Além do tempo  - a arte enquanto drama do mundo

Além do tempo - a arte enquanto drama do mundo

O tema central da novela “Além da vida”, da Rede Globo,  não é o amor romântico na sua interpretação da alma gêmea. Na doutrina espírita kardecista constam as almas afins, em mesma sintonia, em níveis semelhantes de aprendizados, de interesses, de saberes entre tantas outras modalidades de pluralidade de ser e estar no mundo dos encarnados ou desencarnados – este um tema não analisado (como foi outrora na novela “A viagem”).

                Lívia e seu conde não são o centro da trama, mas uma das relações possíveis entre os sobreviventes (encarnados) deste mundo. Não são almas gêmeas como aspira ao amor romântico numa salada de frutas que envolvem de Platão aos platonismos passando por doutrinas outras espiritualistas e reencarnacionistas.

                Centro da questão ali posta é como o amor e seu oposto – o ódio, este uma das variantes das formas do amor doente – influenciam a vida dos que nos foram confiados, os filhos. Sim! O tema central é como a vida amorosa ou de desamor influencia a vida dos filhos. A expressão mais acabada disto é Anita que nega o amor de casal em nome dos avanços da ciência pela concepção in vitro. Superado o trauma do desafeto retorna o amor em sua construção lúcida. Assim, as relações de causa e efeito, tão típicas das ciências do século XIX – e ainda hoje nas ciências ditas da natureza e exatas – e que influenciaram o espiritismo kardecista demonstra suas relações com a vida anterior dela entre o amor e a paixão – mais uma variante das formas de amar – enquanto (des)aventura que viveu com Roberto.

                A pergunta de fundo da trama evoca é “os filhos pagam pelos pecados dos pais”? Parece que sim! – segundo a trama. Mas, podem se libertar destas amarras e viver o esplendor do destino próprio em meio as suas interconexões de sentido e trajetórias.

                No caso do menino Francisco, não é diferente. O tema é como o amor dos pais ou vivência da morte destes podem influir em seu destino, em sua trajetória de vida. O mesmo com Bianca e sua irmã Felicia e todas as demais crianças e adolescentes da trama. E, como cereja do bolo, o caso do menino Alex que sofreu em outra vida a desventura da perda dupla do pai. A primeira pela perda do pai incapaz de adotar o filho diante da calúnia de não ser filho biológico. Assim, é posta a trama que alcança muitos pais. A paternidade, assim como a maternidade, exigem um ato de adoção daquele que nasce. Não basta ser biologicamente filho, tem de ser desejadamente filho para se ter um pai ou mãe presentes e afetuosos. Filipe, assim, não viveu a paternidade em plenitude na vida de Conde. Nesta, enquanto vinicultor, a vive independente da questão biológicas – são as superações do amor entre pais e filhos – tema central da novela. A segunda, quando Felipe é assassinado por Pedro que lhe rende marcas vividas em sonho.

Por outro lado, a condessa que manipula o filho Bernardo em nome de um amor possessivo, onde só há espaço para o egoísmo do espelho – amo-te somente se fores igual ao que desejo que me represento – e, neste ponto, o filho com sequelas mentais é inadmissível no convívio social e deveria ser sepultado em vida num manicômio – prática tão comum nas famílias abastadas ou medianas para esconder filhos gays, desvirginadas, e tantos outros outrora classificados como loucos. 

Mas, aquela que se pretende antítese da Vitória Condessa é o espelho de ponta cabeça da mesma realidade com Lívia nas duas vidas. Tanto em uma vida como cigana artista ou nesta como abastada empresária de sucesso, Emilia é o reflexo da possessão dos filhos manipulados por dores próprias e mágoas outras dos pais.

Alberto se vingando da Condessa Vitória que lhe negou a paternidade no último suspiro, nesta, numa relação de causa e efeito produziu o ódio em Mili , negando àquela a maternidade em vida. Mas, quem paga todas as contas é a filha que precisará a tudo superar. Nas palavras de Lívia – tudo pode ser perdoado, eis a heroína.

Neste contexto, para iniciar os desfechos da novela o primeiro amor que se expande é o do capataz Bento, sendo nesta vida enteado de Vitória, se depara com a realidade dos erros do pai (des)herói que assassinou a mãe. Diante da realidade e do perdão tudo se resolve e os nós se desatam em uma trama de liberdades ilimitadas e de possibilidades novas para Bento.

Para avançar em direção ao remate da novela a pergunta do final do capítulo de Além do Tempo de hoje, 06 de janeiro de 2016, remete ao tema central e suas variações: pode o amor mais que o ódio? Ou, em outra palavras, o ódio, que é uma das variações do amor doente, pode ser superado a que empenho na relação entre pais e filhos?

Coroando estas relações Melissa traz a tona o drama das separações em todos os tempos, da visão do abandono feminino ao desafio da mulher emancipada no século XXI. Mas, a resposta dela seria semelhante à de Medéia, da Tragédia Grega? Medéia assassinou os filhos para se vingar daquele que se separava dela – Jasão. O primeiro assassinato, do filho Alex, Melissa comete ao dizer que este não é filho biológico de Filipe. Na continuidade realiza a desconstrução do pai ao filho em meio ao assédio moral nas relações familiares, neste caso denominado e tipificado como alienação parental. Mas, chegará Melissa ao assassinato material que já tentara fazer em outra vida com Lívia e consumado por Pedro?

Numa sociedade de tantos divórcios violentos ou com e casamentos mantidos para não dividir o patrimônio o tema é no mínimo relevante, para não dizer de profundidade salutar para pais e mães refletirem sobre como suas ações recaem sobre os destinos dos filhos. E, para além disto, diante de casos como o da Família Nardone – entre tantos outros noticiados em rede nacional de filhos assassinados por pais e vice-versa – o tema é urgente.

Nesta tramas das vidas intimas e pessoais, da vida privada e seus amores e dores as mulheres surgem como as mais poderosas e determinantes das histórias. Vitória do patriarcado? Ao contar a história do amor e do desamor a matéria prima é o feminino diante de homens que circulam ao derredor das determinações? Ou pelos constrangimentos sociais e todas as obsessões?

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