As diferenças e desafios da comunicação

As diferenças e desafios da comunicação

Em palestra realizada em Ribeirão Preto a convite da Revide, o jornalista Alexandre Zaghi Lemos comentou as transformações do jornalismo e da publicidade

Por mais inusitado que possa parecer, foi a paixão pela música que levou Alexandre Zaghi Lemos a se tornar um comunicador. Os primeiros passos rumo à profissão foram dados ainda em Muzambinho, Minas Gerais, sua cidade natal. Alexandre cursou Rádio e TV na Universidade Estadual Paulista (Unesp) e na Fundação Armado Álvares Penteado (FAAP), formando-se também em Jornalismo nas Faculdades Integradas Alcântra Machado (FIAM), em São Paulo. 

O diretor da Revide, Murilo Pinheiro, intermediou a palestra do diretor do Meio & MensagemEm sua trajetória profissional, passou pelas equipes de jornalismo da revista About e das rádios Jovem Pan e Ômega FM. Foi colunista na Band News FM e da revista Carta Capital. Hoje, é editor-executivo do Meio & Mensagem, onde atua desde 2007. Criado em 1976, o Grupo M&M é responsável por gerar, editar e difundir grande parte das informações consumidas pelo mercado brasileiro de comunicação. Alexandre é, também, comentarista da rede de rádios CBN, onde apresenta o boletim Minuto Meio & Mensagem, veiculado diariamente, dentro do Jornal da CBN. 

Recentemente, Alexandre esteve em Ribeirão Preto a convite da Revide para ministrar uma palestra. O evento fez parte das comemorações dos 30 anos da publicação semanal. Além de ter destacado diversos episódios da carreira, o comunicador abordou o tema “As transformações do jornalismo e da publicidade”, colocando a internet, as redes sociais e os aplicativos como alguns dos catalizadores das mudanças mais recentes da comunicação. Alexandre também fez questão de responder as perguntas do público, formado por profissionais e estudantes de comunicação. 

Trajetória profissional

“O que me trouxe para a comunicação foi a música. Em São Paulo, tive a oportunidade de trabalhar na rádio Jovem Pan AM — uma das principais escolas do jornalismo paulistano —, como rádio-escuta. Com o tempo, o jornalismo do rádio mudou muito e, nesse ambiente, comecei a conhecer a propaganda. Embora eu tenha me formado em jornalismo, foi a publicidade que passou a ser cada vez mais frequente na minha rotina, principalmente, quando comecei a trabalhar na revista About.”

Transformações da comunicação 

“Quando eu estava na faculdade, dominava a ideia de que o jornalismo e a publicidade eram áreas completamente diferentes. Tanto isso era verdade que, em grandes empresas de comunicação, a relação entre o jornalismo e a área comercial era quase proibida. Na minha opinião, cada atividade tem um propósito, porém, com o decorrer do tempo e atuando na publicidade, consigo encontrar várias semelhanças, principalmente, em tempos de transformações, como o que a comunicação está enfrentando. Tenho notado que o jornalismo, atualmente, está sendo guiado por dados; já a publicidade permanece com foco em pesquisas para conduzir suas estratégias rumo aos desejos do consumidor. Até pouco tempo atrás, o jornalismo seguia as regras do próprio jornal e a consciência do jornalista responsável por determinada reportagem. Assim, dá para dizer que a contribuição de pesquisas na hora de avaliar uma pauta é um ganho importante, o que aproxima o jornalismo da publicidade.”

Publicidade x jornalismo

“Dentro de uma redação, a análise de dados, hoje, é muito forte. Algumas redações, inclusive, já possuem jornalistas especializados na leitura e na interpretação de dados, assim como focados em outras funções antes adormecidas ou inexistentes, como as redes sociais, por exemplo. A reverberação do que fazemos nas redes sociais, o retorno gerado e a quantidade de acesso que cada notícia determina o que será feito nos próximos dias. Atualmente, isso pauta também o jornalismo. A publicidade pega emprestado muitas ferramentas de uma redação, partindo, muitas vezes, de entrevistas, de roteiros e de técnicas do jornalismo para desenharem uma campanha. Pode-se dizer, então, que o avanço das tecnologias aproximou ainda mais essas duas profissões. Essa é mais uma prova de que jornalismo e publicidade não estão tão distantes assim.”

Internet e suas vertentes

“As transformações do jornalismo e da publicidade, assim como o fato dessas profissões estarem mais parecidas hoje, têm três culpados principais: a internet, as redes sociais e os aplicativos. Eles mudaram completamente o jeito de nos informar, de entreter e de consumirmos produtos e serviços. Há 20 anos no mercado, vivenciei essa mudança drástica provocada por tais ferramentas, que impuseram duros desafios, mas também abriram novas possibilidades de atuação para empresas e profissionais. As pessoas nunca se comunicaram tanto, e, em muitos casos, assumiram papéis de difusores de informação, instaurando um cenário novo e ainda confuso para as marcas e para os produtores de informação profissionais. Entretanto, vale ressaltar que chegará uma nova época de transformações porque, apesar de já ter havido mudanças muito profundas, a evolução é algo constante.”

Gratuidade

“Na mesma época em que procurávamos jornais impressos para assinar, estava nascendo um novo meio de informação. No início, imperava a negação de qualquer cobrança para usar a internet. O fato remete ao lançamento do IG, que colocou os Titãs para falar sobre a internet grátis. Criou-se, assim, um estigma de que a internet é gratuita e que ninguém deve pagar por nada. No entanto, alguém sempre paga essa conta e, até hoje, ela é mantida pela publicidade e pelo jornalismo. Portanto, existe um longo e árduo caminho pela frente até que se consiga convencer as pessoas de que sustentar um conteúdo de qualidade, mesmo na internet, tem um custo e este precisa ser pago.”

Resumo da semana x tendências e debates

“Quando cheguei ao jornalismo para trabalhar em um veículo semanal como o Meio & Mensagem, o resumo da semana era um conteúdo bastante explorado por diversos veículos. O formato, atualmente, está ultrapassado, pois as pessoas não querem mais revisar o que passou. Por esse motivo, as empresas de comunicação têm investido em conteúdos baseados em tendências e debates, sempre assinadas por colunistas capazes de desenvolver uma boa interação com os leitores.”

O rádio e o Waze

“Quando trabalhava em rádio, costumo brincar que fui também setorista da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET). Professores, estudantes e profissionais da área ouviram atentamente as observações do jornalistaA Jovem Pan mantinha o jornalista dentro da CET para passar o dia informando como estava o trânsito na cidade. Fico imaginando hoje, com o Waze em mãos — um dos maiores aplicativos de trânsito e navegação do mundo —, se ainda existe alguém que acompanha os programas de rádio para saber as notícias do trânsito em determinado local. Este é apenas um exemplo de como a tecnologia, os apps e a internet interferem no jeito de fazer jornalismo. Apenas para ressaltar, em São Paulo, ainda há uma rádio cuja programação tem o trânsito como um de seus principais focos.”

Monólogo x diálogo

“Quando não tínhamos a resposta rápida da audiência, o jornalista escrevia e ficava esperando alguma carta chegar. Hoje em dia, esse feedback é instantâneo. Qualquer notícia postada no site ou nas redes sociais recebe inúmeras críticas e avaliações. Por isso, vale uma preparação diferente, tanto para o jornalista quanto para o publicitário, para lidar com essa reação do público. Na publicidade, isso tem sido um problema, pois algumas agências ainda não conseguiram pensar em uma estratégia eficaz para responder os questionamentos do público em relação a determinada campanha. A estratégia de marketing precisa ser avaliada constantemente. É importante saber falar com o público-alvo sem ofender nenhum outro segmento da sociedade. É preciso, também, destacar que, com a evolução das redes sociais, algumas marcas estão ficando mais ousadas, incluindo os internautas nas estratégias de marketing.”

Objetivos comuns 

“Algumas características são compartilhadas pela publicidade e pelo jornalismo, entre elas, a audiência, termo tão ouvido antigamente, que hoje está vinculada ao engajamento. As redes sociais são fundamentais nessa engrenagem, principalmente no que diz respeito ao jornalismo digital, para fazer a notícia chegar ao público. Também já está claro que a audiência escolheu o Facebook como principal ferramenta, por isso, muitas vezes, não vemos muitos comentários ao acessar o site. Por isso, a importância de manter nas redações e nas agências profissionais que entendem e estão focados nessa mudança vem crescendo. Hoje, é possível saber o que, quando e onde publicar determinada informação. Outro termo comum às duas profissões é a influência que querem exercer. Por último, a questão da mobilidade mudou completamente o jeito de fazer jornal, propaganda e entretenimento. Hoje, para muitos, o celular é a primeira tela, não mais a TV.”

Transparência na comunicação

“Apesar da transparência no jornalismo sempre ter sido cobrada, hoje, a importância cresceu ainda mais, graças ao momento político e econômico enfrentado pelo país. Atualmente, essa transparência implica também na publicidade. O comercial da ‘família Margarina’, por exemplo, está em desuso porque há uma cobrança maior para que a publicidade retrate a vida real das pessoas. A transparência, portanto, vem se adequando aos poucos, não como no exterior, onde os grandes jornais publicam sua opinião política. Ela continua conduzindo o noticiário. No Brasil, quanto mais fiéis as empresas de comunicação, mais conexões conseguirão com as pessoas.”

Inimigos ou aliados?

“O jornalismo e a publicidade têm uma relação de amor e de ódio com o Google e o Facebook, que atualmente são as maiores empresas de comunicação do mundo. Apesar disso, não produzem uma linha de notícia, conquistando a audiência das pessoas graças à notícia produzida pelos veículos de comunicação propriamente ditos. Dá para dizer que jornalistas e publicitários precisam encontrar uma maneira de acompanhar a tendência já verificada em outros universos: a de eliminar o intermediário de sua relação com empresas e com o público. Empresas como Uber e Airbnb — a primeira, atuando no transporte de pessoas sem ter carros e a segunda, no ramo de acomodações, sem ter quartos próprios para alugar — são bons exemplos dessa mudança. Na comunicação, vivemos algo parecido, uma vez que as pessoas escrevem, editam e publicam o que querem e outra parcela anuncia diretamente com o Google, sem passar por nenhuma agência. É um grande desafio para quem está nessa trincheira, de ser o intermediador da publicidade ou do jornalismo, numa era que todo mundo tem um pouco de comunicador.”

Pluralidade profissional

“As duas atividades estão atrás de talentos múltiplos. Precisamos de uma redação jornalística formada por profissionais que escrevam bem, falem bem e, se necessário, fazem vídeo e representam a empresa em um evento. Já na publicidade, onde as pessoas são divididas por departamentos, vale investir em um mídia criativo, que faça bom atendimento dos clientes. A verdade é que precisamos de um profissional multifacetado”.

Futuro do jornalismo

“O futuro do jornalismo está muito ligado à curadoria. É preciso lidar com a informação de uma forma mais detalhada e minuciosa, saber quais assuntos tenho que entregar para o meu leitor. É um trabalho de equipe, de escolher bem os temas a serem desenvolvidos — até porque as redações estão cada vez menores. Quem aposta em cobrir tudo e fazer tudo, muitas vezes, acaba se perdendo. Apostar no aprofundamento de temas cuidadosamente selecionados é o futuro do jornalismo, seja ele impresso ou digital.”

Futuro da publicidade

“Para saber os rumos da publicidade, recomendo um vídeo de PJ Pereira. Nele, o publicitário relata os ingredientes que certamente farão parte da profissão. Para ele, a presença das marcas será automatizada. Sobreviverão as ideias mais criativas e os publicitários mais habilidosos em contar histórias. Os publicitários precisam pensar em si mesmos como grandes cineastas, pois estão competindo com pessoas altamente criativas. Diante de inúmeros cenários possíveis, o que importa é que a propaganda está mudando, o marketing está ficando diferente e precisamos pensar nas possibilidades que vão se ajustar à evolução da comunicação e às expectativas dos clientes. No fim, não haverá um ganhador, quem vai ganhar com isso é o consumidor e nós temos que ir atrás.”

Mulheres no mercado de trabalho

“O Meio & Mensagem elegeu três temas para tratar como prioridade neste ano e um deles foi a inclusão da mulher no mercado de trabalho, especialmente, na criação da publicidade. No Brasil, essa área é praticamente 100% masculina, salvas algumas exceções. No começo do ano, fizemos uma pesquisa com grandes agências de São Paulo e verificamos que a presença das mulheres na criação de campanhas publicitária em grandes agências é de 20%, em média. Entretanto, as empresas estão começando a perceber que as mulheres fazem diferença na organização das empresas e no conteúdo final oferecido, tanto na publicidade quanto no jornalismo.”

Comunicação x crise

“Qualquer empresa que, em 2016, esteja empatando o resultado pode marcar uma festa. A crise é especialmente danosa para quem não é líder do seu segmento, pois, na hora da dificuldade, o cliente costuma arriscar apostando em algo que ele já conhece. Para médias e pequenas empresas, esta é uma época difícil, pois o bolo publicitário —o que se investiu em publicidade em 2016 — caiu muito. O mercado da publicidade, especificamente, é um pouco mais complexo. Hoje, as 20 maiores agências do Brasil são majoritariamente controladas pelo capital multinacional, que tem um fôlego diferente porque o proprietário está no exterior e não vai fechar o escritório em outro país por causa de um período ruim, até porque ele lucra em outras localidades e, assim, a conta final fecha. No caso do jornalismo, o que se vê são as redações diminuindo, muitos cortes sendo feitos, enquanto na publicidade, o faturamento é menor.”  

Texto: Pâmela Silva e Fotos: Luiz Cervi

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