Uma reflexão sobre o ato de pensar

Uma reflexão sobre o ato de pensar

Há algum tempo me pego pensando sobre o ato de pensar.

"Como assim?" Você deve estar querendo me questionar.

Assumo que também não sei direito de onde vem o desejo de escrever sobre este assunto e nem se conseguirei abarcar e colocar em palavras tudo o que passa na minha mente sobre o mesmo. Será, portanto, apenas uma pequena reflexão, bastante particular, sobre a minha forma de ver o ato de pensar atualmente.  Ou talvez, seria melhor dizer, o ato de evitar pensar. 

Não é difícil, seja em conversas informais ou em contexto de atendimento, ouvir frases com conteúdos deste tipo: "Prefiro nem pensar, se eu penso fico ansiosa, angustiada." "Para evitar pensamentos que me incomodam, eu preencho o tempo com outras coisas, saio com amigos, evito ficar sozinha." "Ficar um dia todo sozinha? Imagina, isso é muito ruim. Prefiro fazer meu dia render."

Tenho sentido que a cada dia estamos nos permitindo menos ficar sozinhos para pensar sobre o nosso dia, sobre o que estamos vivendo e muito menos sobre o que estamos sentindo. O sentir está sendo tão deixado de lado, que o processo de psicoterapia nunca foi tão ameaçador. Afinal, ficar 50 minutos em uma sala com uma pessoa neutra que não está ali para julgar ou dar conselhos, mas sim para facilitar o encontro de você com você mesmo, é algo quase que na contramão do que temos vivido atualmente.

Em seu dia você para em algum momento para simplesmente pensar? Isso mesmo. Deixar um pouco o piloto automático das obrigações e mesmo atividades de lazer (que muitas vezes acabam se tornando obrigações) e simplesmente parar?  Talvez muitas pessoas até tentem, mas estes momentos costumam vir acompanhados de sentimentos de estar perdendo tempo e, mais que depressa, ligam o piloto automático novamente e vão para suas rotinas.

O pensar, numa sociedade cada vez mais ágil, exigente e competitiva, tem se tornado banal. Assim, o que percebo hoje, são pessoas competentes em suas atividades de trabalho, mas extremamente sem habilidades de entrar em contato com o mundo interno e seus sentimentos e pensamentos.  Deste modo, percebo pessoas muito fragmentadas, que quando se deparam com o silêncio, com a angústia e o vazio, não sabem o que fazer com tudo isso, pois são treinadas para não pensar e não sentir.

Bion, psicanalista que estudou bastante a teoria do pensar, não se referia ao pensamento como uma função meramente cognitiva, mas como a possibilidade de o sujeito lidar com a falta e, deste modo, poder  inaugurar um espaço interno de sua própria autoria.  Neste sentido, o pensar surge como uma saída, uma espécie de solução para se lidar com a frustração, pois o pensar só é possível quando algo que o sujeito deseja não se apresenta e este tem que utilizar de outros recursos para sobreviver. Se a capacidade de tolerar frustração for precária, o ato de pensar pode, então, ficar comprometido.

Na sociedade em que vivemos, cada vez mais alheia às frustrações e que busca de forma implacável não sofrer emoção nenhuma, como pode o ato de pensar não ficar prejudicado? O que mais tenho percebido são pessoas extremamente rígidas consigo mesmas, com pensamentos concretos e pouca flexibilidade entre um extremo e outro. Então, neste sentido, o pensar se apresenta como uma ameaça à produtividade da vida moderna e às defesas psíquicas fortemente construídas para conseguir sobreviver.

Mas como pessoa otimista que sou, acredito que não está tudo perdido. Em meio a essa vida turbulenta, corrida, produtiva e de poucos e reais encontros consigo mesmo e com o outro, vejo que as pessoas estão começando a sentir algo estranho, que não sabem nomear, mas que causa muito sofrimento e, talvez, este seja o caminho para voltarem a se conectar de verdade consigo mesmas, com seus pensamentos e sentimentos, o que promove a integração do próprio self.

Que possamos, então, parar, refletir, sentir e nos conectar com o que o humano tem de mais próprio e singular, que é o pensar.

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