Exemplo que inspira

Exemplo que inspira

Com base na própria experiência, o estudante universitário Vinicius Andrade procura mostrar a estudantes da rede pública que é possível chegar à universidade

Foto: Ibraim Leão

Estudante de economia na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA), da Universidade de São Paulo (USP), Vinicius Andrade confessa que, nos tempos de escola, não imaginava que encaminharia seu futuro para a área acadêmica, já que nunca foi incentivado a seguir este caminho dentro da sala — não se trata de uma crítica, mas de uma constatação, segundo o estudante. 

Durante o Ensino Médio, acompanhou a trajetória de uma amiga que se destacava entre os colegas da turma. O segredo dela, segundo a própria, era ir além do que era ensinado dentro da escola. Para ele, essa possibilidade era pouco provável, pois os assuntos discutidos em aula não despertavam seu interesse a esse ponto. Durante os três anos do ciclo, dedicou parte de seu tempo a um curso técnico e imaginou que tomaria essa direção. 

Quando as aulas acabaram, Vinicius se deparou com as dúvidas comuns aos jovens nesta fase. “Comecei a me perguntar o que eu faria a partir daquele ponto”, lembrou o rapaz, que resolveu investir em um curso superior. Depois de se matricular em uma instituição particular de Ribeirão Preto, deparou-se com outro problema: pagar as mensalidades. Sem muito acesso a programas federais de incentivo, como o Prouni, e a bolsas de estudos, viu-se sem saída e desistiu do curso.


Foto: Ibraim Leão | Acompanhado de colegas da USP, o futuro economista pretende ampliar o projeto em 2017

No entanto, desistir do objetivo por falta de dinheiro não parecia o melhor caminho. Foi então que Vinicius soube de uma escola destinada a estudantes pré-vestibulares e resolveu arriscar. A mensalidade, que era bem inferior ao que teria de desembolsar em uma graduação, não invalidou a nova tentativa.

No primeiro ano de esforço, não foi bem-sucedido: das 90 questões da primeira fase da Fuvest, o vestibular mais concorrido do país, não acertou nem 20%. Porém, Vinicius estava determinado a chegar à faculdade e redobrou a dedicação no segundo ano, além de ter contado com a ajuda de um amigo. Dessa vez, tornou-se calouro da Faculdade de Economia e Administração de Ribeirão Preto (FEA-RP), da USP.


“Bixo” intrigado

Apesar da empolgação dos primeiros meses dentro da universidade, extrapolados ainda mais por ser tratar de uma das mais importantes do país, Vinicius conta que ficou intrigado com uma situação: a maioria de seus colegas de turma vinham de escolas particulares. A constatação o levou de volta às escolas para saber por que os alunos da rede pública não estavam na universidade.

O universitário visitou cinco instituições de ensino para conversar com professores e alunos para uma pesquisa. No levantamento, verificou, além do claro déficit na qualidade de ensino, que havia pouco conhecimento dos estudantes sobre os vestibulares, assim como a falta de informação e de incentivo para que esses alunos fizessem parte desse processo.

Vinicius entrevistou 193 estudantes do último ano do Ensino Médio, sendo 92 homens e 101 mulheres.  O estudante descobriu que apenas a metade dos entrevistados soube responder para que serve o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Entre os entrevistados, apenas 13 alunos sabiam o que é a Fuvest, processo seletivo que dá acesso à USP e é o mais concorrido do país. Além disso, menos de 10% dos alunos conheciam o Prouni e o Sistema de Seleção Unificada (Sisu), que permite a estudantes de todo o Brasil se candidatarem a cursos de universidades federais.
Isso sem falar no baixo número de estudantes que conhecem o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) — menos de 20%. Apenas seis estudantes ouvidos por Vinicius conhecem a Vunesp, vestibular que dá acesso à Universidade Estadual Paulista (Unesp). O aluno da FEA-RP ainda conta que muitos alunos achavam ter que pagar mensalidade para cursar a USP e que 74% acreditavam ser possível entrar na USP, na Unicamp e na Unesp pelo Fies — o que não ocorre, por serem instituições públicas.

O levantamento não oficial mostrou que 16,5% dos alunos não acreditavam que certas universidades realizavam a concessão de bolsa-auxílio para alimentação, moradia e transporte e que 36% não sabiam da existência da bolsa de pesquisa. “As escolas não falam sobre vestibular. Entre os professores, há aqueles que querem passar o conteúdo, mas ficam presos a uma estrutura, sem possibilidade de inovar.

Tanto a escola pública, quanto a escola particular estão presas a grades que contribuem para esta situação”, avalia o estudante da USP.

Vinicius também quis conhecer melhor a realidade destes estudantes e descobriu que 65 deles (33,6%) já trabalhavam, sendo 40 homens e 25 mulheres. Nas turmas do período noturno, mais de 50% dos alunos trabalhavam. Sobre a escolaridade dos pais destes estudantes, o universitário descobriu que apenas 10 mães haviam concluído o ensino superior, mesma quantidade de pais graduados, sendo que apenas quatro mães e um pai tinha algum curso de pós-graduação. Entre os participantes da pesquisa, 31% vinham de famílias em que ambos os pais tinham concluído apenas o nível fundamental da educação regular.


A iniciativa

Com a intenção de mostrar aos jovens da rede pública que eles têm direito e possibilidades para acessar o Ensino Superior, Vinicius idealizou o projeto Salvaguarda. Desde agosto do ano passado, visitou 20 escolas, levando com ele colegas da Universidade para mostrar que é possível chegar lá. “O intuito era deixar claro que eles têm opções e podem, se quiserem, continuar estudando, prestar o vestibular, fazer um curso técnico”, listou.



No contato com os estudantes, ouviu relatos de alunos desmotivados e até mesmo desacreditados pelos próprios professores. Vinicius guarda alguns bilhetes recebidos durante a visita e acredita que eles possam ajudar a compreender essa realidade. Em um pedaço de papel, por exemplo, um aluno afirma que escola tem que mudar na forma de compreender os estudantes e seus problemas. Outra anotação atribui desmotivação dos alunos ao fato de eles não contarem com o apoio da própria escola no planejamento de dar sequência aos estudos, fazendo com que percam o interesse.

Nesse sentido, Vinicius acredita que o Salvaguarda pode ajudar a mudar a situação. “Essa intervenção realmente pode ser muito útil na vida dos estudantes das escolas públicas. Eles estão lá para ouvir. Por mais problemática e deficitária que essas instituições sejam, os alunos ainda estão lá para aprender”, atesta.



Em 2017, o futuro economista planeja ampliar o projeto estando mais presente nas escolas, criando grupos de redação e de exercícios de vestibular, além de fazer workshops nas escolas para apresentar as profissões com a ajuda de quem já está lá. Ele pretende, também, inscrever os estudantes nos vestibulares, para que, mesmo que eles faltem no dia da prova, não bata o arrependimento depois por não ter se inscrito. Vinicius procura voluntários para colocar tudo isso em prática e tentar mudar essa realidade. 

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