Política em pauta

Política em pauta

Em palestra realizada em Ribeirão Preto a convite da Revide, a jornalista Eliane Cantanhêde revisitou sua trajetória profissional e fez uma leitura sobre a política nacional

Na atual conjuntura nacional, é possível afirmar que ser um comentarista político é quase uma profissão de risco. Tal missão é encarada com desenvoltura pela jornalista Eliane Cantanhêde, que se tornou uma das mais conhecidas e respeitadas vozes da área. Atualmente, sua opinião está à disposição do público na TV, no rádio e no papel, em veículos como GloboNews, Estado de São Paulo, Rádio Eldorado e Metrópole, entre outros. 


Por gostar de ler e de escrever, comunicou à família a decisão de se tornar jornalista aos 14 anos e aos 20, ainda cursando o terceiro semestre da faculdade, ingressou em um estágio no Jornal O Globo, um dos mais vanguardistas de seu tempo. Gazeta Mercantil, Revista Veja e Folha de S. Paulo estão entre os veículos que constam no currículo de Eliane, que trabalhou em editorias diversificadas antes de enveredar-se, definitivamente, para a política, onde saúde, economia e tantos outros assuntos se encontravam.


No dia 22 de setembro, mais de 300 pessoas estiveram reunidas no Auditório Meira Júnior, no Theatro Pedro II, para ouvir o que a jornalista tinha a dizer sobre “As perspectivas que se abrem para o Brasil”. Apesar da seriedade do assunto, a comentarista o conduziu com a máxima leveza possível e fez questão de responder a todas as perguntas do público.
 

Um breve resgate da carreira

“Dei meus primeiros passos como jornalista antes mesmo da reta final da faculdade, no Jornal O Globo. Acabei sendo indicada por um professor ainda no terceiro semestre do curso, em substituição a um colega que não poderia assumir a vaga. Aos 20 anos, acabei sendo contratada, e só depois conquistei o desejado diploma. Passei por saúde, educação e outras pastas em diversos veículos. Por conta da profissão, viajava bastante e conversava com muita gente. Foi assim que percebi que, no fundo, tudo é política.” 
 

Outros tempos

“No início da carreira, o processo de trabalho era muito diferente. Nossas principais ajudantes de trabalho eram as máquinas de escrever Remington e Olivetti. Depois de ficar satisfeita com o que estava escrito na lauda, aquele papel que insistia em esgarçar a cada palavra, entregávamos o material para o teletipista, que encaminhava às sedes dos veículos a reportagem sem acentos e cedilhas. O processo incluía edição, revisão e outras etapas até, finalmente, ser finalizado. O próximo aliado foi o moderníssimo fax, que representou uma enorme economia de tempo. Depois dele, passamos para a famosa ‘marmita’, antecessora do computador, que, por ser tão revolucionária, acabou criando alguns inimigos entre os jornalistas mais tradicionais. O computador e a internet chegaram para transformar a profissão. Se até então, as pesquisas para uma matéria eram feitas manualmente em bibliotecas e em arquivos, os jornalistas passaram a contar com o senhor Google como aliado. A internet mudou o mundo, e muito, assim como mudou as exigências dos profissionais.”

Curiosa por natureza

“Para as reportagens que produzi ao longo da carreira, e ainda hoje, sempre ouvi muitas fontes. Foi dessa forma que desenvolvi a principal habilidade de um jornalista: a curiosidade. Se há algo que me fascina na minha profissão é a possibilidade diária de conhecer um assunto, um lugar ou uma pessoa nova. Foi por causa do jornalismo que conheci os cinco continentes e vários presidentes da república — foi a mim que Hugo Chaves concedeu a primeira entrevista internacional depois de eleito, em 1999. É muito bom trabalhar 12 horas por dia quando se faz o que gosta e, modestamente, como um grãozinho de areia, saber que você está participando da discussão sobre o país que temos e o que queremos construir no futuro.”
 

Melhor momento

“Assim como as ferramentas de trabalho do jornalismo e de praticamente todas as profissões, a política brasileira mudou, profundamente, nos últimos 30 anos. Hoje, há quem diga que o assunto é chato, que todos os políticos são corruptos e que o país já foi melhor, o que não é verdade. Quem viveu a Ditadura Militar sabe que estamos muito melhores do que antigamente, e em pleno avanço.”
 

Ditadura x democracia

“Durante a Ditadura, a imprensa, assim como tudo, vivia sob forte censura. O ditador pensa que apenas ele sabe o que é melhor, então, tudo precisa ser como ele quer. Já a democracia é mais cansativa, porque cada um tem sua verdade e julga um jeito melhor do que o outro. Para que haja entendimento, é preciso avançar, recuar, discutir, argumentar. Entre os diversos episódios que poderia relembrar, escolhi um para ilustrar o que isso significava. Em uma entrevista gravada com o então ministro da Saúde, Paulo Almeida Machado — um dos melhores que tive a oportunidade de conhecer —, colhi a informação de que havia uma epidemia de meningite no país. Escrevi uma matéria, inclusive, sobre o que as pessoas poderiam fazer para se prevenirem, e enviei a São Paulo, mas, quando a matéria ainda estava sendo digitada, o censor barrou a reportagem. Sua alegação foi de que, como o governo não tinha vacina para todos, aquele texto poderia causar pânico. Portanto, no regime ditatorial, as pessoas não têm o direito de saber a realidade.”
 

Transição

“Os anos finais da Ditadura foram de muita turbulência porque o Regime Militar se dividiu: um lado era mais liberal e outro, mais fechado. Na briga entre eles, teve início um processo de transição, que começou com a disputa entre Maluf e Tancredo Neves. Porque a política, assim como a vida, é feita de imprevistos, Tancredo jamais assumiu, deixando a cadeira para José Sarney. Coube a Ulysses Guimarães capitanear toda a história da Constituinte e a primeira eleição direta, que resultou na escolha do Collor.”

Ironia do destino

“Quem poderia imaginar que o primeiro presidente eleito pelo voto direto, depois de 20 anos, pudesse ser cassado? Isso aconteceu com Fernando Collor, dando a todos nós uma aula de democracia. Apesar da recente volta do regime democrático, conseguimos um feito inédito: dois presidentes cassados em 25 anos.”
 

A história em ciclos

“Encerramos o ciclo da Ditadura Militar, passamos por Sarney, chegamos a Collor, depois Itamar, seguidos pelo sociólogo Fernando Henrique. Entrou-se na “era Lula”, que culminou na primeira mulher eleita para o mais alto posto político brasileiro. E agora? Encerrou-se um ciclo, da direita à esquerda. Para mim, houve uma continuidade do que vinha acontecendo sob a gestão Fernando Henrique. Sociólogo e acadêmico respeitado no mundo, o próprio FHC era de centro-esquerda. O ex-presidente até torcia para que seu sucessor fosse Lula, grande líder de massas, com uma biografia pujante e representativa. Fernando Henrique sabia que o processo histórico recente do Brasil levava ao PT.”
 

A “era” PT

“É preciso avaliar a personalidade do PT e do próprio Lula. Grande partido de massas, o PT mantinha o discurso da ética como se todos os demais partidos fossem antiéticos. O Lula, por sua vez, fazia o discurso de que sabia, mas somente ele sabia, o que o seu povo queria e o que era bom para ele. Assim, o mundo era dividido entre certos e errados, puros e impuros. Antes de assumir o poder, a aliança do PT com o Ministério Público, com a imprensa e com os funcionários públicos exemplares gerou, por exemplo, o impeachment do Collor e a perseguição do Ibsen Pinheiro, que presidiu a Câmara durante o impeachment e foi tragado pelas denúncias do PT. Durante anos, portanto, o PT era o puro, que destruía os impuros. A partir do momento que ascende ao poder, passa a encarar antigos aliados de forma diferente.”
 

Avanços importantes

“É preciso salientar que houve um processo de inclusão social bastante acentuado e necessário, pois o grande problema brasileiro é o da injustiça social. Não dá para admitir que haja, ainda em 2016, pessoas vivendo em situação precária, sendo o nosso país tão moderno, avançado, com um monte de qualidades. As pessoas não podem viver como se estivessem no século XVI. O Lula avançou muito nesse sentido, mas a receita utilizada para estimular a economia foi apenas uma: crédito e consumo. Dando crédito às pessoas, foi possível que todos comprassem um fogão e uma geladeira novos ou colocassem um carro na garagem. Além disso, durante o governo Lula, houve um enorme vento favorável para toda a América Latina. Ao comparar a popularidade do Lula a dos presidentes de países vizinhos, é possível notar que a alta popularidade foi comum a todos. No entanto, o modelo seguido no Brasil, de privilegiar o crédito para o consumo, esgotou-se. De fato, não dá para construir um país amparado no consumo. Consolidar o desenvolvimento depende de investimentos em educação, saúde, ciência e tecnologia, competitividade e produtividade. Isso não foi feito.” 
 

Manutenção equivocada

“Na saída do Lula, em 2010, o país ainda crescia em torno de 7,5%, uma festa. Quando a Dilma Rousseff assumiu, não apenas aprofundou a política do Lula, como também piorou a situação em outros aspectos. Isso porque a Dilma age como se apenas ela soubesse tudo. As decisões envolvendo o setor elétrico, por exemplo, servem como exemplo.” 
 

Golpe?

Quando o impeachment ganhou força, ficou mais fácil dizer que era golpe. Esse foi um termo criado pelo PT, forte e convincente, mas será mesmo que houve golpe? De forma resumida, a Dilma gastou mais do que podia e devia. Chegou o ano eleitoral, ela precisava continuar gastando mais e acabou fazendo dívida sobre a dívida. Para fazer isso, primeiro, escondeu que tinha dívida e, segundo, falseou os números e a realidade. Isso é crime de responsabilidade ou não é? Na verdade, o impeachment pode ser resumido em uma única frase: o Brasil não aguentaria mais dois anos e meio de Dilma Rousseff.”
 

Conjunto da obra

“Quem acompanhou todos os debates no Congresso, ouviu o termo ‘conjunto da obra’, que não pode ser ignorado. A Dilma efetivamente destruiu a economia. A indústria despencou, assim como o comércio e os serviços. Há 12 milhões de desempregados! A situação não é pior graças à força do agronegócio brasileiro, um dos dois maiores do mundo. Politicamente, quando a Dilma foi reeleita, trancou-se no Palácio da Alvorada com os “Dilmistas”, isolando-se até de parte do PT. Cercou-se de pessoas que pensavam como ela e ignorou a necessidade do debate. Assim, a ex-presidente foi perdendo as condições de governabilidade, o que culminou no impeachment.”
 

Duas alternativas

“A Constituição Brasileira diz que se o presidente sofre o impeachment, assume o vice-presidente da república, o que, nesse momento, coube a Michel Temer. Alguns grupos começaram a articular uma ideia muito simpática para a opinião pública: Diretas Já. No entanto, a convocação de nova eleição significa ignorar a Constituição. Além de não ter razões jurídicas para antecipar as eleições, não há condições políticas para uma eleição nesse momento. Isso significa que os partidos não estão organizados para isso. Outra questão é a Lava Jato, que ainda está em curso. Como não se sabe o que ainda vai surgir, fica arriscado indicar qualquer nome. Restam, portanto, duas alternativas: Temer ou Temer.”
 

Envolvimento

“Até agora, o nome de Temer apareceu nas investigações da Lava Jato uma única vez, no depoimento de Sérgio Machado, que disse que o atual presidente pediu financiamento para a campanha de Gabriel Chalita, então candidato à prefeitura de São Paulo. No Brasil, no entanto, acredito que todos os presidentes de partidos já pediram, sugeriram ou mandaram pedir recursos para este ou aquele candidato. Em uma breve análise, dá para dizer que o consórcio do poder no Brasil incluía PT e PMDB e, entre eles, não há aquele que representa o bem e o mal. O número de delações é enorme e revela o envolvimento de muitos nomes importantes. A menção a Temer é bastante discreta. Agora, como não sabemos onde a Lava Jato vai chegar, há que se colocar uma ressalva: se as investigações levarem ao Temer, ele certamente sofrerá as consequências.”
 

Desafios

“Entre os principais desafios de Temer está a busca pela sustentação política necessária para as reformas urgentes. O outro desafio do presidente é explicar aos brasileiros o que são essas reformas, como a da previdência. Ao contrário do estigma que se criou, uma mudança precisa acontecer, justamente, para que seja possível garantir a aposentadoria dos idosos daqui em diante, porque, como o sistema funciona hoje, isso não acontecerá. No Brasil, como no mundo inteiro, as pessoas estão vivendo cada vez mais. Haverá um momento em que a base dessa pirâmide será menor do que o topo, ou seja, os jovens no mercado de trabalho serão minoria em relação aos mais velhos sustentados pela Previdência. Essa discussão não é do Temer, mas de toda a sociedade brasileira.” 
 

Corrupção

“Que no Brasil existe corrupção não é nenhuma novidade. No entanto, jogar no chão a Pretrobras, a empresa mais simbólica e amada do país é demais. Isso mostra uma forma de governar que confunde o público e o privado. Assim, a corrupção, que já era endêmica, virou uma epidemia. Mais uma vez, vamos levar muitos anos para tentar recuperar a Petrobras e todas as instituições, assim como as relações entre o Estado e seus agentes. Se eu tivesse tempo e condições para escrever um livro neste momento, o tema seria a Petrobras.” 
 

Lula na prisão

“Muita gente quer saber se acredito que o ex-presidente será preso. Na minha leitura, há duas questões: pelo viés jurídico, que considera delações, ligações com as empreiteiras, patrimônio da família e outras provas, a tendência é que o Lula seja preso; mas, politicamente, é muito difícil que isso aconteça, uma vez que trata-se de um ex-presidente extremamente conhecido no exterior, com uma biografia bastante particular e significativa. Ou seja, Lula carrega uma forte simbologia, tem tropa e é institucional. Entre um lado e outro, diria que tudo está caminhando para a solução jurídica, mas isso não é uma certeza, nem uma vontade de todo o mundo político e empresarial.
 

Um problema de muitos

“Em países emergentes, como o nosso, a corrupção também preocupa muito. A máfia russa é famosa no mundo inteiro; a Índia possui uma das populações mais desiguais graças à corrupção; China é a segunda maior economia do mundo, mas vive sob um regime fechado e também corrupto; Turquia, México, entre outros, são altamente corruptos. Qual deles está passando por uma Lava Jato? Qual deles está mexendo e remexendo suas entranhas? Nenhum! Sinceramente, acho que o Brasil está na vanguarda de um processo de combate que, eu poderia apostar que, daqui alguns anos, veremos acontecer nos outros países citados aqui. Enfrentar uma operação como a Lava Jato dói, é difícil, mas é melhor do que deixar as falcatruas seguirem como se não existissem.”
 

Bem preparados

“Esta geração de juízes, promotores e delegados são jovens muito bem preparados e superinformados. O Sérgio Moro personifica esse time que saiu para estudar no exterior, que foi buscar mais recursos, mas não é o único. Esses homens estão envolvidos na mudança do país. Às vezes, concordo que há exageros, mas, de forma geral, acredito que eles estão desempenhando um excelente trabalho.”
 

Todas as condições 

“Esse processo todo mostrou que as instituições brasileiras são fortes, assim como nossa iniciativa privada. Além disso, o Brasil tem florestas e rios, tem uma fronteira com o Oceano Atlântico invejável, faz divisa com diversos países sem registro de qualquer atrito. Sol o ano inteiro, água potável, energia limpa como em nenhum outro país: temos tudo o que precisamos e ainda somos capazes de produzir aviões, ônibus, grãos e muito mais. Falta investir nas pessoas, dar mais atenção à educação, à saúde e às indústrias que contratam. Digo isso porque a melhor inclusão social ainda é a combinação entre emprego e renda.”
 

2018

“É impossível antecipar o que acontecerá nos próximos anos no Brasil. O grande temor é que, depois desse processo fantástico de investigação, cheguemos em um ponto em que todos os políticos serão desqualificados e que, nesse cenário, surjam nomes como o de Berlusconi, na Itália, que enfrentou operação semelhante no passado, a Mãos Limpas. Neste momento, é impossível prever quais serão os candidatos dos principais partidos nas próximas eleições estaduais e federais. O tabuleiro de 2018 está vazio. Acho que a grande mudança estará no nível de informação dos eleitores, que, por consequência, estarão mais atentos ao currículo dos candidatos, à história do seu partido, aos aliados e às mentiras de cada político. 

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