As crenças do povo
Nelson Jacintho
03 Fev 2017 14:27
As crenças nas simpatias, no nosso país, apesar de muitas vezes serem engraçadas são algo de muito sério.
Trabalhando nos vários ambulatórios de assistência médica por onde passei, presenciei fatos hilários, dramáticos e, até, trágicos.
Certa ocasião atendi uma criança de dois anos de idade que ainda não conseguia andar. A mãe aflita não conseguia esconder a preocupação de a criança ainda não andar com essa idade. Ela disse-me que aquele era o terceiro filho e os dois anteriores haviam andado com um ano, apenas. A criança conseguia ficar de pé, agarrada à cadeira, mas não dava um passo sequer. A mãe dizia que já havia levado a criança para benzer em duas benzedeiras e, também, em uma senhora da fazenda vizinha do bairro de periferia onde morava, para cortar o medo.
- Medo de quê!? Perguntei-lhe.
- De andar, disse-me.
- Como se faz isso!?
- Num cocho... Num cocho, onde as vacas comem ração...
- Num cocho!?
- Ela pega uma machadinha, coloca a criança dentro do cocho, e duas pessoas, uma de cada lado, pegam nas mãos da criança puxando-a para frente. Conforme a criança vai sendo arrastada, ela vai batendo a machadinha no cocho e perguntando para as pessoas que estão levando a criança: “o que eu corto?”. As duas pessoas vão respondendo: “o medo de andar”. Ela diz que fazendo isto durante uma semana a criança perde o medo de andar.
- Neste caso não deu certo?
- Ainda não, por isso a trouxe para o senhor examiná-la.
Examinei a criança da cabeça aos pés, não havia atrofia, nem perda de reflexos, nem perda de força muscular dos membros inferiores. A criança não andava porque não estava sendo estimulada corretamente. Ensinei algumas maneiras de estimular a criança a andar mostrando-lhe objetos e bonecas coloridas e a criança começou a andar em pouco tempo. Consegui ajudar a criança e a mãe e, aprendi algo mais do nosso folclore médico.
Em outra ocasião atendi uma senhora com uma verruga na ponta do dedo indicador. Ela disse-me que a verruga apareceu depois de ter apontado uma estrela com o dedo. Depois de ter rezado por três luas cheias para São Jorge, a verruga caiu, mas outras pequenas verrugas estavam aparecendo. Desta vez a simpatia de rezar para São Jorge não estava funcionando totalmente.
Numa terceira ocasião atendi uma senhora gorducha com dor lombar. Ao examiná-la verifiquei um barbante amarrado em torno de sua cintura. Perguntei a razão de estar usando aquele barbante e ela disse-me que era simpatia para emagrecer.
- Este barbante faz milagres, Doutor. Minha comadre ensinou-me esta simpatia e ela não falha, já emagreci quase dois quilos durante este mês. Ela ensinou-me, também, um regime alimentar.
- Como a simpatia funciona?
- Amarra-se o barbante na cintura e a cada semana se dá um nó para ir diminuindo o barbante.
- Quantos nós a senhora já deu?
- Quase consegui dar o primeiro, mas, ainda não dei ...
- Por que não conseguiu?
- Chegaram as festas de fim de ano e aí o senhor já viu, né.
- Acho que a senhora deveria usar um elástico na cintura, no lugar do barbante. Com o elástico a senhora não precisaria dar nós.
- Boa sugestão, Doutor, o senhor teve uma ótima idéia. Vou lançar o elástico emagrecedor e colocar o seu nome, como inventor. A sua idéia foi fantástica. Vou montar uma pequena fábrica de elásticos emagrecedores para as gordinhas desesperadas.
- Não faça isso, não use o meu nome, eu não inventei nada, foi apenas uma brincadeira que fiz com a senhora.
- Fique tranquilo, Doutor, palavra de médico pesa muito, qualquer dia destes estaremos na televisão para fazermos o lançamento dos “elásticos milagrosos para emagrecimento”.
Apesar dos meus protestos para que esquecesse a minha “idéia fantástica”, a gordinha saiu do ambulatório com o firme propósito de montar a fábrica dos “elásticos milagrosos para emagrecimento”.
Neste país tudo é possível! O povo não se assusta com nada! Já se vendeu cartilagem de tubarão, casca de ipê roxo, raízes de espécies de plantas conhecidas e desconhecidas, remédios miraculosas das mais estapafúrdias origens.
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