Os últimos dias do Governo Dárcy

Os últimos dias do Governo Dárcy

Com a prefeita afastada do cargo, a renúncia do vice, as dívidas com servidores e fornecedores e a ocupação do Palácio Rio Branco, Ribeirão Preto vive em estado de espera

Os últimos meses do governo de Dárcy Vera (PSD) à frente da Prefeitura de Ribeirão Preto têm sido bem diferentes do que se podia imaginar diante da empolgação que tomou a cidade assim que a primeira mulher chegou ao Palácio Rio Branco, em janeiro de 2009, e quatro anos depois, quando se tornou a primeira a administrar o município por dois mandatos consecutivos. Entre promessas, polêmicas e alianças, Dárcy se aproxima do final do segundo mandato de maneira melancólica — tanto para ela quanto para os moradores de Ribeirão Preto — em razão da situação que o município se encontra.

Última aparição pública da prefeita aconteceu no dia 22 de novembro, na inauguração do CetremO caso específico da prisão da prefeita, pedida pela 6ª Câmara do Tribunal de Justiça e cumprida no dia 2 de dezembro, diz respeito a uma situação que começou justamente no fim do primeiro governo de Dárcy Vera, ainda em 2012, quando foi assinado um aditamento, homologado pela Justiça, mas que foi embasado em atas de reuniões do Sindicato dos Servidores Municipais, que teriam sido fraudadas pela advogada Maria Zuely Librandi para, enfim, receber os honorários por ter vencido à causa dos 28,35% de equiparação salarial dos servidores, referentes às perdas do Plano Collor, ainda nos anos de 1990.

Quem faz esse relato é Wagner Rodrigues, presidente do Sindicato, na ocasião, e afastado definitivamente do cargo pela Justiça, que acordou fazer uma delação premiada, utilizada pelos promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo, para dar continuidade às investigações e instaurar a Operação Mamãe Noel, a segunda fase da Sevandija, que revelou o esquema de propinas por meio de aditamento “fraudulento, embasado em documentos falsos, havendo promessas de propina desde o início”, como apontam os promotores em relatório.

Entre os beneficiários da propina estariam a prefeita Dárcy Vera, que teria acordado receber R$ 7 milhões de Zuely, Marco Antonio dos Santos, ex-superintendente do Daerp e secretário de Administração, que teria acordado receber R$ 2 milhões, além de outros R$ 11,8 milhões, que teriam sido divididos entre o advogado Sandro Rovani e o próprio delator. Também havia uma quantia de R$ 13 milhões, a ser paga a uma quinta pessoa, André Hentz, advogado de Zuely durante a ação, que requereu o pagamento dos honorários. Hentz teve o pedido de prisão preventiva feito pelos promotores, mas negado pela Justiça.

Em 2008, quando Zuely entrou com a ação na Justiça cobrando os honorários, Wagner, já presidente do Sindicato, chegou a afirmar que a ação tinha motivos políticos e disse que o dinheiro pleiteado pela advogada na ocasião — estimado em R$ 40 milhões — pertencia aos servidores. No fim das contas, a Prefeitura acertou com Zuely efetuar pagamentos mensais que chegariam a R$ 69 milhões até 2018 – valor questionado pelos promotores e que teria sido proposto por Marco Antonio dos Santos, “devido à combinação ou trama cozida entre os denunciados para justificarem o injustificável pagamento daquela absurda monta em honorários com único fito, real, de enriquecimento ilícito de todos denunciados”, descrevem.

Até a deflagração da Sevandija, o poder público havia pago R$ 45 milhões, valor que o Ministério Público defende que seja ressarcido aos cofres públicos e, por isso, pediu o bloqueio dos bens dos envolvidos nas investigações. Ainda assim, eles identificaram o destino de apenas R$ 1,8 milhão, e está aí o motivo das prisões.

Advogado de Maria Zuely, André Hentz teve pedido de prisão negado pela JustiçaEmbasados em decisão do juiz da 13ª Vara da Justiça Federal de Curitiba, Sérgio Moro, em ato da Operação Lava Jato, o Gaeco considerou que os investigados poderiam colocar a operação em risco, em razão de sua influência junto a autoridades e também pela possibilidade de adulteração de documentos e limpeza de mensagens – de whatsApp, por exemplo, como foi interceptado em conversas telefônicas – o que poderia atrapalhar a apuração.

“[...] além de prevenir o envolvimento dos investigados em outros esquemas criminosos, bem como prevenir o recebimento do saldo da propina, também terá o salutar efeito de impedir ou dificultar novas condutas de ocultação e dissimulação do produto crime, já que este ainda não foi recuperado”, foi o trecho emprestado de Moro, que também aponta que a Sevandija descobriu a “corrupção sistêmica” instaurada na organização municipal de Ribeirão Preto, assim como a identificada pelo Ministério Público Federal nas instituições federais em meio à Lava Jato.

Respostas

Procurado pela reportagem da Revide, André Hentz informa que não tomou conhecimento “do teor da delação premiada de Wagner Rodrigues e nem da denúncia oferecida pelo Ministério Público (Gaeco)” e que, por isso, não teria condições de emitir nenhum posicionamento neste momento. A defesa do advogado Sandro Rovani contesta a prisão dele por acreditar que ela tenha sido feita de maneira ilegal, pois desrespeitaria a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que concedeu uma liminar de habeas corpus a Rovani. Sendo assim, se não houve alteração do quadro processual, a detenção seria “abusiva”.

A defesa do ex-secretário de Administração, Marco Antonio dos Santos, desde a deflagração da Sevandija, em setembro, preferiu não comentar o processo e manter o sigilo das investigações. Já a defesa de Maria Zuely aponta Em oito anos, vice recebeu cerca de R$ 833 mil em saláriosque os honorários seriam justos, por ser de direito da advogada, enquanto ela trabalhava para o Sindicato dos Servidores e que ela teria sido chantageada para realizar o pagamento de propinas para a liberação do dinheiro dos honorários.

Enquanto isso, o delator Wagner Rodrigues, que não teve a prisão pedida justamente por estar colaborando com a Justiça nas investigações, diz em carta que se sente arrependido e que tomou a decisão de “contribuir de forma eficaz com a Justiça Brasileira”. Porém, ele ainda defende que a homologação do aditamento não foi prejudicial aos servidores, mas que “errou ao ser seduzido para encerrar uma luta” que na Justiça, para ele, era indevida.

A advogada da prefeita Dárcy Vera, Maria Cláudia de Seixas, segue afirmando que sua cliente tem colaborado com a Justiça e que em nenhum momento se furtou a prestar depoimentos. Ela entrou com pedido de habeas corpus. No dia 7 de dezembro, Dárcy foi transferida da Superintendência da Polícia Federal, em São Paulo, e depois para o presídio de Tremembé, no Vale do Paraíba, conhecido por receber detentos de crimes de grande repercussão na mídia. “Essa investigação já se estende e está a cargo da Procuradoria de Justiça de São Paulo. Esse procedimento é sigiloso. Não há neste momento o que esclarecer. Até porque a prefeita, todas as vezes que foi intimada, compareceu, forneceu todos os documentos disponíveis e não se furtou a nenhum tipo de esclarecimento do procedimento que está em trâmite na Procuradoria”, afirma Cláudia Seixas.

Última aparição
 
Desde que foi deflagrada a Operação Sevandija, no dia 1º de setembro, a prefeita Dárcy Vera (PSD), antes sempre presente nas cerimônias do município, tornou-se reclusa, pouco falava ou saia do Palácio Rio Branco, onde despachava. Antes da prisão preventiva, a última aparição pública da prefeita foi na inauguração da nova sede da Central de Triagem e Encaminhamento ao Migrante, Itinerante e Morador de Rua de Ribeirão Preto (Cetrem), no dia 22 de novembro.

Na ocasião, a prefeita foi breve no discurso e comentou sobre a estrutura do local, projetado para atender a 150 pessoas por dia, além de pedir doações para que o Cetrem fosse mantido. “Este centro de acolhimento é o mais Enquanto Tribunal de Justiça de São Paulo não determina quem cumprirá os últimos dias de mandato, Marcus Berzoti responde pela Administraçãobem dividido e estruturado que já tivemos”, observou a prefeita na ocasião.

Dárcy sentiu o peso das informações veiculadas na imprensa desde o início da Sevandija. Já no fim de outubro, a prefeita foi internada com um distúrbio gastrointestinal. Na ocasião, o hospital em que a prefeita estava disse que o problema foi causado por desidratação e má alimentação.

No dia 23 de setembro, na única manifestação da prefeita junto à imprensa desde a deflagração da operação, Dárcy informou que foi “proibida” pela advogada Maria Cláudia Seixas de conceder entrevistas, em razão das operações ainda estarem em andamento, e que ela, junto da população, seria a mais interessada em buscar esclarecimentos para o caso. A prefeita negou ter recebido qualquer quantia de Maria Zuely Librandi, e afirmou que não têm imóveis, além da casa em que vive.

Sem prefeito

A decisão que determinou a prisão preventiva de Dárcy também a suspendeu do cargo, portanto, quem deveria assumir os últimos dias de mandato seria o vice-prefeito, Marinho Sampaio (PMDB), porém, ele renunciou ao cargo no dia 6 de dezembro. Enquanto isso, quem responde pelo município é o secretário de Governo, Marcus Berzoti. Em oito anos como vice-prefeito, Marinho Sampaio recebeu cerca de R$ 833 mil em salários.

No caso de vacância do cargo de prefeito e vice, quem deveria assumir seria o presidente da Câmara Municipal. Entretanto, Walter Gomes (PTB), também está afastado de suas funções públicas por ser investigado na Sevandija. A presidente interina da casa, Gláucia Berenice (PSDB), disse que comunicará o fato ao Poder Judiciário, porque ela não é presidente, mas 1ª secretária no exercício da presidência, e neste caso, caberá ao Tribunal de Justiça de São Paulo determinar quem assume o mandato na cidade.

A renúncia, segundo Marinho, eleito vereador nas últimas eleições, é porque a cidade vive uma situação “anormal” e não teria tempo de resolver os grandes problemas que a cidade tem em pouco mais de 20 dias de mandato, como o atraso no pagamento de 300 fornecedores. “Há hospitais sem receber e atraso no pagamento da primeira parcela do 13º salário dos servidores municipais”, disse, durante entrevista coletiva, após protocolar o pedido de renúncia, na Câmara Municipal.

Enquanto isso, os servidores, que não receberam a primeira parcela do pagamento do 13º salário tentam viabilizar junto ao município para que o pagamento seja cumprido até o dia 20 de dezembro, data limite para a quitação. Na quarta-feira, 7, cerca de 50 servidores chegaram a ocupar o Palácio Rio Branco, em favor de crédito suplementar aprovado pela Câmara Municipal na terça-feira, 6. Foram aprovados os projetos que permitem a suplementação de
R$ 42,95 milhões e a criação de crédito especial de R$ 8,7 milhões.

“Com impasse ou sem impasse, estamos conversando com o governo para que o pagamento seja realizado. Já nos sentamos com o secretário da Fazenda, Sérgio Nalini e com o Marcus Berzoti, secretário de governo, e que também responde pelo executivo, enquanto não está definido o sucessor de Dárcy, para que este pagamento seja feito. Nosso objetivo é forçar o governo a realizar o pagamento deste direito”, afirmou o vice-presidente do Sindicato dos Servidores, Donizeti Babosa. A Prefeitura afirma que segue trabalhando para cumprir os pagamentos até o dia 20. De acordo com o município, o valor da folha municipal é de R$ 62,5 milhões. O número de servidores é de 9.085. 



Texto: Leonardo Santos. 

 

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