Projeto neoliberal e o retorno à situação análoga a escravização no século XXI

Projeto neoliberal e o retorno à situação análoga a escravização no século XXI

Um amigo neoliberal indiano de Perry Anderson, então consultor do Banco Mundial, disse-lhe, em 1987, no Rio de Janeiro, que o problema do Brasil na presidência de José Sarney (1985-1990) não era a taxa de inflação alta, mas a falta de uma hiperinflação que rompessem os diques sociais para que o povo se submetesse a medidas drásticas deflacionárias: o neoliberalismo.

A política contra a inflação notabilizou-se nos governos seguintes, de Fernando Collor (1990-1992), passando por Itamar Franco (1992-1995) a Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) com agendas que defendiam reformas de tendência neoliberal. Reforma era a palavra mágica que parecia tornar o Brasil o Eldorado do novo século para os investidores, palavra dócil para exploradores de oportunidades altamente lucrativas e que se iniciou com a celebre frase de Collor de que o carro no Brasil era uma carroça. Estava dada a largada para modernização neoliberal via “abertura” de fronteiras à globalização.

Com Fernando Henrique Cardoso a inflação enfim estava “controlada”, fato recorrente em diversos outros países à época, como o Peru que tinha uma inflação superior a 1000%, mas para mantê-la nos níveis desejados, as reformas neoliberais deveriam avançar ainda que lentamente em meio ao processo democrático – um luxo histórico para o Brasil e, grosso modo, para a América Latina. Muitos chegaram a se perguntar se as reformas empreendidas por FHC teria posto no passado o Estado de Vargas que organizou as leis trabalhistas num período que o mesmo ocorria em várias outras nações. Hoje a resposta é clara.

Para postergar a aceleração destas reformas o povo foi ás urnas e sufragou Luís Inácio Lula da Silva (2003-2011) e Dilma Roussef (2011-2016). Ao menos no discurso estes não era neoliberais, mas, também eram liberais, ainda que de tendência “keynesiana”. Todavia, a inflação foi se impondo, no mesmo momento em que ocorria a inflexão da crise internacional que estourou em 2008. O Brasil não tinha como sobreviver tão largo tempo sem o apoio internacional. Como diria FHC acadêmico, sinal de nossa dependência.

Como se isto não bastasse a derrota da elite neoliberal nas últimas eleições nacionais fez com que o ressentimento crescesse e o País se manteve dividido após as eleições. A parcela da elite que se via cada vez mais posta a margem do poder de Estado não conseguira, fazendo o discurso da legalidade, da transparência e da honestidade os votos necessários. Foi obrigada a recorrer ao povo em larga escala, mesmo a contra gosto, ainda que momentaneamente.

As manifestações surgiram solicitando melhorias nos serviços públicos. Multiplicaram-se numa enxurrada diante do Estado e um governo incapazes de resolverem as demandas, em 2013. Mas, ainda faltava um amalgama que unisse as manifestações de modo concertado. O ritmo foi obtido pelas mãos da governante Dilma Roussef que sancionou a Lei 12.850/2013 – Delação Premiada. Neste ponto Dilma pode ser comparada a Princesa Izabel que ao libertar os escravizados assinou a pena de morte do Império.

Foi impossível ao governo manter-se no poder diante de tantas denúncias reiteradas face ao discurso fácil da oposição de honestidade na coisa pública ao mesmo tempo em que acenavam ao povo com vantagens que lhes eram negadas pelos liberais Lula e Dilma. As pautas bombas foram num crescendo deslegitimando o papel da Presidenta e o maior aceno dado ao povo que ia para as ruas foi a reforma da previdência com a “regra 85/95 progressiva”, em novembro de 2015.

Fazia-se o jogo das sombras. Desequilibrava os cofres do governo ao favorecer a incapacidade de controle da inflação em meio a produção da crise política e aos avanços da Lava Jato, ao mesmo tempo que dava ao povo a impressão de que poderiam ser bem mais benfazejos a estes.

Ledo engano. A produção da crise tinha por alvo o retorno ao neoliberalismo. Se a inflação sozinha não dera condições ao avanço pleno destas reformas, (com Sarney) a crise sem precedentes históricos de um congresso contrário a presidência da República de Dilma, aprovando Leis que desestabilizam o País parecia ser o caminho.

O Impedimento da Presidenta era uma necessidade urgente diante da agenda da elite no ostracismo do poder de Estado e de suas verbas e congraçamentos em nome da honestidade e dos direitos do povo.

Uma vez no poder Michel Temer (2016) logo tentou revelar-se acima da sociedade, desligando-se do povo dos movimentos que o promoveram à presidência ao dizer que popularidade não era uma de suas preocupações.

E de fato tem dado provas disso ao nomear tantos ou mais investigados que os do período anterior. O discurso da honestidade, da transparência e dos direitos do povo caíram por terra e deram lugar a “Razão de Estado” a serviço dos grandes investimentos internacionais e acima da sociedade.

Assim, aquilo que os uniu ao povo agora é um empecilho histórico: direitos trabalhistas e previdência. Reforma-los passou a ser o centro da agenda pondo uma pá de cal na quimera do 85/95, mas mais que isto colocar o povo de baixo de tal jugo que a morte será mais certa, sobretudo no norte e nordeste – locais que decidiram as eleições pró Dilma – do que o paraíso da aposentadoria que garantia não o estar aposentado, mas, antes, a configuração de renda suficiente para a família.

O que a inflação não fez, a crise política com os discursos do ódio e do medo parecem ter tornado possível, o regresso a Lei do Sexagenário... via reformas do Estado.

Compartilhar: