexões cada vez mais aprofundadas e consistentes, capazes de embasar, a contento, as escolhas e definições relativas à preparação profissional na área”.

Neste artigo de Felipe Lisboa (7), que pretende caracterizar os cursos de graduação em Psicologia no Brasil, “evidencia-se uma enorme, rápida e desordenada expansão dos cursos de graduação, especialmente a partir da década de 1990.” O autor aponta que “a formação inicial dos psicólogos brasileiros não é a pretendida, a desejada pelos próprios integrantes da área e, também, por aqueles que dela podem se beneficiar. Forma-se, atualmente, para o passado, para poucos, para a manutenção, para a alienação.”

Por outro lado, vemos Silas Malafaia (pastor psicólogo), Marisa Lobo (psicóloga cristã) e outros psicólogos menos famosos mas que expressam publicamente opiniões que em quase nada tem a ver com a psicologia. Eles nos dão um panorama da situação da imagem pública do psicólogo na sociedade Brasileira.     

 Finalizo com uma piadinha de judeu, apresentada por Freud.

Um judeu notou restos de comida na barba de um outro e ele diz: - “Posso dizer-lhe o que comeu ontem.” – “Diga-me, então,” – “Pois bem, lentilhas.” – “Errado: isso foi anteontem!”’

Freud era judeu mas não perdia a oportunidade de rir de si, mesmo em situações delicadas, e analisar seriamente manifestações culturais como dados importantes da realidade.

Deste episódio fica portanto um dado da realidade: os psicólogos são vistos de uma forma completamente diversa da forma que idealizam e precisam, antes de defender-se ou sentirem-se atacados, humildemente analisar a situação, discutir permanetemente questões éticas e da formação profissional e, se possível, responder a uma piada com outra piada, como sugiro a seguir:

Caríssimos  Diretores da 99Taxis,

Pedimos a modificação da propaganda, incluindo mais uma sentença.       

Psicólogo está caro? Converse com um taxista!.

Mas se o taxista não ajudar, converse com um psicólogo*!

*O psicólogo é um profissional qualificado para isso e não usa taxímetro!


 

REFERÊNCIAS (caso você esteja lendo a versão impressa, acesse o blog www.revide.com.br/blog/luis-fernando-s-de-souza-pinto, para obter os textos usados referências)

(1) https://www.crpsp.org.br/portal/midia/fiquedeolho_ver.aspx?id=911

(2) https://www.99taxis.com/nota-de-esclarecimento-desculpas/

(3) https://www.freudonline.com.br/livros/volume-08/vol-viii-2-a-parte-analitica

(4) https://www.crpsp.org.br/portal/orientacao/codigo.aspx

(5) https://www.scielo.br/pdf/pc/v22n1/a12v22n1.pdf

(6) https://www.ufjf.br/psicologiaempesquisa/files/2013/02/v6n2a06.pdf

(7) https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-98932009000400006

 

Compartilhar: