Elos do bem

Elos do bem

Com parcerias e boas ações, empresários e pessoas comuns levam aos mais carentes o espírito e a magia do Natal

Mais do que o nascimento do menino Jesus, a data invoca, a cada ano, a esperança de renascimento do espírito de união, generosidade e amor entre os homens. Por mais que a data tenha ganhado um apelo comercial, é possível testemunhar, todos os anos, ações que contaminam e ganham vulto, como se fossem tecendo, pessoa a pessoa, uma enorme corrente que transmite esperança para muitos que nem mesmo têm como incorporar as comemorações do período, que deveria ser sempre festivo. 

Há 16 anos, uma costureira doa seu tempo para levar a centenas de crianças a alegria do Natal. Trata-se de Osmênia Dantas que, desde o início de outubro, todos os anos, começa a preparar a tão aguardada festa, no Jardim Jandaia, periferia ribeirãopretana, para crianças de um a 12 anos. É ali que está sediada a Instituição Nossa Casa, a qual coordena, de onde saem, também, os ovos de chocolate na Páscoa e os brinquedos que levam encantamento aos pequenos no Dia das Crianças, que diminuem a sensação de abandono e de esquecimento, geralmente, sentidos nas comunidades onde as oportunidades passam à margem. 

Em dia da entrega dos presentes, Osmênia faz uma festinha, também graças a doações recebidas. Na ocasião, cada padrinho vai até o Jardim Jandaia presentear o seu ou os seus apadrinhados. São empresários, amigos, pessoas de várias comunidades que esquecem um pouco de si para doar alegria ao próximo.

No ano passado, Osmênia garantiu o Natal de 640 crianças, de cinco comunidades: Favela da Vó, Favela da Torre, Favela dos Queimados, Favela do Nenzinho e Favela do Niltinho. Em 2015, os presentes deverão alcançar 350 crianças que vivem nos três primeiros núcleos, já que o número de padrinhos diminuiu. Além do tão aguardado brinquedo e da festa, cada criança ganha uma muda de roupa e um calçado. “Neste ano, o valor médio do kit é de R$ 70,00, de forma que os presentes tenham mais ou menos o mesmo padrão, para que não haja diferença entre o que ganha uma e outra criança”, explica Osmênia. Se for acrescentada uma cesta básica aos outros itens, o combo passa a custar em média, R$ 160,00. 

Conforme firma as parcerias, a costureira amplia a lista de felizardos, que serão contemplados no Natal. Depois de cadastrar as crianças, Osmênia inclui, em sua árvore de Natal, um cartãozinho onde consta o nome, a idade e o núcleo ao qual pertence cada criança. “O curioso é que, apesar de, no cartãozinho, não constar o pedido de Natal da criança, é muito comum, depois de entregues os presentes, crianças virem comentar, entusiasmadas, que ganharam exatamente o que queriam. Parece obra de Deus”, conta a costureira. 

Osmênia, como aquelas crianças, vem de família pobre, já passou fome, e prometeu que sempre daria comida aos necessitados. A campanha de auxílio aos pobres começou com uma panela de sopa distribuída aos moradores do Jardim Jandaia, que foi ganhando cada vez mais adeptos, aumentando de tamanho. 

A ação foi bruscamente interrompida por um temporal, que literalmente levou enxurrada abaixo os sonhos dos moradores da comunidade e, futuramente, pelas exigências sanitárias feitas pelo o banco de alimentos, que deixou de beneficiar o projeto. A cozinha era inadequada para o atendimento público. “A partir daí, decidimos começar as ações de Páscoa, do Dia das Crianças e do Natal”, relata a costureira, que, nas duas primeiras datas, inclui no combo livros adequados à faixa etária de cada criança.

Além do carinho que várias gerações das comunidades demonstram a Osmênia, para quem ela é avó, mãe e tia, dependendo da idade dos moradores, a costureira conquistou a confiança de todos. “Chego a qualquer lugar, sou bem-vinda em qualquer casa, sento no chão com eles, falo suas gírias”, comenta a diretora da Nossa Casa. 

Hoje, aos 62 anos, a costureira se orgulha da relação de amor e de respeito que conquistou ao logo do tempo. “Há crianças que presenteei há anos que, hoje, trazem seus filhos para serem presenteados”, conta. Isso foi possível porque, desde o início, quando ainda costurava as roupinhas distribuídas às crianças, a transparência do carinho da costureira com as comunidades se refletiu em vários corações: seu ato de amor contaminou empresários, pessoas comuns, entidades que perceberam que poderiam fazer bem mais do apenas lamentar a existência da miséria. 

Mas, ao olhar ao redor, hoje, é Osmênia quem lamenta o caráter cada vez mais individualista da sociedade, onde as desigualdades são cada vez maiores. “Se as pessoas tivessem um pouco de consciência, os pobres não seriam tão pobres, a educação seria diferente e o mundo seria um lugar mais seguro. Por mais cansada que eu me sinta, sempre penso: no ano que vem quero estar aqui. É lindo ver a alegria dessas crianças ao ganharem seus presentes. Não fiz tudo o que gostaria, mas fiz tudo o que podia”, confidencia a costureira. 

Mais um elo

Como todas as boas ações, as de Osmênia tiveram desdobramentos: a Corpore Ribeirão Preto realiza a arrecadação de brinquedos há sete anos, uma história que começou com a educadora física Gislaine Satyko Kogure, que sempre ajudou as comunidades necessitadas.

Em um aniversário de sua filha, Maria Julia, hoje com 10 anos, Gislaine pediu latas de leite para doar à Nossa Casa. Ao conhecer de perto, encantou-se com o trabalho de Osmênia e decidiu buscar mais benfeitores para ajudar as crianças das comunidades atendidas. Gislaine levou a sugestão até a Corpore, que abraçou a ideia e despertou em alunos e em professores o desejo de colaborar com a Nossa Casa. Desde então, a academia disponibiliza uma árvore de Natal com cartõezinhos com os nomes das crianças, que são escolhidos por professores e alunos, que podem apadrinhar quantas crianças quiserem. 

Para o diretor técnico da Corpore, Adriano Pelegrino, abrir as portas da academia para que clientes e professores possam ajudar a quem precisa é uma oportunidade de crescimento para todos. “O Natal é o momento em que paramos para refletir sobre o ano que passou e temos a oportunidade de agradecer por todo o aprendizado, pelos desafios e pelas conquistas do ano. Nada melhor do que compartilhar um pouco do que temos com quem precisa”, destaca o educador físico.

O resultado é que ao longo do período, centenas de crianças já foram beneficiadas e, este ano, cerca de 100 crianças receberão os presentes preparados pelos clientes e pelos professores da academia.

Do homem ao seu melhor amigo

No Shopping Santa Úrsula, árvores de Natal solidárias também são montadas desde 2008. A iniciativa começou  com uma parceria desenvolvida com o Rotary Club Leste de Ribeirão Preto. “Preocupados em ajudar a comunidade, aproveitamos esta época do ano, na qual as pessoas estão mais dispostas a colaborarem com o próximo. No decorrer dos anos, fomos aumentando a quantidade de entidades que precisavam de ajuda e, hoje, temos também uma árvore solidária do ‘melhor amigo do homem’, cujos presentes são destinados a ONGs de causa animal”, explica Júlio César Souza, superintendente do shopping. 

No centro de compras, há um espaço com duas árvores de Natal, cujos enfeites são cartões com o nome da entidade, da pessoa e o presente que gostaria de ganhar. O cliente escolhe a pessoa que será presenteada. Ao comprar o presente, o cliente do Shopping anexa o cartão ao presente e o coloca no baú, junto às árvores solidárias de Natal. Depois, o centro de compras entrega os presentes às entidades. Essas árvores beneficiarão 456 crianças e 86 idosos da Casa do Vovô, da Creche da Tia Lê, da Igreja Evangelista da Restauração, da Paróquia São Judas Tadeu, do Lar Irmã Izolina, da Soberp, do Projeto Proec e do Projeto Grãozinho de Mostarda.

A árvore solidária “O melhor amigo do homem” é enfeitada por cartões das ONGs CãoPaixão, Focinhos S.A e do Projeto Os Doguinhos, que defendem a causa animal e sempre precisam de ração e material de higiene para os animaizinhos abandonados. “Incluímos os pets para ajudá-los a arrecadar os itens de primeira necessidade, para que possam realizar seus trabalhos, já que o Santa Úrsula aceita cães de pequeno porte. Temos um público que gosta e se identifica com os pets. Esse é um ponto de contato para que possam ajudar de alguma forma”, conta Júlio. A iniciativa valeu à pena: em campanhas anteriores, foram arrecadados, em cada edição, mais de 2 mil presentes e itens para as entidades. A expectativa para 2015 é superar o número dos natais passados.
   
O bazar do bem

As irmãs Amanda, Marcela e Marina Freiria, desde o ano passado, começaram a pensar em uma forma de ajudar o próximo e, como o Natal estava chegando, tiveram uma ideia diferente: decidiram vender as próprias roupas, a preços especiais, a fim de arrecadar recursos, comprar brinquedos e levar alegria às crianças.  Foi assim que surgiu o Bazar Desapego das Irmãs, que está conseguindo um número cada vez maior de adeptos. 

No ano passado, usaram para o Bazar, basicamente, as próprias roupas, com o apoio dos colaboradores que  abraçaram a causa. Este ano, pretendendo arrecadar ainda mais e ajudar, não só crianças com os brinquedos, mas também idosos com produtos básicos, pediram ajuda para as amigas, na forma de doações, enriquecendo ainda mais a ação. Cooptaram, para a causa, outros colaboradores que expõem no Bazar seus produtos a preços especiais e se comprometeram a doar brinquedos para participar da ação. 

Todos podem participar e ajudar. “Durante todo o ano, recebemos doações de roupas, desde blusinhas para o dia a dia até vestidos de festa, e acessórios, como sapatos, bolsas e cintos. A entrada é gratuita e selecionamos peças a partir de R$ 5,00. Precisamos apenas da disposição e do sorriso para fazer um Natal mais feliz”, comenta Marcela.

O resultado do Bazar foi melhor do que esperavam. “No  ano passado, conseguimos alegrar mais de 3.000 crianças. Fomos, pessoalmente, a várias comunidades e bairros mais carentes. Graças a esse resultado, conseguimos mais colaboradores, realizando  uma ação ainda maior este ano”, conta Marina. Conforme Amanda, realizar a ação foi uma emoção maravilhosa e inesquecível. “Pudemos ver a felicidade daquelas crianças e proporcionar a elas, de alguma forma, um Natal mais feliz. Esperamos levar essa alegria para os idosos também. Ter essa oportunidade de ajudar nos motiva mais, a cada ano”, conta.

As irmãs destacam que um projeto social sempre faz as pessoas pensarem não somente no próximo, mas nas próprias atitudes e no que podem fazer para contribuir para um mundo melhor. 

Doar é evoluir

Desde menina, Camilla Marinho ficava comovida ao ver pessoas carentes. Natural de Catanduva, um dia, enquanto montava em um haras de Ribeirão Preto, conheceu Carol Vilella, que realiza um voluntário com o Hospital de Câncer de Barretos.

A partir daí, começou a ajudá-la com seu projeto e passou a arrecadar brinquedos para as crianças do Hospital. Foi além: começou a fazer campanha de agasalhos para os moradores de rua de São Paulo e repassa parte da renda de sua empresa — um brechó sustentável itinerante, o D.A.M.N Project — para projetos sociais, seja na defesa do meio ambiente, da saúde da criança ou de qualquer outra causa. Trata-se do fruto das vendas dos desapegos das "Top Closets", meninas famosas que apoiam o trabalho voluntário, como Thaila Ayala, Alinne Moraes, Cintia Dicker e Mari Weickert.

Como se diz, uma ação impulsiona a outra e o resultado é que, hoje, há pontos de recolhimento em São Paulo, Campinas, Catanduva e Ribeirão Preto. “Antes do Natal, eu mesma passo nesses pontos, retiro os brinquedos e levo às instituições que mais necessitam. Como o Hospital do Câncer de Ribeirão Preto recebe muitas doações de brinquedos, distribuímos também para creches que, muitas vezes, são esquecidas”, explica Camilla. Quando sobram doações, elas são guardadas para uma próxima data comemorativa, como o Dia das Crianças. 

A dedicação ao trabalho voluntário, conforme Camilla, é motivado pela gratidão pela própria vida, por sua saúde e pelas pessoas que ama e estão ao seu lado. “É uma forma de agradecer a Deus. Sou espírita e sei que a caridade é a única forma de nos fazer sentir melhor e mais evoluídas em relação ao próximo. Perdi meu pai recentemente e essa é uma forma de transformar a minha dor em amor por essas pessoas que tanto precisam de ajuda”, afirma Camila. 

Agradecendo as bênçãos

Mais uma vez, como uma corrente do bem, a ação constituiu um novo membro: Renata De Conti Travain, proprietária da Boucle Lingerie & Loungewear em Ribeirão Preto e amiga de Camilla, decidiu abraçar, pela primeira vez, a campanha de brinquedos para as crianças do Hospital do Câncer de Barretos. Essa é apenas mais uma das muitas ações que realiza no ano. “Minha mãe é assistente social e sempre acompanhei de perto a luta e a dificuldade das pessoas mais humildes. Na tentativa de ajudá-las, minha irmã e eu, sempre parceiras, arrecadamos agasalhos e alimentos para doação. Também participo de projetos como o dos Correios, no Natal, pegando as cartinhas das crianças e o Street Store, que ocorreu aqui em Ribeirão Preto, uma iniciativa muito bacana”, ressalta.

Depois que abriu sua loja, sentiu a responsabilidade aumentar, já que tem muitos contatos, um ponto de grande visibilidade e trabalha fortemente as mídias sociais. “Acredito que tenho obrigação de mobilizar pessoas e transformar isso em ajuda para quem precisa”, ressalta Renata. 

Além de arrecadar muitos brinquedos, a intenção de Renata é levar um pouco de alegria a essas crianças que sofrem tanto. Uma de suas metas pessoais, agora, é se tornar uma voluntária sistemática do Hospital. “Toda e qualquer experiência de ajuda ao próximo causa um impacto interno importante em mim. Acredito que estamos aqui para evoluir, e fazer o bem e a caridade, de todas as formas, é o melhor caminho para isso. É gratificante ajudar a quem precisa, é uma forma simples de agradecer por todas as bênçãos que recebo”, comenta a empresária.

O palhaço da esperança 

Poucos conhecem Elidio Moreira, mas, certamente, muitos já se divertiram com o Palhaço Saradin. Elídio é o homem que se esconde por trás do palhaço. Apesar de viver arrancando risos das pessoas, sabe que alegria é coisa seria, e a pratica para o bem. 

A prova disso é que 5% do faturamento de sua empresa, a Elmo Festas e Eventos, é destinado ao projeto “Palhaço para Todos”, de sua autoria, que anualmente, pratica quatro ações: em março, leva a alguma entidade um dia de diversão e de conscientização sobre saúde bucal; em junho,, atua em praça para conscientizar sobre o meio ambiente; em outubro, realiza o Dia das Crianças em orfanatos; e, em dezembro, leva a alegria do Natal a alguma entidade, com direito a brinquedos e show com Papai Noel, Mamãe Noel, Elfo, Palhaçonoel e Mágico.

No ano passado, a instituição beneficiada foi Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. Depois de fazer o levantamento das crianças internadas, os empresários ou pessoas físicas doaram um brinquedo a cada criança, todos iguais, de forma que todos ganharam muitos presentes. “Sem contar as atrações que, enquanto duram, fazem muitos se esquecerem do clima tenso e, até da própria doença, conta Elídio. 

Em todos os eventos, o empresário põe à disposição do projeto serviços e personagens que fazem seu negócio, como Elsa, Minie, Backyardigans, pintura facial, escultura com balões, show com palhaço, decoração com balões, pipoca e algodão doce, brinquedos e som.

Para deixar a festa mais bonita, o palhaço conta com aliados constantes: Jhonatan Henrique Dearo, o Magico Diarkan, da Diarkan Produções; a decoradora Ana Paula Jacobucci, da Paula Festas, que capta os presentes e faz as embalagens; o mecânico Adriano Toledo, da Itapcar Auto Mecânica, que dá vida a diversos personagens, além de outros colaboradores unidos pela causa comum de ajudar o próximo. Mais do que difundir a ideia de ajudar ao próximo, com a ação, Elídio e seus companheiros pretendem levar alegria e sorriso para o maior número de crianças possível. 

As palhaçadas do bem de Elídio começaram em  dezembro de 2007, quando, vestido de Papai Noel, atraía o público em uma loja. Nesse dia, recebeu uma cartinha que tocou seu coração: uma garotinha de 7 anos pedia uma cesta básica e, “se sobrasse tempo” para o bom velhinho, uma bicicleta, mas afirmava que principal era o alimento, pois, às vezes, ela procurava e não encontrava nada para comer. “Consegui, com apoio de uma professora, realizar o sonho dessa menina e levei a cesta e a bicicleta vestido de Papai Noel. A partir daí, surgiu o projeto Palhaço Para Todos”, conta o empresário.

Esse encontro tocante ocorreu há sete anos, quando o rapaz de Santa Rosa de Viterbo mudou-se para Ribeirão Preto. “Ia sozinho com minha caixa de som e meu talento e passava o dia todo na entidade com as crianças”, relembra o palhaço. Para o empresário, as ações são uma forma de devolver a Deus todas as bênçãos que recebe. Quando criança, Elídio ficou internado em um hospital, por problemas no coração. “Eu me vejo naquelas crianças, em cada entidade que atendo e encontro um olhar, um sorriso. Elas vão herdar esse mundo, são nosso futuro. Talvez eu não esteja mais aqui, mas espero contagiar pelo menos uma para que pense em outras crianças como eu pensei nela um dia”, conclui o palhaço. 

Texto: Carla Mimessi
Fotos: Júlio Sian

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