Quando vou ter minha “Carteirinha Oficial de Psicanalista"?

Quando vou ter minha “Carteirinha Oficial de Psicanalista"?

 O LEITOR PERGUNTA

 “Olá Luis,

Conversamos em ocasiões anteriores, falamos sobre a inexistência de uma legislação que regulamente o exercício da psicanálise. Também sobre os muitos cursos de qualidade duvidosa no mercado. A pergunta é: Preciso mesmo do certificado de um desses cursos tão rasos para exercer a psicanálise, visto que não há regulamentação legal para tal exercício? Posso exercê-lo por conta própria, enquanto busco novos cursos de especialização e dou continuidade às minhas experiências?”

RESPONDO

Olá, tudo bom?

Quanto ao certificado: Isso é o de menos. Como não há quase nenhum aspecto legal envolvido na prática da psicanálise o certificado fica em segundo plano mesmo. O que se busca na formação de psicanálise é, como você disse, uma “experiência”.

É fundamental que você (1) estude psicanálise de maneira minimamente sistematizada frequente seminários, aulas, grupos de estudos e eventos; (2) faça análise pessoal com algum psicanalista e (3) quando começar a atender, faça supervisão dos seus casos com outro psicanalista.

Esse é o tripé básico que sustenta a prática da psicanálise, e penso que quase todas as escolas de pensamento da psicanálise concordam em adotar este sistema. Esse processo é fundamental e deve ser realizado por alguns anos (de 4 a 5 anos, pelo que pude ver) para que você esteja “habilitada para exercer a psicanálise”. É bom lembrar, que a única coisa que garante esta “habilitação” ou “prática profissional” é apenas o seu desejo de continuar a ser psicanalista e não um certificado desta ou daquela escola ou grupo de formação. Um psicanalista, ao meu ver, nunca “é” de fato um “psicanalista” pronto e formado; pois ele está sempre em processo de formação continuada (pelo menos espera-se isso) e a profissão simplesmente não é legalmente reconhecida (o Ministério do Trabalho reconhece a psicanálise como ocupação e você pode ver isso na Classificação Brasileira de Ocupações no site do Ministério).

Muito embora o certificado fique em segundo plano, peça os certificados de sua análise pessoal, supervisão e estudos, para simplesmente constar em seu currículo. É um direito seu. Mas não é tudo, certo? Você está certa quando diz de “cursos rasos de psicanálise”.

Como a profissão e o ensino não são regulamentados em nível federal/estadual e a psicanálise no Brasil se associou perigosamente à pensamentos dogmáticos e religiosos, é bom tomar alguns cuidados ao escolher um curso.

Acho que você deve fugir de grupos de psicanálise que ofereçam a prática psicanalítica como uma profissão qualquer ou que mercantilizem a prática ( Sloogans: “A melhor/maior sociedade do Brasil”; “os melhores profissionais”; oferecimento de carteirinhas de psicanalista, diplomas, sindicatos e etc.). É típico desse tipo de instituição vender os cursos livres (que tem legislação específica) como se fossem uma “pós-graduação latu sensu nas modalidades doutorado ou mestrado”. Veja bem que absurdo: Mestrado e doutorado são modalidades de pós graduação strictu sensu oferecido nas universidades brasileiras!

Temos o caso clássico da SPOB (Sociedade Psicanalítica Ortodoxa Brasileira... sim, pasme, “ortodoxa”) um típico grupo de psicanálise que você precisa ficar atenta e que historicamente as entidades psicanalíticas Brasileiras (lacanianas e freudianas) já manifestaram seu repúdio [1] 

Interessante navegar pelo website da SPOB [2]. 

Além de erros de concordância e outros erros de português, há fotos de carteirinhas de psicanalistas, fotos compradas em sites para dar um “ar sério” e eles se definem como “a MELHOR equipe de psicanalistas do país”. 

A SPOB, na figura de seu diretor, “Dr” Ozéas da Rocha Machado (que se denomina com “doutor”, não tem currículo público e é pastor evangélico), publicou recentemente uma Nota de Esclarecimento em seu site: 

“(...) Recomendar à Sociedade Psicanalítica Ortodoxa do Brasil - SPOB, na pessoa de seu Diretor Presidente, Ozeas da Rocha Machado, que: continue a se abster de oferecer, no Estado da Bahia, pretensos cursos de graduação ou pós-graduação em Psicanálise, bem como de expedir diplomas e/ou certificados desprovidos de valor legal, tendo em vista que não contam com a devida chancela do MEC, estando a instituição apta a oferecer apenas o tão somente cursos livres”.

Em 2014 a Revista Cult publica uma matéria muito legal sobre isso:

“Em 2000, o deputado Éber Silva, do Rio de Janeiro – ele mesmo pastor da Igreja Batista – apresentou um projeto de lei no Congresso Nacional que visava a regulamentar o exercício da psicanálise no Brasil. Ele recebeu o apoio da SPOB, que passaria a atuar com maior reconhecimento,  aumentando os atritos já existentes com grande parte da comunidade psicanalítica, que comumente a associa a grupos evangélicos. Heitor da Silva afirma que a SPOB foi vinculada aos evangélicos devido a “perseguições das sociedades ligadas ao organismo internacional”, pois sabem que ele e o presidente Dr. Ozéas da Rocha Machado são pastores evangélicos. “A SPOB não oferece cursos para pastores, mas para qualquer pessoa que tenha formação universitária. Nunca foi uma sociedade religiosa ou vinculada à religião”, defende-se. Ele admite, no entanto, que a sociedade de fato forma muitos pastores e líderes religiosos, pois estes exercem funções que lidam com a problemática humana." [3]

Em 2010, a revista Piauí, também lançou uma ótima matéria sobre o que pensam os pastores psicanalistas:

“Na Sociedade Ortodoxa criada por Heitor da Silva, o aspirante a analista conclui os estudos em dois anos, com duas aulas por mês. No mesmo período, ele tem que passar por oitenta sessões de análise pessoal – o que na média significa menos de uma por semana. Já na Sociedade Brasileira de Psicanálise, a primeira a ser criada na América Latina, a formação de um profissional dura quatro anos, mas para se matricular é obrigatório que já tenha feito ao menos dois anos de análise. São duas aulas semanais e 390 sessões de análise ao longo de todo o curso.”[4] 

É isso. 

Embora tenhamos esses casos em que a psicanálise se deturpa ao nível máximo, temos sim ótimos profissionais trabalhando e acho que são a maioria. É só tomar certos cuidados na escolha de seu analista/grupo que você terá chances de aprender psicanálise e praticá-la com a devida cautela e com uma orientação adequada.

Nesse sentido, escrevi este texto em meu blog [5].

Espero ter ajudado

Um Abraço!

Referências

[1] https://www.sedes.org.br/Departamentos/Psicanalise/index.php?apg=articulacao 

[2] https://www.spob.org.br

[3] https://revistacult.uol.com.br/home/2014/05/freud-salva/

[4] https://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-50/anais-da-religiosidade/a-cura-pela-palavra

[5] https://www.revide.com.br/blog/luis-fernando-s-de-souza-pinto/como-escolher-um-curso-de-psicanalise/

 

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