Só a fosfoetanolamina salva!

Só a fosfoetanolamina salva!

No dia 29 de outubro de 2015 foi realizada uma audiência pública [1] no Senado Federal para debater pesquisas médico-farmacológica-clínicas com a droga fosfoetanolamina a chamada pílula anticâncer da USP. 

Depois de 5 horas de debate, considero que há sim evidências quanto a sua função anticâncer, inclusive atestada pela Fiocuz, cujo representante na audiência forneceu muitos dados importantes. Há estudos in vitro, em animais e alguns poucos em humanos. Isso já e suficiente para toda a comunidade científica ficar de olho na substância e iniciar imediatamente estudos clínicos completos.  

Estranho 1

Continua estranho para mim porque os testes com essa droga ainda não foram realizados, se a Fosfo é uma droga tão sensacional assim. A justificativa dada pelo Dr. Gilberto Orivaldo Chierice, químico aposentado da USP São Carlos não cola. Ele diz que testes em humanos foram feitos, mas que “os dados estão lá... no hospital”. Em outras ocasiões diz que foi pedir testes em hospitais e até na ANVISA, mas foi ignorado. Diz que é apenas um quimico e não um médico, mas ao mesmo tempo age como "médico" ao receitar uma substância.

Estranho 2

O caminho que Dr. Gilberto preferiu trilhar foi de distribuir a droga para as pessoas (e até ensinar pessoas a sintetizarem a droga em casa). Sendo assim, não pode se sentir incomodado em ser apelidado de “garrafeiro” ou “curandeiro”. Ao mesmo tempo em que profere que “ciência é o preto no branco”, distribui uma substância sem os testes necessários, sem os testes da ciência que ele tanto preza. Parece que Dr. Gilberto sabe de antemão que a Fosfo é inofensiva ao organismo humano e não produz efeitos colaterais e sentiu-se encorajado a fazer isso que chamamos de curandeirismo - uma vez que é proibido distribuir substâncias/medicamentos sem a devida licença da ANVISA. Dr. Gilberto, um cientista brasileiro dos bons e bastante produtivo, saiu da posição de cientista e flerta perigosamente com o curandeirismo. Infelizmente.

Os resultados apresentados durante a Audiência foram interessantes de fato, mas um “homem da ciência” sabe que há necessidade de publicar os dados, para que mundo científico todo tome conhecimento. A pergunta a ser feita pelo cientista é: “Será que o medicamento pode tratar a doença em um nível populacional significativo?” Um cientista tem um prazer quase sexual em tentar descobrir isso!

Estranho 3

Chego a pensar que a Fosfo adquiriu o status de símbolo religioso, como se fosse um objeto sagrado, a hóstia por exemplo. No meio de uma das apresentações da Audiência, ouço sair da boca de um dos pesquisadores: “- Aleluia, senhor!”. Minha orelha fica em pé. Com a orelha bastante em pé ouvi muitas vezes a frase: “- Ajudar as pessoas”. Minha desconfiança fica ainda maior, pois um clima estranho domina a Audiência. Homens louvando uma pílula. O Messias chegou: é uma pílula azul e branca! (desculpem a ironia, mas foi exatamente assim que me senti ao ouvir homens que, sem dados científicos completos, afirmam a eficácia terapêuticas de uma substância).

Muito evidente foi que no meio dessa “discussão cientifica” haviam discursos muito acalorados, gente pedindo de joelhos que os testes sejam feitos (como se a ANVISA pudesse fazer isso!). Mas a pergunta que fica é: aonde estão os pacientes que tomaram a Fosfo e não tiveram resultados bons? 

Pense comigo, em um exemplo: 10 pessoas tomaram Fosfo e outras 10 fizeram Quimioterapia.

Das 10 pessoas que fizeram Quimioterapia, 8 melhoraram e voltaram pra suas casas, sem alarde e sem postar no Facebook que “quimioterapia é a coisa mais fantástica do mundo” (mesmo porque não é!).

Das 10 pessoas que tomaram Fosfo, 2 melhoram e essa duas simplesmente se encantaram com os “efeitos da droga” e vão a público defender o “tratamento”. Associam a cura à pessoa de Dr. Gilberto, que passa a ser considerado um “guru da cura do câncer” (embora ele nunca tenha declarado ser um guru ou desejar sê-lo). A mídia compra esses relatos e amplifica de uma forma tal, que a discussão passa longe da ciência. E não adianta você explicar para uma pessoa que uma droga precisa de testes, porque ela, após ser curada, não escuta. Está encantada e não há o que se fazer. 

Estranho 4

Foram apresentados casos de crianças tratadas com a Fosfo, o que deu um peso dramático enorme aos casos. O palestrante chegava a chorar! As pessoas aplaudiam! E quando o representante da ANVISA foi esclarecer o papel da agência, tomou uma vaia! Sim! Foi vaiado! A ANVISA é o mal, a Fosfo é o bem.

Concluo que a discussão em torno da Fosfo passou para o terreno religioso de fato. Formam-se grupos de defensores da pílula, contra a ação infame da ANVISA. A pílula dá esperança aos pacientes com câncer. Só a Fosfo salva!   

Estou exagerando a situação para percebermos que os exageros estão acontecendo em torno de algo muito sério. Trata-se de saúde pública. Trata-se de um país produzir e distribuir uma substância química para muita gente. Trata-se de pessoas que deixam de realizar um tratamento com radio/quimioterapia, que são eficazes, para tomar algo que simplesmente não sabemos qual efeito tem em grandes populações! Trata-se de oferecer uma opção de tratamento e certa esperança, sem uma comprovação. Eu sempre desconfio quando ouço a frase “quero apenas ajudar as pessoas”. Nem cientistas, nem religiosos são santos isentos de desejos e interesses.   

Enfim, fiquei emocionado em alguns momentos da audiência, tamanha a carga dramática dos casos e das falas e penso ser importante que os testes clínicos completos sejam realizados. Acho que se eu fosse um paciente terminal, iria desejar tomar a droga sim e iria fazer de tudo pra conseguí-la, mesmo sabendo que o que temos de concreto são apenas boatos. A Fosfo tem potencialidades científicas sim, e caso não seja comprovada sua eficácia, as pessoas continuarão a tomar, pois não há ciência que submeta o desejo humano de salvação. E é disso que se trata.      

Referência

[1] https://www12.senado.gov.br/ecidadania/visualizacaoaudiencia?id=5528

 

 

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