Regulamentação da psicanálise: uma mentira contada mil vezes, torna-se verdade

Regulamentação da psicanálise: uma mentira contada mil vezes, torna-se verdade

Alguns grupos divulgam uma tal “Regulamentação da Profissão do Psicanalista”.

Assim, nos sites destes grupos é comum ver listagens de leis, artigos, incisos, decretos e avisos ministeriais - que quase ninguém lê, mas fica aquela impressão de que a psicanálise é regulamentada, importante e sobretudo “pomposa” e cheia de regras ...  É a velha técnica engana-trouxa: dar a psicanálise um “ar de oficialidade” faz com que a venda de cursos e serviços relacionados sejam facilitados. 

Como a psicanálise não é regulamentada oficialmente em nenhum nível (educacional e profissional ou ético) fica difícil para certos grupos de venderem seu peixe. E então no Brasil é muito comum que esses grupos utilizem dessa tática, dando informações “pomposas” e que “querem dizer algo” mas são, na verdade, completamente irrelevantes para o consumidor/aluno. Essas leis, decretos e etc. em quase nada têm a ver com a psicanálise em si, tanto em seus aspectos formativos quanto da prática clínica.

Pela internet encontrei a seguinte figura.

Tentei conversar com quem postou (um grupo que se denomina de “Sociedade de Psicanálise”, contrariando a própria história da psicanálise), mas meu comentário foi excluído sem ao menos ser respondido.

Então, já que me foi negada a conversa e que todos os sites e grupos que mostam essas informações não colocam se quer referência das leis e artigos na íntegra, vamos esclarecer todos os 7 pontos da tal propaganda.

1. Constituição Federal, Artigo 5, incisos II e XIII

O grupo divulga de maneira genérica a Constituição Federal.

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

Ora, sobre o inciso II, não há o que dizer de tão genérico. Mas sobre o inciso XIII é bom dizer que não vale para a psicanálise, porque ela não se constitui como um profissão ou ofício com parâmetros educacionais de qualificação profissional estabelecidos por Lei. É simples assim: o ensino da psicanálise não é regulamentado e portanto não há instituições oficiais de formação. A profissão não é regulamentada e portanto o “profissional psicanalista” não existe. O psicanalista é um trabalhador autônomo que exerce um ofício.    

2. CBO (Classificação o Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho)

A CBO não tem caráter regulador e não tem força de lei; é um documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro. O CBO é historicamente muito utilizados por grupos que possuem interesses econômicos na regulamentação da psicanálise e inclusive em divugá-la de forma equivocada.

3. Decreto nº 2208 de 1997 Diretrizes e Bases da Educação Nacional  

Importante ressaltar que esse decreto não existe! Ele foi totalmente anulado e substituído pelo Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004. Este decreto versa basicamente sobre a educação profissional no Brasil. Só faço uma perguntinha, que já anula este item: como o ensino profissional da psicanálise seria regulamentado, se ela ainda nem foi reconhecido como profissão?

4. Parecer nº 4.048/97  do Conselho Federal de Medicina.

Isso não tem absolutamente nenhum tipo de validade regulatória para a psicanálise. Trata-se apenas de um pedido de consulta ao Conselho Federal de Medicina, que não tem nenhum tipo de relação com a psicanálise em termos científicos,  formativos e muito menos regulatórios. O relator do documento responde a certas perguntas que inclusive esclarecem a situação da psicanálise como prática e ensino não regulamentados por Conselhos Federais ou Leis.

5. Parecer nº 309/88 da Coordenadoria de Identificação Profissional do Ministério Publico Federal e Procuradoria da República Ministério do Trabalho.

Esse parecer é o que mais se repete nos sites de “grupos de psicanálise”, mas não consegui encontra-lo em seu teor original. Além disso, quem montou a figura acima, confundiu Ministério do Trabalho com Ministério Público.

6. Portaria nº 397, de 09 de outubro de 2002

Essa é dose! Trata-se apenas da publicação e aprovação da CBO. Ou seja, é apenas uma repetição do item 2 já esclarecido acima.

7. Aviso Ministerial n.º 257/57, de 06/06/1957 Ministério da Saúde definido como marco histórico da psicanálise

O Aviso não tem força de Lei como diz Dr. Arnaldo de Souza Ribeiro: “somente lei federal pode estatuir regulamentação profissional. O Aviso n° 257/57 não pode ser olvidado como um importante marco inicial para o reconhecimento da psicanálise em nosso país pelo Poder Executivo. Além disso o aviso submete os psicanalistas ao Conselho de Medicina e a Associação Psicanalítica Internacional o que historicamente é um absurdo!

Enfim, essa listagem não oferece nenhum amparo legal e tão pouco regulamenta a profissão do psicanalista no Brasil. Contém dispositivos legais e itens que não contribuem absolutamente em nada para o entendimento do que é de fato o ensino e trabalho em psicanálise, e ainda contribuem para uma divulgação obscura, e até falsa, de grupos, cursos e "profissionais".   


 

REFERÊNCIAS

1 - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

2 - https://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/saibaMais.jsf

3 - https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5154.htm#art9

4- https://www.portalmedico.org.br/pareceres/CFM/1998/2_1998.htm

5-  Não foram encontradas referências

6- https://www.mtecbo.gov.br/cbosite/pages/legislacao.jsf

7. https://www.recantodasletras.com.br/textosjuridicos/1887745

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