Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Julho de 2016

Leitura dos Fatos do Agro e da Cana em Julho de 2016

Especial para a Revista Canavieiros, edição de Julho de 2016, por Marcos Fava Neves

O que acontece com nosso agro?

Continuam boas as notícias do agro. Exportações no primeiro semestre chegaram a US$ 45 bilhões, 4% acima do mesmo período de 2015. As importações caíram 13,7% (quase US$ 6,1 bilhões) portanto o superávit do agro foi de quase US$ 39 bilhões (7,5% acima). Sustentando o Brasil no primeiro semestre.

Em junho exportamos US$ 8,31 bilhões, queda de quase 9% em relação a junho de 2015. Como as importações do agro cresceram 3,1%, o superávit ficou em US$ 7,22 bilhões. Houve queda principalmente na soja, que neste mesmo mês de 2015 foi extremamente bem.

O índice de preços de alimentos da FAO voltou a subir 4,2% em junho, e acumula alta de cinco meses seguidos. Já é o maior valor desde julho de 2015, o que mostra a recuperação, em dólar, dos preços. Foi também o maior aumento mensal em 4 anos.

Esta subida é justificada também pela estimativa que em 2016 consumiremos parte dos estoques mundiais, pois a produção de grãos deve ficar em 2,544 bilhões de toneladas (crescimento de 0,6% em relação a 2015), e o consumo em 2,556 bilhões (1,3% acima), o que diminuirá os estoques em cerca de 1,5% (635 milhões de toneladas ou 24,2% da necessidade).

Já nas projeções de longo prazo (2016/2025), a FAO acredita em preços de grãos muito semelhante aos atuais, devido ao equilíbrio entre o crescimento na demanda (menos acelerado que na década anterior) e na produção (média de 1,6% ao ano). Porém, incertezas no clima e em políticas públicas podem alterar o quadro, com viés de alta. O crescimento no consumo de proteínas animais puxa o consumo de grãos para rações. A FAO projeta a expansão da área produtiva mundial em 42 milhões de hectares (4%), ou 4 milhões de hectares por ano.

A FAO/OCDE diz que o Brasil será o país com a maior expansão nos próximos 10 anos. Projeta aumento de 7% na demanda brasileira de cereais e de 34% para rações. Projeta que adicionará 11 milhões de hectares para soja, passando a produzir 135 milhões de toneladas, 30% do total global e tomando 43% das exportações mundiais. No caso do milho, expandirá a produção em 27% e ocupará 22% do comércio mundial. Nas carnes, vai crescer 25%, produzindo mais 6,2 milhões de toneladas. O Brasil ocupará 26% das exportações mundiais de carnes.

A última estimativa da CONAB, lançada em julho, sobre a safra de 2015/16 mostra sensível queda de 8,9% na produção, das 207,6 milhões de toneladas (somando as culturas de inverno e verão) para 189,27 milhões de toneladas. Caiu mais de 7 milhões de toneladas em relação à estimativa publicada em junho. Algumas regiões foram muito afetadas e preocupa muito o crescimento no endividamento dos produtores do Oeste Baiano e outras áreas do MAPITOBA.

Produtores norte-americanos aumentaram em 7% a área plantada de milho neste ano, e em 1% a área de soja. Como a rentabilidade da soja deve superar o milho, é provável que venha mais soja nos EUA em 2018. Se bem que este comportamento não se verificou nos últimos dois anos. No momento da finalização desta coluna a soja estava nos EUA a quase US$ 11/bushel. Neste momento do ano os preços mundiais são ditados principalmente pelo andamento da safra dos EUA. Apesar de estar acima da média histórica em termos de qualidade (70% como boa e excelente, contra a média de 60%), há receio com o calor intenso e as vendas internacionais e processamento estão sustentando os preços. Como a incerteza em relação à produtividade deve continuar, o mercado estará volátil. Mas bons preços em reais aos produtores brasileiros, pois aparentemente o câmbio acomodou novamente num patamar entre 3,20 e 3,30.

O que acontece com nossa cana?

Embraer em parceria com a Boeing vem estudando e testando o bioquerosene de cana. Hoje já se pode misturar 10% no querosene tradicional, mas a empresa vê possibilidade de chegar a 100%, abrindo mais um mercado para a cana.

De acordo com a CONAB, o Brasil produzirá (em 2016/17) 691 milhões de toneladas de cana, 3,8% a mais que a safra anterior. Um recorde. Produziremos 12% a mais de açúcar, motivados por preços 50% maiores e o etanol deve cair 0,4%, produzindo cerca de 30,3 bilhões de litros. Não repetiremos o bom resultado de 2015, quando o consumo cresceu quase 20%. Isto é o que sempre lamento em todas as colunas nossas aqui.

Segundo a UNICA, a taxa de renovação dos canaviais em 2015 foi de apenas 10%, o que é sensivelmente abaixo do que o mercado demandará.

Raízen deve processar entre 60 a 63 milhões de toneladas, sendo 57% destinadas para açúcar. Zilor apresentou o resultado da safra, tendo lucro puxado principalmente pelo anidro e pela levedura. Mesmo num ano difícil, muitas empresas com aquelas características de gestão eficiente na agrícola, e baixo endividamento conseguem virar com bons resultados.

Seguimos com a doença mais séria da cana, o endividamento. Segundo Alexandre Figliolino, cerca de 15 grupos que representam 26% da cana no Brasil (142 milhões de toneladas) poderão ser alvo de tentativas de aquisições. 17 grupos que processam 205 milhões de toneladas (38% do setor) têm condições de fazer estas aquisições. Em 2015/16 a situação financeira se deteriorou, pois a relação entre dívida liquida e Ebitda das empresas passou de 4,3 para 4,7 (9% maior). O endividamento é de R$ 148/tonelada de cana. Já o Rabobank estima este endividamento em R$ 143/ton, sendo a dívida do setor estimada em R$ 93,7 bilhões.

Este elevado endividamento drena importante parcela do lucro operacional do setor.

O que acontece com nosso açúcar?

Preços chegaram a 21 cents/libra peso no final de junho, o maior desde 2012, surpreendendo a todos, pois não lembro de ter visto analistas de mercado no início deste ano dizendo que preços passariam e muito dos 16 cents.

Já exportamos na safra 2016/17 o total de 4,755 milhões de toneladas, 37% acima da safra anterior, estima-se que algo entre 70 a 85% já esteja fixado. Quando se compara os últimos 12 meses, as exportações de açúcar cresceram mais de 7%, chegando a mais de 26 milhões de toneladas.

O regime de chuvas na Índia está melhor que a média histórica, o que deve aliviar um pouco as perdas naquele país, mas mesmo assim devem importar.

Clima seco no Brasil vem ajudando no desempenho da moagem pelas usinas recuperando as chuvas de junho, o que era um temor que tínhamos.

Segundo o CEPEA o açúcar em junho remunerou 75% a mais que o anidro e 90% a mais que o hidratado. Preços chegaram a R$ 87,40/saca de 50kg.

Datagro aumentou a projeção de déficit de 6,09 para 7,1 milhões de toneladas na safra 2016/17. Estima produção no Centro Sul em 35,2 milhões de toneladas, advindas de 625 milhões de toneladas de cana. A relação entre estoques e consumo também apresenta queda, vindo de 48,1% em 30/09/15 para 39,8% em 30/09/17 ajudando a sustentar os preços do açúcar.

Biosev já fixou a venda de 95% do açúcar de 2016/17 e 40% do açúcar de 2017/18. Esta venda foi de 645 mil toneladas, a 18,35 cents/libra peso e câmbio de 3,692.

O Brasil deve consumir 10,8 milhões de toneladas no mercado interno. Vale lembrar que já chegamos a consumir 11,4 milhões de toneladas. Não devemos esperar muita coisa no futuro consumo brasileiro.

A última estimativa da União Europeia é que seus membros devem produzir na safra atual (2016/17) 16,3 milhões de toneladas, quase 10% acima da safra anterior, mas abaixo da produção de 2014/15 que ficou em 19,5 milhões de toneladas.

No açúcar os fatos estão mais positivos que o melhor cenário que traçamos no início do ano. Falta agora recuperar mais sustentavelmente o etanol.

O que acontece com nosso etanol?

Quando se compara os últimos 12 meses, as exportações de etanol cresceram mais de 100%, chegando a 2,4 bilhões de litros.

A má notícia é que de janeiro a maio o consumo do etanol caiu 13% quando comparado a 2015.

Com a promessa feita pelo Governo brasileiro na COP-21 de ampliar de 6% para 18% até 2030 a presença de biocombustíveis na matriz energética, devemos produzir cerca de 50 bilhões de litros de etanol.

O mercado de etanol dos EUA permanece muito promissor à nossa indústria. De acordo com a UNICA, nos últimos 4 anos ocupamos 2% do mercado de combustíveis renováveis nos EUA e 10% dos renováveis considerados avançados. Acertando esta equação financeira, é uma grande oportunidade aberta ao Brasil.

Ganha frequência a informação da volta da CIDE na gasolina. E com o petróleo entre US$ 45 a 50 o barril, o açúcar ao redor de 20 cents/libra peso e a Petrobrás na situação em que se encontra, são favoráveis os ventos do etanol. Estou animado.

Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto.

Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires e Membro do Conselho da Orplana.

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