Redução da maioridade penal: uma solução duvidosa para um problema sério

Redução da maioridade penal: uma solução duvidosa para um problema sério

O Brasil têm a terceira maior população carcerária do mundo com 715.675 presos segundo dados do Conselho Nacional de Justiça e há um déficit de mais ou menos 350 mil vagas, ou seja, para prender todos que ainda estão em julgamento ou em prisão domiciliar, precisaríamos construir mais um bom número de presídios. Dados do Ministério da Justiça mostram o ritmo crescente da população carcerária no Brasil. Entre janeiro de 1992 e junho de 2013, enquanto a população cresceu 36%, o número de presos aumentou 403,5%. Ou seja, o Brasil prende muito e sabemos que isso não significa uma maior sensação de segurança ou redução do crime. A punição vem sendo realizada e tem acontecido de maneira crescente e, no entanto, o número de homicídios no Brasil só aumenta. Mas continuamos a pensar que para melhorar a situação da violência no Brasil é preciso prender mais e mais.

Aqui, já dividem-se 2 tipos de pensamento: (1) que prender garante pelo menos que o criminoso não esteja cometendo crimes na sociedade e (2) que prender na verdade piora a situação pois o criminoso se especializa e volta a cometer  mais crimes. Concordo com os dois pensamentos. Mas da mesma forma que controlamos a ingestão de antibióticos, para que no futuro bactérias fortes não sejam selecionadas, devemos sim pensar no que exatamente estamos fazendo quando prendemos um sujeito por 5, 10 ou 20 anos e o submetemos ao atual sistema carcerário. E mais, o que queremos ao submeter adolescentes de 16 anos a este sistema evidentemente precário?   

Quem vai preso no Brasil? 

Célebre frase: “no brasil só vai preso o ladrão de galinhas”. Isso pode ser bem verdade.

Os EUA possuem a maior população carcerária do mundo com mais de 2 milhões de pessoas presas. Em 16 estados do sul há mais pessoas presas do que em dormitórios de faculdade. Os estados do Sul são tradicionais pelo passado escravocrata e por politicas públicas mais repressoras. Embora os negros sejam 27% da população do Alabama, são 63% da população carcerária.

No Brasil não é muito diferente. Estima-se que mais de 70% da população carcerária é formada de negros (estudo da UFSCar, Universidade Federal de São Carlos), jovens de 18 a 28 anos, com baixo nível de escolaridade e com dificuldade de acesso à justiça e a um julgamento mais justo (e por isso são presos?). Em suma, no Brasil são presos os negros e pobres com baixa escolaridade que - diferentemente de Thor Batista - não tem grana para pagar um bom advogado.

O dedo da Mídia

A redução da maioridade penal que está sendo discutida neste momento no Brasil, tem duas formas: uma mais dura que abaixa para 16 anos a idade mínima para ser preso por qualquer crime cometido, e uma mais branda, que pune menores de 16 anos por crimes específicos (crimes hediondos e outros) que foi votada nesta terça-feira (30/6/2015) e recusada. Segundo a UNICEF somente 0,01% dos 21 milhões de adolescentes do Brasil cometeram atos contra a vida. No entanto, a cada hora um adolescente é assassinado no Brasil, o que faz com que o país seja o segundo em homicídios de adolescentes no mundo. Os adolescentes então não seriam mais vítimas do que algozes?  

Por outro lado, há na mídia ampla divulgação de crimes hediondos cometidos por jovens menores e um tom alarmista se instaurou no país. Assim, a grande maioria da população comprou a ideia de que os jovens são os “culpados” pela insegurança. Em 2013, pesquisa realizada pelo instituto CNT/MDA indicou que 92,7% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal.

Os jovens estão mais maduros?

Com muitas pessoas que converso é quase unanimidade que os jovens de hoje são muito mais imaturos, embora mais inteligentes, dos que os de antigamente. Um garoto de 18 anos mal sabe qual profissão escolher, mal saiu do condomínio e não sabe pagar um boleto no banco. Vemos “jovens de 30 anos” comportando-se como adolescentes de 15, não é mesmo? Talvez porque os pais os tenham criado de maneira muito mimada? Talvez sim. Esses jovens criados com brioche e filé, claro, não serão atingidos pela redução da maioridade penal.

Outro ponto importante é que com 14, 16 anos os adolescentes estão numa fase de muitas descobertas, mudanças e normalmente os pais ou a escola não conseguem controlar ou influenciar o comportamento estúpido deles. Um adolescente típico pouco sabe o que faz. Mas acontece que este jovem, acaba passando na faculdade, arrumando uma namorada, um cachorro, um emprego e segue a vida.

Mas e um jovem pobre? Para ele, o crime continua sendo uma opção de vida mais atraente e de fácil acesso, concorda? Obviamente nem todos os jovens pobres são criminosos, mas a maioria dos criminosos (que estão presos) são sim jovens e pobres. Coincidência? Vontade divina? Maldição genética? Não! São os dados que mostram. Então, seguindo este raciocínio, a redução da maioridade penal aumentaria a quantidade de negros e pobres de 16 e 17 anos na cadeia o que poderia inclusive melhorar bastante o processo de formação de novos criminosos. Sangue novo no crime é sempre bom!

O que é um adolescente?

O que está em jogo é a visão que temos do Adolescente Brasileiro. Sabemos apenas que um adolescente é aquele sujeito que não é uma criança e também não é um adulto. No Brasil, pela Lei, adolescente é uma pessoa com idade entre 12 e 18 anos. Para a psicologia a adolescência pode ou não coincidir com a puberdade, é um período com início e fim variáveis e é determinado em boa parte pela cultura. Portanto, é um conceito que pode mudar sim.

O Conselho Federal de Psicologia, CFP (assim como a Ordem dos Advogados do Brasil, OAB e o Ministério Público Federal) é contra a redução. Segundo o CFP, “as crianças e adolescentes são pessoas em desenvolvimento, o que as coloca em um patamar especial, devendo ser alvos de políticas de proteção e promoção de saúde, educação e lazer, entre outros direitos, com total prioridade sobre outras demandas sociais. Abrir as portas da prisão a jovens menores de 18 anos é fechar as portas, não somente para o seu próprio desenvolvimento, mas também para o do país. Atacar o indivíduo, desconsiderando as causas da violência e da criminalidade, é a resposta irracional a um apelo da sociedade de caráter mais amplo por justiça social.”

O problema e o debate

O problema é sério? Sim, muito sério! O fato é que há menores de 18 anos matando, roubando, estuprando, cometendo “crimes de adulto”. Mas o debate e solução propostos são duvidosos. 

O que se está divulgando neste debate no Brasil é que esses jovens, protegidos pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) estão cada vez mais abusados e cometendo crimes hediondos e precisam de cadeia para se curarem do “vírus da delinquência” ou simplesmente para ficarem fora do convívio social; quando os dados mostram que a cadeia no Brasil é (1) ineficiente sob o ponto de vista de reinserção da pessoa na sociedade, (2) serve mais como depósito de jovens negros pobres e sem estudo e (3) articula ainda mais o crime.

Nesse debate pouco se usa o termo “responsabilidade penal” que no Brasil começa com 12 anos - idade muito mais precoce que em muitos países do mundo. Ou seja, com 12 anos de idade uma pessoa já é responsabilizada pelo crime que cometer. Se a punição é adequada, isso é outra história. Isso na verdade era o que deveríamos estar discutindo: outras formas de punir/educar/reinserir. Discute-se a “redução da maioridade penal” como se não existisse “responsabilização penal” ou culpa imputada ao adolescente. Portanto, repito, maiores de 12 anos são responsabilizados criminalmente no Brasil, mas a punição não é eficiente e não traz para a sociedade a sensação de que a justiça está sendo feita. Então, que mudemos as formas de punição/educação aplicadas. Em tese, no Brasil, um jovem de 12 anos pode ser “punido duramente”, o que vai definir isso são os tipos de medidas socioeducativas aplicadas. Se as medidas socioeducativas são falhas e ineficientes, é justamente nelas que devemos aplicar esforços de mudança.

Então, vou ser redundante, o que falta não são novas leis, mas sim aplicar as leis já existentes no ECA e na Lei nº 12.594/2012, que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique ato infracional.

Mais uma vez a ausência do Estado está sendo incentivada por um medida populista, que responde muito mais à um “desejo de afastar o inimigo” do que de reinserir esse “inimigo” na sociedade. Então é simples: se há desejo da sociedade de afastar criminosos do convívio social, vamos começar então e pensar em pena de morte ou prisão perpétua, que afastam definitivamente o inimigo. Mas tem um problema: o inimigo amanhã pode ser seu filho.

Enfim, há que se discutir então um melhoramento do sistema de medidas socioeducativas e levar muito a sério a ideia de “pátria educadora” - melhorando a formação e salário dos professores, modernizando a escola e tantas outras medidas exemplares de países como Coréia do Sul ou muitos outros países que optaram pela educação como motor do desenvolvimento. Temos exemplos de sobra para copiar. As leis estão todas aí... e em excesso! Falta agora aplicarmos as leis com criatividade e boa vontade.   

Existem duas maneira de resolver um problema: um é resolvendo de fato - o que é mais difícil, complicado e leva tempo e o outro é fingindo resolver - que é rápido, aparentemente simples e geralmente espetaculoso.

 

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