Os passos da recuperação

Os passos da recuperação

Em meio a um cenário de crise, a recuperação judicial (RJ) se apresenta como um caminho que propõe à empresa em dificuldades uma reorganização do negócio

A maioria das empresas passa por altos e baixos ou já vivenciou um momento de crise, mas, no Brasil, quando a saúde financeira de uma companhia se agrava há amparo da lei para tentar reverter o problema antes que o pior aconteça. Essa medida é a recuperação judicial (RJ), um caminho que se propõe à empresa em dificuldades financeiras. Apesar de ainda temida por muitos executivos, a recuperação judicial é um meio de salvar uma organização empresarial das garras da falência e, por isso, é necessário que o empresário a conheça bem e saiba fazer uso dela no momento apropriado, sempre com suporte de uma área jurídica experiente.
Segundo o advogado Henrique Furquim Paiva, sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia, a RJ substitui a antiga concordata com dois diferenciais fundamentais. No primeiro, o procedimento visa à recuperação econômica da empresa para preservar a função social, os empregos que gera, as riquezas que circula, os impostos que paga, enfim, a importância que conquistou na sociedade em virtude da atuação, evidenciando um interesse coletivo na sua atividade, ou seja, não mais aquela visão míope de que a empresa representa o interesse exclusivo dos proprietários. No segundo, o processo é realizado com a participação ativa dos credores, devendo o plano de recuperação passar pelo seu crivo e aprovação, em contraposição à antiga concordata que impunha aos credores a forma de pagamento sem que nada pudessem opinar. “O processo de recuperação judicial é uma medida que, conjuntamente com os credores, o devedor tem o direito de propor um plano para pagamento das obrigações com condições que se adequam ao seu fluxo de receita e à limitação da condição econômica, tudo para preservar a função social”, explica o advogado.
O processo de recuperação judicial se encontra na Lei 11.101/2005, que entrou em vigor em 2005. A grande novidade foi a extinção da concordata e sua “substituição” pelo instituto da recuperação judicial. Com a nova regulamentação, houve um avanço e um aprimoramento no relacionamento entre as empresas e os credores, que ganharam maior autonomia na votação e na deliberação do plano de recuperação judicial. Também foram criadas novas opções de pagamento, aumentando, consequentemente, as possibilidades de solução do débito, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.


O processo de recuperação judicial exige uma criteriosa análise das características do endividamento da empresa, bem como de sua viabilidade econômica e potencialidade de superação da crise. “Nem toda situação de crise sugere o pedido de recuperação judicial, por isso é essencial o correto diagnóstico para o sucesso deste processo”, alerta Henrique.  A boa nova, segundo o advogado, é que as chances de recuperação são bem positivas. Se bem diagnosticada a viabilidade econômica da empresa, atrelada à aprovação de um plano factível de cumprimento, o processo de recuperação judicial tem tudo para dar certo. 
 

Passo a passo

A recuperação judicial passa por um processo dividido em três fases. A primeira medida a ser tomada é ingressar com a ação em juízo contendo as razões da crise econômico-financeira da empresa, além de uma série de documentos que espelham a atual situação, como demonstrações contábeis relativas aos três últimos exercícios sociais, balanço patrimonial, relação completa dos credores, entre outros. A documentação é analisada por um juiz que profere uma decisão autorizando o processamento da recuperação, bem como nomeia um administrador judicial e determina a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor. A partir da publicação dessa decisão, o devedor tem um prazo de até 60 dias para apresentar um plano de recuperação. 
Feita esta primeira fase, em seguida é realizada a votação do plano de recuperação em assembleia geral de credores. “Nesse momento, os credores poderão aprovar ou rejeitar o plano de recuperação judicial. A rejeição do plano acarreta a falência da empresa, ao passo que a sua aprovação implica novação dos créditos sujeitos à recuperação, que deverão ser cumpridos na forma acordada no plano”, explica o advogado Fernando Henrique Machado Mazzo, também sócio de Brasil Salomão e Matthes Advocacia. 
O próximo passo, esclarece o advogado, é a execução do plano de recuperação aprovado pelos credores, permanecendo o devedor em recuperação judicial até o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano que vencerem num prazo de até dois anos depois da concessão. “Enquanto ocorre a definição da recuperação judicial, em regra, o devedor ou seus administradores são mantidos na condução da atividade empresarial, mas agora sob a fiscalização do administrador judicial nomeado pelo juiz e também do Comitê de Credores, se houver”, explica Fernando.  
Enquanto isso, as atividades da empresa continuam sendo executadas normalmente, sem qualquer interferência externa, muito menos com consequências para os seus funcionários, clientes e fornecedores. “Só em hipóteses excepcionais (fraude contra os interesses dos credores, simulação e outras condutas ilícitas), o juiz pode destituir o administrador, mas, a regra, é a manutenção dos atuais gestores na condução da atividade empresarial”, adverte Fernando.
Engana-se quem pensa que só as grandes organizações podem requerer a RJ. As microempresas e empresas de pequeno porte também podem pedir, valendo-se, inclusive, de um tratamento diferenciado e favorecido, já que podem optar por apresentar um plano especial de recuperação judicial que abrange, exclusivamente, os créditos quirografários, com previsão de parcelamento de dívidas em até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, corrigidas monetariamente e acrescidas de juros  de 12% ao mês. 
Atualmente, a recuperação judicial também pode ser utilizada por um produtor rural, desde que exerça atividade agrária (agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativista). Neste caso, é reconhecido pelo Código Civil, art. 971, como empresário apto a requerer a recuperação judicial, e as decisões tem confirmado esse direito. “O pedido de recuperação judicial do produtor rural segue as mesmas regras do empresário urbano, tendo, no entanto, que o produtor rural comprovar o registro na Junta Comercial, podendo regularizar esse, se não tiver, e o exercício da atividade rural por mais de dois anos”, acrescenta Henrique. Na ótica do advogado, essa possibilidade ao produtor rural é valiosa, considerando a notória dificuldade econômica que vem enfrentando no mercado, sendo uma forma de proteger a atividade e preservar seu patrimônio, fonte fundamental do seu negócio.

Cenário de evolução

Antes de instaurar uma recuperação judicial, a área jurídica deve atuar de forma criteriosa para saber se o cliente deverá, ou não, passar pelo processo. Isso porque, se não der certo, a empresa tem sua falência decretada. Cabe ao advogado, junto com uma auditoria especializada, examinar o perfil da dívida da empresa e real situação econômica, para concluir se é possível propor a demanda judicial e se o cliente teria condições de arcar com as obrigações a serem criadas no plano de recuperação econômica. “A auditoria, além do plano de recuperação econômica, fará análise da capacidade de pagamento do cliente. O processo é de autoconhecimento e organização das finanças, sendo a conclusão bastante objetiva quanto aos riscos da demanda”, explica o advogado Henrique Furquim Paiva.
Se a conclusão der por arriscada a medida judicial e, mesmo com o auxílio de uma auditoria especializada, há, ainda, a possibilidade de um processo extrajudicial de recuperação. Neste caso, os credores são chamados para negociar melhores condições para o pagamento pelo devedor e o processo de recuperação ocorre fora do âmbito judicial. O conjunto das negociações é estabilizado com a costura jurídica de cada acerto conquistado. O advogado analisa. ainda. que a crise instalada no País ensinou aos credores a preocupação de preservar o devedor, ainda que reduzindo os valores do crédito ou expandindo o tempo do seu pagamento. É melhor abrir mão de parte dos  direitos a não receber nada caso a empresa quebre. “As negociações, extrademanda judicial, têm mostrado bons cenários de evolução e resultados impressionantes”, conclui Henrique.  

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