Encontro afinado

Encontro afinado

A empresária Marisa Borsato recebeu a dupla João Bosco & Vinícius e conheceu um pouco mais do talento que se pode ver nos palcos de todo o país

Em comum, eles escolheram Ribeirão Preto. Ela, Marisa Borsato, natural de São José do Rio Preto, como ponto para o primeiro e único pub sertanejo da cidade. Eles, João Bosco Homem de Carvalho Filho e Vinícius Fernando Karlinke, dupla sertaneja nacionalmente conhecida como João Bosco & Vinícius, um de Rondonópolis (MT) e outro de Naviraí (MS), como ponto fixo de residência. Em comum, também, está o próprio trabalho deles, direcionado a um dos estilos musicais de maior expressão no país.

Depois de mais de dois meses de planejamento e de organização das agendas dos envolvidos, enfim, eles se encontraram no Chess Pub, comandado por Carlos Borsato, filho de Marisa, para um encontro que rendeu a entrevista a seguir, muitas palinhas, boas risadas e até pauta para outros veículos de comunicação. Na conversa entre Marisa e João Bosco & Vinícius, percebe-se que há muito mais em comum entre eles do que a paixão pela música sertaneja.

Marisa: Como a música entrou na vida de cada um de vocês?

João Bosco:
Eu me identifico com a música desde moleque. Foi na liturgia da igreja, com quatro anos, que me descobri cantor.

Vinícius: Um dia, o pai do João perguntou o que ele preferia como presente de aniversário: uma bola ou um violão. Ele escolheu o violão. Eu também me descobri cantando dentro da liturgia da igreja. O filho de um pastor, que trabalhava em Naviraí, certa vez estava com um livrinho de música, dedilhando o violão, e pediu para que eu cantasse junto com ele. Então, ele gostou da minha voz e disse que eu cantava bem. Sugeriu que nós ensaiássemos com o pai dele e começássemos a nos apresentar. Dalí em diante, eu também nunca mais parei.

Marisa: Esse início de vocês, ligado à igreja, é muito bonito e talvez por isso vocês sejam tão abençoados. Eu admiro muito as pessoas de fé. Porém, vocês imaginavam, com tão pouca idade, que um dia viveriam de música?

João Bosco:
Quando você é criança ou adolescente, não se preocupa muito com o que vai acontecer. Quando formamos a nossa dupla, eu com 12 anos e o Vinícius com 13, nós já participávamos de shows de calouros, cantando solo. No fim de alguma dessas apresentações, resolvemos cantar uma música como dupla e, a partir daí, já são 22 anos de carreira.

Vinícius: Quando formamos a dupla, já éramos amigos, estudávamos juntos na mesma escola, na mesma sala, em Coxim. Foi tudo na hora certa, na hora de Deus. Assim que formamos a dupla, já fomos para Alcinópolis, uma cidade ao lado de Coxim, e ali participamos de um Festival da Canção, com uma música inédita e fomos campeões. A partir daí, não deixavam mais que participássemos dos eventos como calouros. Passaram a nos convidar como jurados e, no fim, fazíamos uma apresentação especial. Nesse momento, começamos a levar a música mais a sério e montar um repertório maior para tocar na noite, nos bares. Era um meio de mostrarmos o nosso trabalho. Com 16, 17 anos, já tocávamos nos barzinhos na região centro-oeste do Mato Grosso do Sul. Íamos para Coxim, Rio Verde, Pedro Gomes e Sonora. Ganhávamos couvert e, assim, começou a nossa carreira.

Marisa: Quando vocês começaram a perceber que já estavam vivendo da música?

Vinícius:
Quando nos mudamos para a capital do Mato Grosso do Sul, em 1999. Nessa época, o João estudava Odontologia e eu fazia cursinho. No ano seguinte, comecei a fazer Fisioterapia. Ali, tivemos que nos dedicar mais. O mercado é muito mais concorrido e o nível dos artistas é mais elevado. Então, percebemos que ou levaríamos a carreira a sério ou nos dedicaríamos única e exclusivamente à profissão que estávamos aprendendo na faculdade.

João Bosco: Depois de dois ou três anos que estávamos vivendo em Campo Grande, já vivíamos da música. Ela já ajudava a pagar a faculdade e tínhamos uma qualidade de vida melhor.

Marisa: Nesse período inicial, vocês tinham a influência de algum artista?

Vinícius: Sempre tivemos o Chitãozinho e Xororó como uma grande influência na nossa carreira, mas, para fazer quatro horas de música, com apenas dois intervalos de 15 minutos, como nós fazíamos, o repertório tem que ser bem vasto. Então, tínhamos várias referências: João Paulo & Daniel, Zezé Di Camargo & Luciano, Chico Rey & Paraná, Cezar e Paulinho, Felipe e Falcão, entre outros. As duplas que estavam em evidência naquele momento foram as responsáveis por lapidar e por nos ajudar a compor um repertório para cantar na noite.

Marisa: Com essa história, dá para entender um pouquinho do “Estrada de Chão”, o novo trabalho de vocês.

Vinícius:
Exatamente. O projeto relata bem esses momentos que nós vivemos. Aqueles ídolos que nós interpretávamos nos bares, hoje, podem ser chamados de amigos. Em “Estrada de Chão”, estão músicas que moldaram a nossa carreira com a participação dos intérpretes originais.

Marisa: Hoje, vocês estão no patamar deles, cantando lado a lado com eles. Como avaliam isso?

João Bosco:
Nós saímos do anonimato, desacreditados, mas apostando em um sonho, vislumbrando que um dia chegaríamos ao patamar de carreira deles. Com nosso sonho, muita perseverança, dedicação e disciplina, passamos a ser companheiros de trabalho deles, amigos e gravamos junto. Isso é o que realmente engrandece o nosso trabalho.

Vinícius:
É também um grande desafio. Cantar músicas com os intérpretes originais, que já estão acostumados a interpretar há 20, 30 anos. Entrar nesse universo e se nivelar a esses grandes astros da música sertaneja, exige muito estudo. Quando topamos o desafio de tocar esse projeto, conversamos bastante e vimos que era uma faca de dois gumes: se acertássemos, o projeto ficaria lindo, maravilhoso e seria uma grande realização, mas, se não conseguíssemos chegar ao nível deles, seríamos muito criticados. Então, tivemos que estudar bastante. A cada gravação, recebíamos uma aula grátis porque todos eles são grandes professores. Foi muito satisfatório poder estar junto com eles, aprender com os nossos ídolos. Levaremos isso para o resto das nossas vidas.

Marisa: Vendo vocês desde muito novos com essa crença, essa disciplina, essa vontade de querer aprender, de se aprimorar e essa voz que vocês herdaram de Deus, não tinha como dar errado.

João Bosco:
Meu pai sempre fala para mim e para o Vinícius que nós recebemos dois grandes dons de Deus: a vida e a música. Poder cantar, levar um pouco de alegria, de acalanto para as pessoas com a sua voz é motivo de muito agradecimento. É por isso que buscamos passar mensagens positivas nas nossas músicas, falar de amor. Essa vida em que estamos aqui na Terra é passageira. O que vai ficar é a nossa história, o que conseguimos construir.

Marisa: Voltando um pouco para o “Estrada de Chão”, como vocês conseguiram chegar a esta seleção?

João Bosco: Cerca de 90% dessas músicas que estão inseridas no “Estrada de Chão” já cantávamos na época dos bares. Só que, naquela época, não nos limitávamos a tocar apenas esse repertório. Como as apresentações eram longas, tínhamos que esmiuçar o trabalho de cada artista. Então, naquela época, fizemos um laboratório, tocávamos inúmeras músicas de cada artista e, entre elas, escolhemos algumas que consideramos que casam com a nossa voz.

Vinícius: Nesse meio tempo, tivemos algumas sugestões, como por exemplo, a música que gravamos com o Leonardo, que se chama “A rotina” e foi uma indicação dele. Nós somos amigos e, por essa proximidade, ele nos sugeriu a música, acreditando que ela ficaria bem na nossa voz. Já a música “Estrada de Chão”, que intitula o projeto, para a qual nós convidamos o Sérgio Reis para cantar, é inédita, de um compositor de Campo Grande, o Aurélio Miranda. Nunca havia sido interpretada por um medalhão, um grande artista. Nós já tínhamos vontade de gravar há mais de dez anos, ficamos quietinhos e a guardamos no cofre. Queríamos gravá-la com o Sérgio Reis. Quando enviamos a música, ele ficou encantado e surpreso por não conhecê-la. Ele disse que a gravaria a qualquer hora e deu tudo certo. Então, cada música tem uma história, mas, basicamente, é isso: grande parte desse repertório foi escolhido pelo nosso gosto pessoal.

Marisa: Como foi a experiência de gravar com esses ídolos, agora que vocês também são reconhecidos internacionalmente?
João Bosco: Nós ficamos meio bobos, quietos, pensando que tínhamos que extrair ao máximo o que eles tinham para nos passar.

Vinícius: Foi uma emoção muito grande, mas, ao mesmo tempo, sabíamos que era preciso contê-la porque, às vezes, isso pode atrapalhar. Principalmente na música, é preciso ter emoção, mas ela deve ser contida para dar espaço à concentração, para que possamos dar o nosso melhor. Quando a emoção passa um pouco do esperado, pode prejudicar tecnicamente. Foi uma mistura de sensações. Deixamos a emoção fluir quando eles estavam gravando, mas, quando chegava a nossa hora, nós tínhamos que nos concentrar e colocar em prática tudo aquilo que estudamos para tentar chegar ao mesmo nível deles.

Marisa: Foi neste projeto que vocês perceberam que estavam no nível deles?
Vinícius: Com toda essa história do “Estrada de Chão”, o que mais me deixou feliz foi o fato de termos o reconhecimento dos nossos ídolos, eles aceitarem participar conosco, nos darem a oportunidade de colocarmos a nossa voz junto com a deles. Mesmo assim, na nossa cabeça, eles sempre serão os nossos ídolos. Nunca seremos do tamanho deles. Isso vai muito além do fato de terem surgido antes da gente. Temos esse respeito porque eles sempre estarão acima. Se não fossem os nossos ídolos, talvez não estaríamos vivendo o momento de hoje e a própria música sertaneja não estaria nessa fase de renovação pela qual está passando. Eles são os responsáveis por começar tudo isso. Eles abriram as porteiras para que hoje pudéssemos passar com os bois.

Marisa: Mesmo com toda essa humildade, que eu admiro muito, deve ter havido algum momento em que perceberam que a carreira de vocês estava em outro patamar. Que momento foi esse?

João Bosco: Quando lançamos, em 2003, o primeiro CD da nossa carreira, já percebemos que o nosso trabalho estava começando a ter notoriedade. A partir dali, começamos a fazer shows fora do estado, mas ainda numa esfera mais regional. Em 2009, com o lançamento do álbum “Curtição”, com a música “Chora me liga”, isso ficou mais evidente. Essa música ajudou a abrir as portas.

Vinícius: Vínhamos de uma série de acertos de músicas, trazendo grande público para os nossos shows. Inclusive, o DVD que gravamos em 2007, o “Acústico pelo Brasil”, já tinha nos dado disco de ouro, de platina. Estávamos entre as dez músicas mais tocadas no Brasil, mas, em 2009, com “Curtição” e com a música “Chora me liga” isso ficou muito claro. Foi como se, em 2007, tivéssemos uma preparação de campo para, em 2009, realmente chegarmos muito forte.

Marisa: Diante de uma realização tão grande como essa, vocês ainda têm algum sonho que não tenha se realizado?

João Bosco:
Na nossa carreira musical, ainda temos muitos sonhos, mas o maior deles, todas as vezes que as pessoas nos perguntam, respondemos que é ficar velhinhos cantando.

Vinícius: O maior sonho e o maior desafio também. O artista, quando atinge o ápice do sucesso, chega a esse impasse. Todos querem isso, mas poucos conseguem se manter e muitos se perdem pelo caminho. Hoje, praticamente, fazemos um trabalho de manutenção de carreira.

Marisa: Vocês serão premiados na Festa Nacional da Música 2015, em Canela (RS), pelas mãos do Sérgio Reis. O que acrescenta para vocês receberem um reconhecimento desses?

João Bosco: Essa premiação é uma escolha do artista, ou seja, o próprio Sérgio Reis decidiu nos homenagear. Pelo fato de sermos do Mato Grosso do Sul, de adorarmos o Pantanal, de termos gravado “Estrada de Chão”, talvez tudo isso tenha nos credenciado para essa premiação. Porém, não fizemos nada esperando um retorno. Fizemos por vontade. Acredito que o segredo de João Bosco & Vinícius é fazer com verdade, sem esperar nada do próximo. Pensamos que, se der, deu, mas se não der, vai ter valido a pena do mesmo jeito.

Marisa: Vocês acreditam que o interior, tanto do estado quanto do país, tenha força?

Vinícius: Sim, principalmente no nosso mercado de trabalho. Estouramos primeiro no interior para depois chegar aos grandes centros. Nosso trabalho sempre foi assim. Dentro do nosso estado foi desse jeito: conseguimos primeiro a aprovação do interior para depois chegar forte na capital.

João Bosco: É assim: uma árvore de bons frutos precisa ter boa raiz. Geralmente, a capital do estado é a galinha dos ovos de ouro, ou seja, o que acontece na capital do estado reflete nos outros municípios. Quando você tem um trabalho fortalecido na capital, isso já garante reconhecimento no interior. Nós fizemos o caminho do interior para a capital em todos os estados que fomos conquistando e ficamos felizes com o reconhecimento.

Marisa: O que os trouxe até Ribeirão Preto?

João Bosco: Estávamos há dez anos em Campo Grande, mas sofríamos com a logística. Perdíamos um dia para sair e outro para voltar. Isso estava se tornando muito cansativo. Então, fizemos uma reunião e percebemos que, naquele momento, mais de 50% dos shows que fazíamos eram no Estado de São Paulo. Como viemos de um lugar que tem uma característica interiorana, já definimos, logo no início, que não iríamos para a cidade de São Paulo, até porque a nossa equipe era muito grande e teríamos que remanejar todo mundo. Fizemos uma pesquisa para encontrar um lugar que favorecesse a nossa logística e ficamos entre Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Andamos pelas cidades e consideramos Ribeirão Preto muito parecida com a capital do Mato Grosso do Sul. Campo Grande é uma cidade de avenidas largas, bem arborizada, que oferece boa qualidade de vida, tem escolas, faculdades, bares, casas noturnas, restaurantes, assim como Ribeirão Preto. A única coisa que não dá para comprar é que Campo Grande está mais perto do Pantanal, que nós adoramos.

Vinícius:
Em 2009, gravamos o projeto “Coração Apaixonou”, aqui em Ribeirão Preto, que, na minha concepção, foi o nosso melhor projeto em DVD. Fizemos um evento para 40 mil pessoas e, 20 dias antes, os convites estavam esgotados. Devemos isso ao público ribeirãopretano, fora as pessoas que fazem parte do nosso dia a dia, que nos ajudam, apoiam, sempre nos trataram com muito carinho, muito respeito. Isso é o que faz de Ribeirão Preto esta cidade um lugar tão gostoso, tão acolhedor. Já nos consideramos cidadãos ribeirãopretanos.

Marisa: Ribeirão Preto, hoje, tem uma única casa 100% sertaneja, que abre espaço para novos cantores. Como vocês veem isso?

João Bosco: Quem dera, na época que nós começamos, tivessem mais casas assim, que favorecessem o nosso gênero. Um lugar desses é um prato cheio para qualquer artista, não só para os iniciantes, mostrarem o seu trabalho. Não tivemos essa oportunidade. Cantamos em bares que, muitas vezes, não favoreciam o artista, então, nós vemos isso com bons olhos. Espero que vocês possam dar espaço e incentivar artistas que sonham, assim como já nós sonhamos, um dia poder pisar em um grande palco, como o da Festa do Peão de Barretos, por exemplo. Eu já estive aqui e comprovei a qualidade do som, o profissionalismo com que tudo é tratado e posso dizer que os artistas que pisam aqui tem muita sorte de poder começar a carreira com essa estrutura.

Texto: Máisa Valochi.
Fotos: Júlio Sian

Compartilhar: