Educação correndo nas veias

Educação correndo nas veias

Nunca uma máxima foi tão oportuna como no momento atual vivenciado pela Educação no Brasil, que requer, com urgência, que as “pessoas certas”, estejam “na hora certa” e “no lugar certo”.

O mundo é feito por pessoas. Pode parecer redundância ou clichê, mais uma frase do tipo “autoajuda” entre tantas mil outras, mas a verdade é que são as pessoas que fazem a diferença em quaisquer circunstâncias. Está na energia empreendida por cada indivíduo, na realização de um projeto de vida feliz, a condição primordial ao sucesso ou fracasso de uma empreitada. Reside ai um princípio indispensável às diferentes áreas de atuação, principalmente à Educação: o amor pela profissão.

Prova desta disposição está nos resultados alcançados pelas escolas EMEF Nélson Machado, EMEF Paulo Monte Serrat Filho, EE Profª Irene Dias Ribeiro e EE Prof. Jorge Rodini Luiz, dirigidas, respectivamente, por Maria Amélia Zucoloto Teixeira, Maria das Graças Vilela Martins, Tereza Borges da Silva Souza e Vera Lúcia Bego Lavanhini. As quatro unidades são consideradas bons exemplos a serem seguidos dentro das redes municipal e estadual de ensino. Não os únicos, nem tão raros quanto se possa imaginar, mas exemplos que servem bem ao propósito de ilustrar a afirmação anterior.

No Ensino Fundamental, Ribeirão Preto possui 61 escolas da rede pública estadual e outras 31 da rede municipal. Estando em iguais condições de desenvolvimento, dentro de suas respectivas redes, fica a pergunta: o que determina a diferenciação entre uma e outra senão a boa gestão realizada por seus dirigentes? Localização, clientela, quadro de funcionários e professores, por certo, contribuem para um resultado favorável, mas são variáveis que, necessariamente, passam por uma boa gestão. Nos casos citados, há ainda o agravante de serem unidades escolares de periferia, algumas inseridas num contexto social de extrema miséria e violência, vivenciado a difícil coexistência com o universo das drogas.

Nomeados ou concursados, dirigentes escolares precisam ser pessoas capazes de desempenhar de forma exemplar suas atribuições. O estabelecimento de critérios para esta seleção é um dos pontos do compromisso “Todos Pela Educação”. No “Plano de Desenvolvimento da Educação”, uma das 28 diretrizes para a melhoria da qualidade do ensino, a médio e longo prazo no Brasil, determina que os gestores públicos fixem regras claras, considerando mérito e desempenho, para nomeação e exoneração de diretores de escolas.

ESTRUTURA HUMANA

Especialistas defendem a necessidade de um “choque de gestão” na educação brasileira. Acreditam ser essenciais a um diretor de escola competências como liderança para formar boas equipes e administrar conflitos, capacidade de planejamento estratégico, conhecimentos específicos sobre gestão de recursos financeiros e boa utilização de recursos tecnológicos.

Alberto Borges Matias, professor e pesquisador do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (INEPAD), acredita que o problema da Educação no país está justamente na falta de investimento na estrutura humana. “Se quisermos ter uma Educação de padrões internacionais, o gestor da escola precisa ser preparado para a função em padrões internacionais. Nestes parâmetros, deve ter formação em administração, em educação, em planejamento, organização, controle e análise. A qualificação e o planejamento são essenciais nesse processo. O diretor precisa ter a capacidade de dirigir, controlar, dar uma resposta e motivar para o desempenho”, sugere o professor.

Para Matias, somente um Plano de Educação de longo prazo e investimento em pessoas podem fazer a diferença para a Educação no Brasil. “Quando o aluno entra na escola, ele já precisa ter uma ideia de futuro e isso requer planejamento. É preciso pensar o que se quer da Educação nas próximas décadas, dialogar com indústrias, comércio, área de serviços e construção para conhecer quais serão as demandas por profissionais nos próximos anos e, então, dividir o planejamento para cada período, para formá-los. Com isso se gera motivação. Infelizmente, o processo hoje não começa nesse sentido; o planejamento parte da ideia do que fazer para o ano que vem”, critica Matias.

Tamanha importância do tema levou o Ministério da Educação (MEC) a lançar, no último dia 4 de fevereiro, uma consulta pública, pela internet, com o objetivo de coletar sugestões para a criação de um programa de valorização de diretores de escolas públicas de ensino básico municipais, estaduais e federais de todo país. Estudantes, pais, professores, gestores, comunidade escolar, academia, estudiosos e a sociedade podem apresentar experiências sobre o trabalho dos diretores escolares e fazer propostas, sugestões e comentários, até o próximo dia 2 de março, através do site do MEC.

No contexto desta reflexão — urgente diante da desmoralização do ensino público —, é oportuno dar vez e voz a exemplos de pessoas que, diante do improvável, não se acovardam; em vez disso, perseguem o ideal que as acalenta. É importante conhecer o que pensam e como agem e refletir sobre o perfil adequado à ocupação deste cargo. Assim, senão pela inspiração que representam, ao menos pela homenagem de que são merecedores, ficam as páginas a seguir dedicadas não só a estas quatro dirigentes, como a todos os profissionais que, literalmente, doam corpo e alma ao projeto de uma Educação de melhor qualidade no Brasil.

A VOCAÇÃO PARA O ENSINO AFLOROU CEDO NA VIDA DE MARIA AMÉLIA, que nunca mais perdeu de vista o propósito de existir oferecido pelo aprendizado e pelo trabalho com Educação. “Gosto de estudar, estou constantemente me atualizando e proporcionando isso aos que me cercam porque acredito que o educador precisa de formação continua”, revela. Não apenas formação, mas também dedicação contínua.

Há 17 anos dirigindo a escola Nélson Machado — e tendo outros 12 na bagagem de experiência com a Otoniel Motta —, a gestora é um ícone de coragem e perseverança. “Para realmente conseguir alguma coisa é preciso ficar. Dizem que se deve mudar de escola, mas penso o contrário. Acho que, permanecendo, cria-se a oportunidade de conhecer a família dos alunos e fortalecer os vínculos. Hoje, temos filhos dos meus alunos estudando aqui, a comunidade já conhece bem a escola e tem um bom relacionamento com ela. Nos dias atuais, chego à conclusão que a Educação precisa disso porque não adianta trabalhar de segunda a sexta com as crianças e vê-las retornar diferente após o fim de semana. Principalmente aqui, onde as crianças são heroínas porque sobrevivem às vezes a situações muito difíceis, esse vínculo é essencial”, afirma Maria Amélia.

Localizada no bairro Maria Casa Grande, na zona norte de Ribeirão Preto, a escola está cercada por um cenário desolador de pobreza. Portão adentro, no entanto, trabalhos artísticos expostos nas paredes e fotografias de diferentes projetos realizados por crianças sorridentes dão um tom de esperança ao ambiente.

Maria Amélia “apressou” a aposentadoria no Estado para assumir a direção dessa unidade, considerada difícil pela localização na periferia, em um bairro com alto índice de violência, onde praticamente um aluno era assassinado por ano. A maior dificuldade, conta a diretora, foi disciplinar a comunidade. “Eles vinham apenas para se alimentar. Achavam que podiam entrar e sair a hora que quisessem. Colocar limites foi complicado. Hoje, nosso maior desafio é despertar no aluno o gosto pelo estudo porque eles ainda não dão muito valor para a Educação”, desabafa.

Estampada em um cartaz de boas-vindas, logo na entrada da escola, sua filosofia de trabalho é seguida à risca pela equipe: “meta a gente busca, caminhos a gente acha, desafios a gente enfrenta e sonho a gente realiza”. O amor pela profissão, a  persistência e a abertura ao diálogo são características que considera determinantes ao exercício da atividade, principalmente a última qualidade, pois, segundo ela, o aperfeiçoamento precisa da crítica. Indispensável, no entanto, para um diretor de escola, Maria Amélia, afirma ser a formação continuada. “O profissional tem que se atualizar”, pontua.


EM 2015, ELA COMPLETA 14 ANOS À FRENTE DOS TRABALHOS NA ESCOLA MUNICIPAL PAULO MONTE SERRAT FILHO
, no bairro Cândido Portinari. Ainda pequena, brincava de imitar as professoras e, uma vez decidida a se tornar uma, lá se vão mais de 40 anos dedicados ao ensino. “Iniciei a carreira no SESI, depois passei para a Prefeitura Municipal. Sempre acreditei que pela educação há ascensão social, as portas se abrem, encontramos caminhos para compreender as pessoas e nos compreender melhor”, enfatiza Maria das Graças.

Um grande desafio do trabalho de gestão, apontado por ela, e vivenciado também pelas demais escolas citadas, está na melhoria dos índices de ensino, em função principalmente de contexto social (envolvimento dos pais no processo de aprendizagem e migração de alunos). “Cada escola está inserida em uma realidade com características específicas, diversidade e singularidade. Superar as diferenças que vêm de fora é um desafio constante, pois recebemos alunos de diferentes estados brasileiros e precisamos ter um olhar atento ao entorno”, afirma.

A escola apresentou melhora no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) nos anos iniciais. Em 2005, era 4,8 e hoje está com 6,2, ou seja, já atingiu a meta prevista para 2021, mas nos anos finais ainda há o desafio de melhorar. Atualmente, o IDEB é 4,6. Para isso, a direção tem analisado os dados, buscando o que pode ser aperfeiçoado, já que a escola avançou muito, mas almeja mais.

Dinâmica e determinada, Dona Graça, como é carinhosamente chamada, é do tipo de pessoa que “quando recebe um limão, faz limonada”. Prova disso está nas paredes do pátio da escola, onde há vários quadros feitos por alunos pendurados, todos pintados sobre portas que foram destruídas após um dos arrombamentos de que a escola foi vítima. Para ela, é preciso fazer sempre o melhor para que a educação se transforme em uma tarefa humanizadora, compartilhada com responsabilidade por toda a equipe. “Educação é um trabalho coletivo”, frisa.

Iniciativa é o que considera indispensável na posição que ocupa. Graça acredita que agir com firmeza e perseverança, também administrar bem o tempo e saber ouvir, para criar um ambiente motivador, percebendo as necessidades dos outros e dando a todos um tratamento equitativo, seja uma boa receita. “São muitos os desafios e responsabilidades na gestão de uma escola, por isso, é necessário estarmos em constante aprendizado. É preciso refletir a prática pedagógica, analisar e criar estratégias para o cumprimento das metas, criar boas parcerias e envolver os pais como parceiros da escola. O papel do gestor é primordial em promover no cotidiano uma reorganização dos espaços, dos tempos, dos conteúdos e das relações interpessoais”, conclui.


A PRIMEIRA EXPERIÊNCIA DA ATUAL DIRETORA DA ESCOLA IRENE DIAS EM SALA DE AULA foi em uma escola em Cruz das Posses, onde lecionava no período noturno para trabalhadores rurais. “Tinha 23 anos e não estava preparada. Naquela época, o curso não tinha prática, apenas teoria, só observávamos, não ministrávamos aulas. Comecei lidando com alunos tão jovens quanto eu e que ainda levantavam muito cedo e trabalhavam pesado o dia todo, mas deu certo porque resolvi lidar com a autoestima deles. Foi a maneira que encontrei de trabalhar. Por isso, penso que, como em qualquer outra atividade, o estágio é necessário”, comenta.

Audácia, em sua opinião, é um atributo indispensável a um diretor escolar. “Se eu não fosse audaciosa, teria desistido quando fui removida. Fiquei três dias pensando se permaneceria na escola porque quando cheguei encontrei carteiras, cadeiras, armários, teto e portas destruídos, chão com buracos, mato, tudo em condições desumanas de uso. Por fim, pensei comigo mesma: ‘se é aqui que vim, é aqui que vou ficar’. Fui atrás de um jardineiro e um pintor conhecidos e pedi para me ajudarem. Não tinha verba, mas utilizamos a cantina para angariar recursos e pagá-los. Foram verdadeiros amigos e essa relação de parceria de todos foi e vem sendo fundamental para nosso êxito”, afirma.

Conhecida, naquela época, como “Carandirene”, aos poucos a escola foi se transformando, conquistando a confiança e o respeito da comunidade e hoje chega a ser considerada um verdadeiro “oásis” em plena zona norte, onde é alto o número de homicídios relacionados ao tráfico de drogas. Alunos, professores e funcionários desfrutam de um ambiente bem cuidado, colorido, limpo que inspira cooperação. Câmeras de segurança inibem a ação de ladrões, pichações ou depredações. Os alunos são recebidos no portão com cumprimentos de “bom dia”, “boa tarde” e “boa noite” da direção e coordenação, o que distancia a ação de traficantes. Boa parte dos pais já participa mais da vida escolar dos filhos porque a escola, compreendendo suas limitações, procura marcar reuniões em horários alternativos, no período noturno ou aos sábados.

Como gestora, Tereza prioriza a comunicação e mantém reuniões semanais para alinhar estratégias e trocar informações com toda equipe, de todos os períodos. O maior desafio, segundo ela, continua sendo lidar com a indisciplina dos alunos, resultante de uma defasagem de aprendizado. “Está em nossos planos fazer um maior investimento na alfabetização porque, apesar de chegarem aqui no sexto ano, grande parte tem problemas de aprendizagem. Precisamos avançar nesse sentido porque o aluno que não consegue acompanhar as aulas se torna um problema de indisciplina. Temos que encontrar um caminho para que ele saia da escola dominando a leitura, a escrita e pelo menos as quatro operações. Não dá mais para adiar”, afirma Tereza.


ELA NUTRE AMOR SINCERO PELA ESCOLA ONDE TRABALHOU POR 19 ANOS EM PONTAL. Daquele de levar às lágrimas, a ela e a quem estiver ao seu redor, quando comenta. Mas assumiu, desde 2008, o desafio de recomeçar, em Ribeirão Preto. Na direção da Escola Estadual Jorge Rodini, no Jardim Procópio, setor norte da cidade, já conseguiu bons resultados, superando a média do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (SARESP). “Já conhecia a unidade, de algumas visitas feitas, e quando abriu remoção foi minha primeira indicação. A escola vinha de um trabalho bem feito e para mantê-lo já tínhamos o principal: uma equipe que escolheu estar aqui. Acho fundamental que o trabalho seja feito com prazer, por quem o escolheu e é feliz com o que faz. Meu maior desafio foi conquistar a confiança de todos, mostrar que estava aqui para somar”, avalia.

Vera atribui o sucesso de qualquer iniciativa em Educação ao trabalho em equipe, realizado por pessoas que assumem seu papel na construção da realidade e ao papel da família na vida escolar do filho. “Esse é um trabalho que precisa ser feito em conjunto. Começa no portão da escola, onde a criança precisa ser bem recebida, e passa pelo carinho e o cuidado com a limpeza, a alimentação, e assim por diante. Aqui, todos nós somos educadores e temos nossa parcela de contribuição a dar na formação dessas crianças. Não adianta o professor fazer um bom trabalho dentro da sala de aula e no corredor ela ser destratada por um funcionário ou não ter permissão para escolher o livro que deseja na sala de leitura”, exemplifica a diretora.

Para Vera, uma característica essencial a um diretor de escola é o compromisso com a função. “A gente aprende com o exemplo, por isso, eu não posso cobrar da minha equipe ou dos meus alunos ou dos pais aquilo que eu mesma não faço. O respeito às regras da escola tem que valer para todos, a começar por mim. Um diretor precisa dar o exemplo. Sempre digo aos funcionários e professores que nossa única diferença é o grau de responsabilidade, pois todos têm uma função dentro da escola e precisam desenvolvê-la com seriedade. Se o resultado for positivo, o sucesso é de todos e se for negativo, o fracasso também é de todos”, afirma Vera.

Essa coerência entre o discurso e a prática faz toda a diferença quando o assunto é Educação. Liga duas pontas do processo indispensáveis: o respeito e a sensação de pertencimento. “Há uma diferença muito grande entre ser um bom diretor e ser um diretor bonzinho.  Ser permissivo com os demais e consigo não quer dizer que você é um bom profissional. Agindo assim, é possível alimentar o espírito de equipe, que faz a escola caminhar, e promover a boa convivência, num espaço coletivo onde todos se sentem parte integrante dele”, finaliza.

Texto: Yara Racy
Fotos: Júlio Sian

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