Medicina e Planejamento Estratégico

Medicina e Planejamento Estratégico

Sou professor titular da Faculdade de Economia Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo – FEARP/USP. Uma de minhas áreas de especialidade, que leciono aos alunos de graduação e pós e que também já participei de diversos projetos em organizações públicas e privadas é o planejamento estratégico.

Tenho um cunhado que é médico, clinico geral, e por isso já fez diversos diagnósticos de pacientes para os mais variados casos e receitou inúmeros remédios e atividades em sua carreira. Comecei a reparar que apesar de diferente, nosso trabalho tem enormes semelhanças que gostaria de compartilhar com vocês nesse texto.

O que acontece é que o paciente é diferente, eu trato de organizações e ele de pessoas.

Explico: o planejamento estratégico consiste em uma primeira etapa de entendimento da organização em questão. O entendimento nada mais é do que um diagnóstico da situação da empresa. Realizo exames de rotina em todo o “corpo empresarial”, como análise de documentos e relatórios financeiros, entrevistas com gestores, funcionários e diversos envolvidos nas operações.

São dois ambientes diferentes a serem analisados aqui, a parte interna da organização como as operações e o desempenho das áreas funcionais (no paciente seriam as dores, sintomas apresentados e outros) e a parte externa a organização como o mercado onde ela está inserida, os impactos que ações e mudanças políticas, econômicas, ambientais, culturais e tecnológicas podem ter na empresa (nas pessoas podem ser os hábitos alimentares, atividades físicas e outros fatores externos que impactam na saúde).

Assim como nos exames que fazemos em laboratórios, o resultado sempre é acompanhado de uma faixa recomendada, de acordo com características pessoais como idade, sexo, peso, entre outros, temos um “range” de quais seriam resultados adequados em cada um dos indicadores.

Por isso, também apresento para as organizações que auxilio quais são os intervalos que esses exames deveriam indicar através do benchmarking, ou seja, estudamos organizações de porte, idade, mercado de atuação, faturamento, público alvo, entre outros, que sejam semelhantes a empresa foco e, juntamente com levantamento de dados do setor, estabelecemos quais seriam valores e resultados médios esperados a serem comparados com a realidade atual.

Tal como na medicina é necessário que o paciente seja honesto e participe ativamente da fase de diagnóstico listando ´seus hábitos, atividades, dores, etc.; no planejamento eu preciso que as organizações estejam totalmente engajadas no processo de entendimento, todas as informações e dados importantes precisam ser informados à minha equipe, e a participação do maior número de funcionários e áreas é necessária para um planejamento bem feito.

Outro momento importante de participação é quando apresento o resultado desses “exames” para as empresas. Muitas vezes o paciente também não gosta de ver que está com o colesterol alto, pressão lá em cima, mas é preciso as organizações entendam que os remédios que irei receitar são para reestabelecer a “saúde” e “bem estar” delas.

É nesse momento que começa a segunda etapa do planejamento estratégico, os chamados projetos estratégicos. A partir do entendimento do ambiente tanto interno quanto externo em que a organização está inserida, são sugeridos projetos estratégicos, ou se preferirem, “remédios” para tratar os problemas e/ou para melhorarem ainda mais o que já funciona bem.

Assim como um corte da cervejinha ou diminuição na ingestão de doces acontece para os pacientes de meu cunhado, os remédios que acabo receitando podem ser dolorosos para algumas organizações. Principalmente quando, pelos motivos mais diversos, a empresa não quer escutar que tem problemas ou pontos para melhoria.

Algo muito frequente em planejamentos estratégicos, é que após ouvir o diagnóstico e quais são os remédios receitados, muitas das organizações que trabalhei falham na implementação e execução desse plano. De nada adianta um processo muito estruturado e bem feito, caso não seja colocado em prática.

Todos nós sabemos que isso é verdade por nossas experiências com médicos: após a consulta que inicia o tratamento, na qual recebemos remédios muitas vezes dolorosos, a melhora do quadro e da saúde só virá com mudanças de hábitos e a ingestão da medicação indicada.

Seja durante as consultas de retorno, ou no auxílio para implementação de um planejamento estratégico, o profissional é importante, porém a mudança deve vir da própria pessoa/organização, que faça o que lhe foi recomendado, para voltar a ser saudável/competitiva.

Marcos Fava Neves é Professor Titular da FEA/USP, Campus de Ribeirão Preto. Em 2013 foi Professor Visitante Internacional da Purdue University (EUA) e desde 2006 é Professor Visitante Internacional da Universidade de Buenos Aires.

 

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