Os mistérios de cada garrafa

Os mistérios de cada garrafa

A paixão pelos vinhos convida cada vez mais apreciadores a descobrirem os segredos dessa bebida milenar

Há muito, o ribeirãopretano descobriu os fascínios do vinho. Hoje, não faltam confrarias, espaços onde os apreciadores dessa bebida se reúnem para  estudar e,  depois de apreciar visual e olfativamente, degustar — mergulhar nos mistérios que permitem analisar a intensidade, a qualidade, o equilíbrio e a persistência de cada garrafa.

São muitos mistérios, afinal, trata-se de uma das bebidas mais antigas do mundo: as primeiras vinhas foram encontradas na Geórgia, na região do Cáucaso, e remontam à Idade da Pedra, especificamente no período de 7000 a 5000 a.C. Um trecho do Gilgamesh — uma das obras mais antigas conhecidas, composta por lendas e poemas sumérios reunidos por volta do Século VII a.C. — descreve a fabricação do vinho. O próprio Gênesis da Bíblia faz referência a vinhedos.  


Chaguri: conhecimento literário ou bebido da fonte 

O ginecologista Antônio Luiz Chaguri aprendeu a apreciar o vinho ao longo do tempo. Conhecendo essa paixão, seus amigos o presenteiam com livros sobre a bebida, que são saboreados página a página — uma viagem a esse universo e às suas histórias e as das regiões onde são produzidas, seja por meio das letras ou de visitas à fonte.
Chaguri não participa mais de confrarias, mas os amigos que fazem parte acabam os transmitindo a ele as experiências adquiridas. Seu paladar se agrada de várias uvas, principalmente da tradicional Cabernet Sauvigon e da Carménère, exclusiva no Chile. “Vinho bom é aquele que você gosta de tomar, independente da uva, da região e do preço”, define o ginecologista.

O médico patologista Gilberto Maggioni Filho tem 45 anos e começou a se render à paixão pelos vinhos aos 28, degustando alguns rótulos com seu pai. Realizou cursos de iniciação promovidos por lojas especializadas em bebida de Ribeirão Preto. Esse mesmo fascínio o levou a diversos países, como França, Itália, Estados Unidos, Argentina, Chile e Eslovênia, sempre para visitar vinícolas, conhecer pessoas ligadas a esse mundo e descobrir o modo como o vinho interfere na história das pessoas, das famílias e até de um país. “Outra forma de buscar o conhecimento é a farta literatura acerca do tema. Uma boa opção para quem deseja começar a desbravar o mundo do vinho é o livro ‘Vinho - O Essencial’, de Jose Ivan Santos, que é simples e prático”, sugere o enófilo.


A paixão de Gilberto pela bebida já o levou a vários países

As confrarias também são fontes férteis de conhecimento. Gilberto participa de uma com reuniões quinzenais há mais de 11 anos, onde encontra os amigos Wantuil Olivieri de Freitas, Alessandro Pérsico, Rodrigo Costa, José Fernando de Freitas, Rui Flávio Chúfalo Guião, André Maculan, Sérgio Borges Ferreira, Antonio Barquet Sobrinho, Lucas Gabarra, Sandro Clécio Silva de Souza, Woe Tong Chan e Luiz Antonio Bailão. “São muitos anos degustando e harmonizando excelentes rótulos de vários países do mundo”, conta o médico, que empresta frequentemente de Rui Flávio Guião, a última edição da revista Wine Spectator.

Conforme o apreciador, o vinho é uma alquimia — as variáveis que interferem na qualidade e no paladar da bebida são tantas que o médico vê cada garrafa como única, mesmo que o vinho e a safra sejam os mesmos. Uma qualidade da bebida, talvez a mais importante, para Gilberto é o fato de o vinho ser um agregador. “É quase inadmissível degustar um vinho muito bom sozinho”, enfatiza Gilberto. 

Com o paladar tão aguçado e um conhecimento sobre o assunto, o enófilo acha difícil elencar sua predileção em relação a vinhos do Velho e do Novo Mundo, tão espetaculares e diferentes nas características. “Sugiro um dos melhores rótulos que degustamos no ano passado, o vinho português ‘Carrocel’, safra 2011, produzido por Álvaro de Castro, talvez o principal nome da região do Dão. Também me agradam muito os fantásticos Pinot Noir americanos, por seus aromas e complexidade única e os maravilhosos vinhos da Borgonha, que quando tintos são, em sua grande maioria, Pinot Noir, porém, inesquecíveis por sua sutileza e elegância”, indica o apreciador.

Outro amante da bebida é o advogado Aires Vigo. “Meu verdadeiro encanto pelo vinho surgiu após o meu casamento, quando viajei para Portugal em lua de mel, e por lá permaneci por 30 dias. Tive oportunidade de conhecer algumas vinícolas e de participar da preparação rudimentar de vinho”, conta. O advogado afirma que essa atração decorreu de um conjunto de situações: a relação com a história; a necessidade de harmonia entre o solo, o clima e o homem que, se alcançado plenamente, oferece um resultado magnífico; e a oportunidade conquistar boas e desinteressadas amizades.


Para Aires, o que determina o melhor vinho é o momento, o ambiente e a companhia
 
O aprendizado de Aires sobre esse néctar ocorreu em diversas fases — devido a estudos específicos e ao conhecimento empírico. Hoje, lê muito, sobretudo, sobre a história de cada região produtora do velho mundo. O enólogo já frequentou confrarias em Ribeirão Preto e em São Paulo. Agora, participa de degustações pontuais, que sejam interessantes. “Não tenho preferência por um vinho ou uma uva específica. O que determina o melhor vinho é o momento, o ambiente e a companhia. O vinho inspira as pessoas e gera momentos agradáveis”, conclui Aires. 



Um passeio pela confraria

Lugares sagrados, onde os maiores apreciadores se encontram, as confrarias se distribuem pela cidade e reúnem pessoas que têm paixão especial pelo vinho. Antonio Kuhirara, a cada 30 ou 40 dias, se encontra com 24 amigos entre advogados, serventuários da Justiça, servidores públicos, profissionais liberais e empresários fascinados pelo tema.
A confraria que nasceu de encontros e bate-papos casuais, na Livraria Mizuno & Leitão, surgiu da necessidade de aprofundar as conversas e trocar informações e impressões sobre os milhares de rótulos à venda para descobrir, aos poucos, o que dava mais prazer a cada um dos membros, “O vinho, como uma bebida ligada à visão, ao olfato e ao paladar, é muito subjetivo — cada garrafa tem alma própria, e somente degustando podemos saber o que mais nos agrada”, afirma Antonio.



As reuniões são agendadas pelo whatsapp, no grupo “Noite na Livraria”, onde são postadas opiniões, fotos, impressões e dicas de rótulos que são degustados no dia a dia. Antes de cada encontro, também por whatsapp, é definido um novo tema sobre o qual o grupo se debruçará: um país, um tipo de uva, uma região ou um tipo de harmonização. Os vinhos comprados por cada um são levados com antecedência e climatizados na própria livraria, que também revende vinhos. São preparados acompanhamentos, como tábua de frios e alguns queijos para a harmonização. “É sempre um grande prazer degustar um bom vinho, bater papo e trocar experiências, evitando o radicalismo. Alguns gostam mais de vinhos encorpados; outros preferem vinhos mais leves ou orgânicos, que estão a cada dia mais na moda; há os que amam os vinhos brancos e rosés, mas a paixão de todos é pelo bom vinho. Essa mistura de preferências e paladares é o que nos torna apaixonados pelo vinho e sua enorme variedade de cores, aromas e sabores”, assegura Antonio.

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