O risco do poder vazio

O risco do poder vazio

A política brasileira virou um filme eletrizante que apresenta uma nova configuração de poder ainda indefinida. Há poucos dias, uma das cenas mais inusitadas, e até cômicas, colocou o poder Judiciário em xeque. O presidente do Senado, Renan Calheiros, um dos maiores representantes do poder político, recusou-se a cumprir uma decisão judicial de um ministro do Supremo Tribunal Federal, ganhou a queda de braço e no dia seguinte declarou com a maior cara de pau “que as ordens judiciais não devem ser discutidas, devem ser cumpridas”.

Depois de um traumático processo de impeachment, com sérias consequências para a economia, no apagar das luzes de um ano muito difícil, a opinião pública nacional está chocada com o vazamento das bombásticas revelações de 77 executivos da Odebrecht. O poder trocou de mãos, mas a simples mudança não garante avanços, pode resultar em retrocessos. Embora sejam conteúdos vazados que ainda dependam de comprovação e de validação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), as revelações acertaram em cheio o poder central, mais especificamente a cúpula do novo governo do PMDB. O ex-executivo da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, citou de maneira contundente, o presidente Michel Temer, o ministro Eliseu Padilha e os senadores, Renan Calheiros, Eunício Oliveira e Homero Jucá, além de outros membros do partido. Há que se dar aos envolvidos o tempo necessário para que apresentem suas defesas, embora, até o momento, não haja conhecimento de grandes injustiças cometidas pela Lava-Jato. 

Outra face do poder começa a sucumbir diante da avalanche de denúncias vindas da Odebrecht.  Cardeais do PSDB aparecem de forma enfática no infindável turbilhão da corrupção nacional, o que democratizou as denúncias, por ora, entre os três principais partidos do país; PT, PMDB e PSDB. O PSD, do ministro Gilberto Kassab, aliado de ponta da prefeita de Ribeirão Preto, Dárcy Vera, já desponta no horizonte como um potencial grande envolvido. De maneira consistente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que na contabilidade paralela da Odebrecht aparece com o sugestivo nome de “Santo”, foi citado na delação premiada. O ex-executivo da Odebrecht, Cláudio Melo Filho, diz que a empresa deu R$ 2 milhões em espécie para pessoas próximas do governador, destinadas às campanhas de 2010 e 2014. Sobre as denúncias, a assessoria do governador informou que “é prematura qualquer conclusão com base em informações vazadas de delações não homologadas.” A resposta de Alckmin ainda acrescenta que apenas os tesoureiros oficiais estavam autorizados a arrecadar fundos para a sua campanha.

A devastadora delação de Cláudio Mello foi apenas a primeira de uma longa série que produzirá muitos estragos e mudanças na divisão do poder nacional. Dependendo do ritmo e do rumo das investigações, pode ser que o atual governo não sobreviva às denúncias, perca a frágil credibilidade e corra o sério risco de não chegar até 2018. Pelo andar da carruagem, poucos políticos ficarão fora do alcance das denúncias, o que projeta um cenário sombrio sobre os dirigentes do país.

O vazio de lideranças e de poder produz como consequência o esgarçamento das relações institucionais. Falta aos governantes atuais a legitimidade capaz de conduzir o país em um momento de tantas dificuldades. Nesse vazio de poder, proliferam jogadas oportunistas e interesseiras. O ex-ministro Geddel Vieira Lima, por exemplo, caiu ao ser descoberto tentando usar em benefício próprio o poder de um alto cargo da República. Normas, regras e ordenamentos são atropelados com frequência, criando um clima de instabilidade, sentimento de ódio e de revolta. As bases do establishment estão minadas, mas não há um projeto ou uma liderança com carisma suficiente para fazer a contraposição. O circo não está em chamas, mas também não há nada de promissor no picadeiro. 

A selvageria entre poderes precisa ser desarmada e ceder lugar para a serenidade que se faz necessária para superar a crise política e econômica. Caso o bom senso não volte a ser predominante, o país corre o risco de aprofundar a recessão e o desemprego. Poder é ação e movimento que só existe quando exercido de forma contínua, de preferência em direção a um objetivo minimamente consensual. Caso contrário, surge um vazio que sempre dá origem a uma imprevisível nova forma de poder.  

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