Nos bastidores do picadeiro

Nos bastidores do picadeiro

Tecnologia de ponta aliada a profissionais talentosos: essa é a receita adotada pelo Mirage Circus para conquistar o público

O equilibrista, o mágico e o globo da morte são algumas das atrações que têm encantado o público As luzes se acendem e se movimentam ao som da música, criando, instantaneamente, uma atmosfera lúdica sob a lona: é sinal de que o espetáculo está prestes a começar. São quase duas horas de magia e de diversão. Diante dos olhos vidrados do respeitável público, incluindo crianças e adultos, os artistas desfilam seus talentos. O equilibrista desafia a gravidade em cima de diversos cilindros empilhados. O mágico dribla a percepção humana e transforma o que antes parecia impossível em realidade. Os motociclistas esbanjam coragem a toda velocidade dentro do globo da morte. Essas são apenas algumas das 22 atrações do Mirage Circus que, desde o início de janeiro deste ano, está instalado em um amplo terreno na Av. Braz Olaia Acosta, em Ribeirão Preto. Além da apresentação dos bem elaborados números, existe uma grande curiosidade em relação ao que acontece por trás das cortinas. A plateia quer saber um pouco mais sobre as pessoas que fazem essa complexa engrenagem funcionar. 

Uma delas é Rodrigo Garcia. O palhaço cumpre com propriedade a tarefa de interagir com os espectadores, arrancando gargalhadas. Vindo de uma família tradicional do ramo, passou a integrar o elenco do Mirage há quatro meses. “Nasci em um circo. Desde criança, testava truques de ilusionismo e de malabares. Seguir por esse caminho parecia algo lógico para mim, mas, na adolescência, quis conhecer o cotidiano fora desse universo”, lembra. Foi aprovado no curso de Veterinária. Frequentou as aulas por dois anos e, então, abandonou a faculdade para voltar correndo para o circo. “Era a hora de exercer minha verdadeira Por dois anos, Rodrigo foi aluno de um curso de Veterinária, mas abandonou a faculdade para voltar ao circo e trabalhar como palhaço vocação: ser palhaço. Tive bons exemplos que serviram de inspiração para compor o meu personagem, como o Chaplin. Independente de como está o meu humor, subo no palco para fazer sempre o melhor”, revela Rodrigo, que conta com a companhia da esposa e da filha nos bastidores. Realizado, ele revela que pretende continuar investindo na carreira. “Eu amo a minha profissão. Gosto de viajar e de não ter rotina. Acredite, não consigo mais ficar muito tempo parado em uma cidade só”, acrescenta o palhaço.

Adrielle Alves é outra estrela que se destaca. Os mais atentos podem vê-la atuando em diversas funções: é bailarina nos números de dança, executa coreografias no tecido, voa pelos ares no trapézio e pilota uma das motos no globo da morte em alguns espetáculos. Também nascida em uma família tipicamente circense, a artista explica que as crianças Hoje empresária em Ribeirão Preto, Myrian relembra com carinho a época em que viveu no circodesenvolvem certas habilidades, como coordenação motora, agilidade, equilíbrio e força, de uma maneira muito natural, através de brincadeiras. “Com uns seis anos, tentava reproduzir os números feitos pelos adultos. Sem perceber, estava treinando. Quando aprendemos a técnica desde muito cedo, tudo fica mais fácil. Aos 11 anos, já estava no picadeiro”, revela. Depois de uma longa temporada nos Estados Unidos, ao lado do marido, o trapezista Jonatan Robattini, Adrielle voltou ao Brasil e, há um ano, foi contratada pelo Mirage.

A artista faz questão de enfatizar que o dia a dia no circo é mais normal do que as pessoas imaginam. “Os trailers modernos são iguais a uma casa: têm sala, cozinha, quarto e banheiro, proporcionando bastante conforto. Nós assistimos à TV, descansamos no sofá e preparamos o jantar como todo mundo faz. O fato dessa casa ficar sobre rodas é essencial, pois podemos levá-la para qualquer lugar. Não precisamos mudar de hotel em hotel, o que seria muito impessoal. Além disso, ficamos estrategicamente estacionados na lateral da lona, o que garante maior praticidade para os ensaios e para os shows. Em questão de poucos minutos, percorremos o trajeto entre o trailer e o palco”, comenta Adrielle. Apesar de amar a vida intensa e cheia de adrenalina que leva no circo, para o futuro, a jovem faz planos de se estabelecer em uma cidade, de preferência, norte-americana. A ideia é abrir um negócio no ramo alimentício, como uma padaria ou um restaurante. 

Deixar o circo não é uma tarefa nada fácil. A afirmação é de Myrian Robattini. A Adrielle em ação no trapézio e no trailer onde mora: a artista afirma que tem uma rotina mais normal do que as pessoas imaginamempresária, que está à frente do Tempero Brasileiro, viveu no circo até 1979. “Naquela época, não havia estrutura nenhuma. Dormíamos em barracas no chão, mas aquela era a realidade que conhecíamos. Crescer nesse ambiente, com certeza, foi uma experiência única. Por vários anos, trabalhei com números que envolviam equilíbrio e malabares. Conheci e me apaixonei pelo Ricardo, que atuava como trapezista. Casamos e tivemos nossos três filhos. A nova dinâmica da nossa família, no entanto, fez com que meu marido optasse por se desligar do circo para fixar residência e atuar no comércio de calçados. Confesso que, no início, fiquei contrariada. Amadurecemos esse pensamento até nos sentirmos prontos para tomar uma decisão consciente. Nossa primeira parada foi em Tanabi, São Paulo. Aos poucos, fomos nos adaptando. Mudamos para Ribeirão Preto e trocamos o setor de calçados pelo alimentício. Estou muito feliz e satisfeita com as escolhas que fizemos, porém, é inegável que a saudade dos picadeiros aperta o coração”, ressalta. Justamente por isso, a chegada do Mirage à cidade trouxe tanta alegria para a empresária. “Parte da minha família ainda está nesse circo. Venho aqui todos os dias. Assim, fico perto deles e tenho a oportunidade de reviver boas memórias”, conclui Myrian.

Sérgio explica que o circo moderno funciona como uma grande empresaA reinvenção do circo

O circo precisou se repaginar para acompanhar a evolução do público. As instalações ficaram mais confortáveis, os animais saíram de cena, os artistas conferiram um toque de inovação a números consagrados e os shows ganharam o reforço de recursos tecnológicos de última geração. Inaugurado em setembro de 2013, em Manaus, pelo ator e artista circense Marcos Frota, o Mirage Circus já foi concebido dentro desse perfil. Gerenciado pela família Robattini, que trabalhou por muitos anos com o grupo Beto Carreiro, o espaço é climatizado e tem capacidade para 1.800 pessoas. “Conseguimos trazer a modernidade para o nosso espetáculo, com uma estrutura digna dos shows de Las Vegas, sem perder a essência e o encanto do circo de antigamente. Esse é o nosso diferencial. Nossa missão é levar alegria e, para cumprir esse objetivo, prezamos pela excelência em cada detalhe”, pontua Sérgio Robattini, representante da sexta geração dessa família no universo do circo que, depois de ser domador de animais, trapezista e acrobata, assumiu a direção administrativa do Mirage.

Desde os primeiros dias de janeiro, o Mirage Circus está instalado em um terreno na Av. Braz Olaia AcostaSérgio explica que, hoje, o circo é como uma grande empresa, que exige máxima organização e planejamento. “Juntamente com a programação dos nossos 150 artistas, temos que cuidar dos figurinos, do som, da iluminação, da segurança, da bilheteria, da praça de alimentação e do sistema operacional, só para citar alguns exemplos. Contratamos, ainda, mão de obra e fornecedores locais para nos dar o suporte necessário”, descreve. No total, são 400 toneladas de equipamentos que, em três ou quatro dias, precisam ser desmontados e reinstalados funcionalmente em uma nova área. Depois de dois meses na cidade, a equipe parte rumo à próxima aventura. O transporte é feito por cerca de 100 veículos, entre carretas, caminhões e trailers, e o roteiro de visitação é estabelecido previamente, pensando na melhor logística para a viagem. “Todos os setores devem funcionar como um relógio, em perfeita harmonia, para que o resultado seja bem-sucedido”, finaliza o administrador. 

Texto: Paula Zuliani
Fotos: Ibraim Leão

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