A urgência de um novo sistema carcerário

A urgência de um novo sistema carcerário

Com o dobro da capacidade, a realidade nas unidades prisionais de Ribeirão Preto e região reflete uma problemática brasileira: a superpopulação carcerária

Pouco mais de uma semana após dois massacres em presídios nos estados do Amazonas e um em Roraima, que resultaram na morte de 87 detentos, o Governo se movimenta para colocar em prática medidas que amenizem falhas na gestão do sistema carcerário que, no Brasil, enfrenta dois problemas considerados emergenciais: a superlotação dos presídios e a atuação de facções criminosas dentro das unidades prisionais.

A população carcerária brasileira já se aproxima do número de habitantes de uma cidade como Ribeirão Preto. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e dos governos dos Estados, o país possui 668.182 pessoas presas — a estimativa é de que, em 2016, a população ribeirãopretana possuía 674.405 habitantes. Descontando a capacidade dos presídios brasileiros — total de 394.835 vagas — o excedente chega a 273.347 presos, o que significa que o sistema carcerário está 70% acima de sua capacidade.

Realidade local

O Estado de São Paulo e Ribeirão Preto fazem parte desta realidade. As prisões paulistas possuem hoje 220.251 indivíduos, apesar do sistema ter sido planejado para abrigar 131.642 detentos.

A população carcerária em Ribeirão Preto — somados os presos nas Penitenciárias Masculina e Feminina e no Centro de Detenção Provisória — é de 3.230 pessoas, quando, na verdade, a capacidade dessas unidades limita-se a 1.964, um déficit de 1.266 vagas.

Ricardo Sobral: o Estado do Amazonas completamente ausente da gestão do sistema penitenciário preocupa muitoPara o advogado Ricardo Sobral, do Grupo de Estudos Carcerários Aplicados (Gecap), da Universidade de São Paulo (USP) de Ribeirão Preto, a lotação nos presídios brasileiros agrava tais problemas e possibilita os erros. “Um professor em uma sala com 20 alunos vai ministrar sua aula com qualidade; já em uma sala com 40 alunos, a qualidade diminui. Assim é no sistema carcerário”, exemplifica Sobral.

Sobre os massacres recentes no Norte do país, o advogado soma ao fato da superlotação dos presídios a omissão do Estado do Amazonas ao privatizar o sistema penitenciário. Segundo Sobral, o governo passou para as mãos da iniciativa privada uma função estatal. “Ao analisar o contrato assinado entre o governo e a empresa Umanizzare Gestão Prisional e Serviços Ltda., dá para afirmar que trata-se de uma peça bem genérica. Não trata do número mínimo de agentes para a fiscalização, os custos ou o controle do serviço prestado. O contrato deveria ser mais objetivo para evitar que a busca pelo resultado financeiro da empresa atrapalhe a qualidade do serviço prestado”, reforça.

Segundo Sobral, a situação nos presídios do Estado de São Paulo não é muito diferente em relação à superlotação e a ação das facções, mas, segundo o advogado, o governo paulista mantém o sistema de gestão e inteligência, que acaba ofuscando a atuação de grupos criminosos nos presídios paulistas.

Algumas questões observadas em estudos feitos pelo Gecap no Brasil, coordenados pelo professor do Departamento de Direito Público da USP de Ribeirão Preto, Cláudio do Prado Amaral, aponta para o tipo de tratamento dado pelo governo ao sistema carcerário. “É um sistema com característica de exclusão social, e não de ressocialização”, afirma.

Para o advogado Ricardo Alves de Macedo, presidente do Conselho Municipal de Segurança Pública e Ouvidor da Guarda Municipal de Ribeirão Preto, o estado tem falhado em alguns aspectos. Um exemplo é o fato de não investir no policiamento e na carreira do policial, não dando poder de enfrentamento ao crime. Para Macedo, o Estado ainda falha em não equipar o sistema judiciário e o Ministério Público. “É preciso repensar o sistema carcerário e a Lei de Execução Penal, separar o grande criminoso dos outros detentos”, destaca Macedo.

Medidas

Alguns dias após a morte dos 56 detentos no presídio de Manaus e um dia antes da morte de 31 detentos em Roraima, o governo federal lançou, em 5 de janeiro, o Plano Nacional de Segurança Pública, que contém medidas para tentar combater a criminalidade e o índice de homicídios no país.

De acordo com o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, os três principais objetivos do Plano são a redução de homicídios dolosos e de feminicídios; o combate integrado à criminalidade organizada internacional (em especial, tráfico de drogas e armas) e crime organizado dentro e fora dos presídios; e a racionalização e modernização do sistema penitenciário.

Em menos de quatro meses, 109 detentos foram mortos durante rebeliões em presídios no norte do PaísEntre as medidas, foram anunciadas a construção de mais cinco presídios de segurança máxima e a liberação de R$ 150 milhões para a implantação de bloqueadores de sinal de celulares dentro dos presídios.

Com as novas unidades carcerárias, a expectativa é aumentar em até 1.250 vagas no sistema penitenciário. Há ainda previsão para a liberação de verba para a implantação de novos presídios estaduais, com capacidade para 1.000 detentos. No total, a ação resultaria em aproximadamente 30 mil novas vagas.

O presidente Michel Temer (PMDB) anunciou, ainda, a necessidade de a União atuar no sistema de segurança — atualmente, como determina a Constituição, tal função é atribuída aos estados. Quatro procedimentos administrativos foram instaurados pela Procuradoria Geral da República para apurar a situação do sistema penitenciário do Amazonas, do Pernambuco, do Rio Grande do Sul e de Rondônia. O Ministério Público reunirá informações para decidir se um processo de investigação será aberto, se apresentará uma denúncia ou se moverá uma ação. O MP pretende avaliar se há elementos para solicitar a intervenção federal nos estados ou pedir que a apuração dos casos seja federalizada.

Para Ricardo Alves de Macedo, construir novos presídios não resolve o problema. Ele aponta que é necessário construir novas escolas, investir na parte social e intensificar o policiamento para aumentar a segurança da população. “O sistema carcerário é um lugar onde o preso vai para ser reeducado. De lá, espera-se que ele saia com dignidade e oportunidade de reinserção na sociedade, com trabalho e educação. Como reeducar alguém que não recebeu educação? O sistema acaba deseducando”, reforça o advogado.

Macedo defende, ainda, que o detento precisa trabalhar para se sustentar dentro do sistema prisional. “Eles precisam se responsabilizar pela limpeza do lugar e pela manutenção, além de estudar. É preciso ter mais disciplina dentro dos presídios”, completa.

Massacre

As duas tragédias recentes, segundo especialistas em segurança pública, são capítulos de uma mesma guerra travada entre facções criminosas. A hipótese é que a expansão do Primeiro Comando da Capital (PCC), que começou no sudeste brasileiro, para o Norte do país, entrou em conflito com interesses de outro grupo, a Família do “É quase bíblico: ‘Educai as crianças e não será preciso punir os homens’”, cita MacedoNorte (FDN), ligada ao Comando Vermelho (CV) do Rio de Janeiro.

Em entrevista ao site de notícias do Nexo, os juízes responsáveis pelas Varas de Execução Penal dos Estados de Roraima, Marcelo Lima de Oliveira, e do Amazonas, Luis Carlos Valois, não descartaram a hipótese da ação de integrantes de facções criminosas.

Para Valois, a informação de uma guerra entre as facções PCC e FDN no estado amazonense, segundo sugere a polícia, pode ser verdadeira. Mesmo advertindo que os dados de que dispunha eram superficiais para analisar a situação em Boa Vista, Oliveira levanta duas hipóteses para o massacre no Estado de Roraima. A primeira é de que, no massacre da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, na madrugada do dia 6 de janeiro, na capital do Estado, os membros do PCC teriam matado os detentos ligados ao Comando Vermelho para se vingarem da Família do Norte, pois, segundo Oliveira, em Roraima não há membros da FDN.

Tal crime estaria ligado ao que aconteceu em Manaus no primeiro dia de janeiro, quando membros do PCC foram mortos por membros da FDN. O massacre também teria sido motivado por outra série de mortes, ocorrida em rebelião de outubro, quando o PCC matou dez (registros falam em 18) líderes do Comando Vermelho em Roraima. 

Outra hipótese

Outra possibilidade é a de que apenas o PCC tenha protagonizado o massacre em Roraima. Como explicou o juiz Oliveira ao Nexo, as mortes foram na ala do “seguro”, destinadas a estupradores e outros presos tidos como uma ameaça, e houve mortos dentro da ala onde só há presos do PCC. 

O juiz explica ainda que, após a rebelião de outubro, na mesma penitenciária roraimense, restaram só o PCC e seus simpatizantes. Então, o massacre pode ter sido contra pessoas que deixaram a facção, os que não quiseram entrar no grupo e os estupradores, que as facções criminosas não aceitam nos presídios. Não haveria, portanto, mortes do Comando Vermelho. 

Tal versão foi corroborada pelo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, em entrevista coletiva no dia 6 de janeiro.

Sistema Paulista 

O sistema carcerário paulista possui, ao todo, 166 unidades prisionais, divididas da seguinte forma

• 15 Centros de Progressão Penitenciária
• 42 Centros de Detenção Provisória
• 22 Centros de Ressocialização
• 1 Unidade de Regime Disciplinar Diferenciado (RDD)
• 83 Penitenciárias
• 3 Hospitais
• Outras 17 novas unidades estão em fase de construção no Estado

Outras rebeliões no Norte que resultaram em mortes

• 10 mortos em Boa Vista, Roraima, no dia 16 de outubro de 2016
• 8 mortos em Porto Velho, Rondônia, em 7 de outubro de 2016
• 4 mortos em Rio Branco, Acre, no dia 20 de outubro de 2016
• 56 mortos em Manaus, no Amazonas, no dia 1º de janeiro de 2017
• 31 mortos em Boa Vista, Roraima, no dia 5 de janeiro de 2017

Outras Rebeliões no Brasil

• 108 mortos em Ubatuba (Presídio da Ilha de Anchieta), em 1952
• 111 mortos em São Paulo (Carandiru), em 1992
• 30 mortos no Rio de Janeiro (Casa de Custódia de Benfica), em 2004
• 27 mortos em Rondônia (Presídio de Urso Branco), em 2002
• 18 mortos no Maranhão (Complexo Penitenciário de Pedrinhas), em 2010

Revolta em Jardinópolis

Em setembro, 470 detentos fugiram do Centro de Progressão Penitenciária de Jardinópolis. O motim, segundo depoimento de alguns detentos, teria sido motivado pelas medidas punitivas adotadas pela direção do presídio. Na época, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo não comentou o assunto. Os detentos fugitivos foram recapturados e encaminhados para presídios de regime fechado.


Texto: Bruno Silva

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