Nem tão transparente

Nem tão transparente

Setor público deve manter informações disponíveis em sites e responder a interessados com base na Lei de Acesso à Informação, mas nem sempre os dados são claros

No ano passado, a Prefeitura de Ribeirão Preto contabilizou 10.367 faltas abonadas de servidores municipais. Se esse conjunto de servidores fosse considerado uma pessoa, ela ficaria sem trabalhar por 41 anos, levando-se em conta que o ano tem 252 dias úteis. Neste ano, até o final da primeira quinzena de março, foram 1.321 as faltas abonadas. Se apenas um servidor faltasse de forma abonada, daria mais de cinco anos não trabalhados. O quadro é de um conjunto superior a 8 mil pessoas, o que, no caso de 2015, daria pouco mais de uma falta por funcionário.

Há que se explicar que não há nenhuma ilegalidade nas faltas. O estatuto do servidor, Lei 3.181/76, prevê, em seu artigo 268, que cada funcionário público tem direito a 11 faltas abonadas por ano, desde que não se ausente mais do que uma vez por mês. O abono em questão é feito pelo superior imediato.

O texto acima não introduz informações sobre o funcionalismo e seus direitos. Serve apenas como um dos exemplos do poder da transparência no serviço público. As informações sobre as faltas de servidores, por licença médica ou de forma abonada, estão no Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto – www.ribeiraopreto.sp.gov.br. Além da falta e de seu motivo estão disponíveis os nomes de quem faltou e qual o motivo alegado, em caso de não abono. Esta é, no entanto, apenas uma das informações disponibilizadas no portal e que podem ser vistas e analisadas por qualquer cidadão.

No Portal da Transparência estão os números da Administração Municipal: as receitas e despesas, as origens dos recursos e a destinação das verbas. Há também balanços e explicações sobre a aplicação de recursos nas áreas de Educação e Saúde, que têm percentuais  mínimos de aplicação — 25% e 15% da Receita Corrente Líquida (RCL), respectivamente. Há também informações sobre empenhos, liquidações de obras e serviços, pagamentos, adiantamentos de viagens, passagens e hospedagens, pagamentos a fornecedores e repasses ao Terceiro Setor.

Muitas das informações não são de fácil entendimento, mas a maioria dos números produzidos pela Administração Municipal está no Portal da Transparência. Por força da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), a Prefeitura também realiza audiências públicas quadrimestrais para apresentar as metas fiscais da execução orçamentária e da prestação de contas dos recursos aplicados na Saúde, com as devidas receitas e despesas. Tais audiências, no entanto, têm pouco público. Nem mesmo os vereadores costumam acompanhar. A maioria envia assessores.

Cobranças

Além de sites de transparência, que divulgam números do setor público, o contribuinte também pode recorrer à Lei de Acesso à Informação (LAI), em vigor desde 2011, que permite a qualquer cidadão solicitar informações públicas aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Esses poderes devem manter endereços na internet que permitam realizar o pedido, que também pode ser feito por telefone ou pessoalmente. “As informações devem ser concedidas de forma clara e de fácil entendimento, inclusive, para as pessoas leigas. Não pode ser direcionada apenas aos técnicos de determinada área, como contadores, em caso de números”, afirma Marcio Minoru Garcia Takeuchi, presidente do Observatório Social de Ribeirão Preto (OSRP).

O OSRP é uma entidade que busca, sistematicamente, informações por meio da LAI. Mantida por voluntários, também analisa e processa dados recebidos dos órgãos públicos. Ainda enfrenta dificuldades, não apenas para conseguir informações em função da escassez de recursos humanos — hoje, 12 voluntários participam das ações —, e da dificuldade de obter os dados necessários de forma adequada. Minoru diz que apesar de a lei estar em vigor, o setor público precisa se organizar muito mais para informar a população. “Para atingir o objetivo final, os órgãos públicos terão que evoluir muito ainda porque a principal dificuldade de cumprimento da LAI está na insuficiência de controle interno dos órgãos para facilitar a disponibilização de informações”, comenta o presidente do Observatório.

Além da ineficiência dos órgãos públicos, há uma cultural falta de interesse dos cidadãos. “A busca por informações não é um trabalho fácil, ao contrário, é muito desgastante. Além disso, ainda precisamos trabalhar a educação fiscal e de cidadania das pessoas, que não têm a cultura de questionar, de buscar seus direitos. Essa é uma característica difícil de mudar”, aponta o presidente da OSRP, que está passando, agora, por um processo de profissionalização, com a possibilidade de contratar técnicos que reúnam, interpretem e processem as informações públicas para sua disponibilização à sociedade.

O presidente conta que a falta de interesse em informar está em vários órgãos públicos e lembra que pediu uma informação, pela internet,  a um órgão público do Rio Grande do Sul, recebendo-a de forma clara e dentro do prazo previsto. Quando solicitou o mesmo dado a um organismo do Rio de Janeiro, veio a informação de que o pedido deveria ser feito pessoalmente. “Não pedimos informações para julgar. Buscamos esclarecimentos ao que nos parece estranho. O que nos interessa é a melhor gestão dos recursos públicos, que deve ser também o de administrações. Nossa intenção é o esclarecimento e, se for o caso, o fornecimento de informações a órgãos de fiscalização e controle para possíveis julgamentos”, salienta Marcio Minoru. 

Um dos fundadores da OSRP, o professor Alberto Matias, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP de Ribeirão Preto, afirma que é muito interessante que as pessoas conheçam os canais de fornecimento de informações, como os portais de transparência e a possibilidade de pedidos de dados a órgãos públicos. “Assim como é importante saber da obrigatoriedade da prestação quadrimestral de contas por parte da administração pública, por meio de audiências e a participação nestas reuniões, para conhecer o destino dos recursos públicos”, comenta o professor.

Câmara e Diário Oficial 

A Câmara Municipal de Ribeirão Preto também mantém informações em seu portal oficial (www.camararibeiraopreto.sp.gov.br), desde despesas até licitações e subsídios dos vereadores, assim como salários de assessores e servidores da Casa, muito embora as informações ainda dependam de clareza. Márcio Minoru comparou as informações prestadas pelo Legislativo de Ribeirão Preto e de Maringá (PR), encontrando diferenças gritantes. “O site de Maringá apresenta as informações de forma muito mais clara. O endereço da Câmara de Ribeirão Preto deixa muito a desejar. Até quem tem certo conhecimento tem dificuldade para analisar”, registra Minoru.

Além dos portais de transparência, os interessados podem pesquisar no Diário Oficial. Nem sempre é fácil entender, mas estão na publicação, na maioria dos casos disponibilizada pela internet, informações sobre licitações, contratos, aditamentos, pagamentos, balancetes, balanços, nomeações e exonerações de servidores, valores de rendimentos de acordo com o cargo etc. Em Ribeirão Preto, há uma prática pouco transparente de só disponibilizar a edição do dia por volta de 18h. As demais publicações — do Estado de São Paulo e da União — são disponibilizadas já na madrugada. 

Informações ocultadas

A Prefeitura de Ribeirão Preto não presta informações com facilidade à imprensa. A maioria dos agentes políticos, certamente orientados, evita conceder entrevistas a jornalistas. Os pedidos de informação são enviados à Coordenadoria de Comunicação Social (CCS), que costuma responder, já no final do expediente, por meio de notas nem sempre explicativas e, em muitos casos, de forma evasiva e sem responder às perguntas feitas. Um exemplo foi o questionamento feito à Administração Municipal na produção desta reportagem.

Seis perguntas questionando o número de pedidos de informação baseados na LAI foram enviadas: número de pedidos respondidos, perguntas mais comuns, número de acessos ao Portal da Transparência e a informação mais procurada. A CCS se limitou, em dois tópicos, a explicar o que é a Lei da Transparência e o que diz a Lei de Acesso à Informação, sem responder a uma pergunta sequer.

Onde encontrar

As informações oficiais de Ribeirão Preto podem ser consultadas no portal oficial da Prefeitura, que tem links para o Portal Transparência, para as secretarias e administração indireta; da Câmara Municipal (www.camararibeiraopreto.sp.gov.br), que disponibiliza projetos em tramitação, arquivos em vídeo, pautas de sessões, mapas de votação das sessões, leis municipais etc. No Observatório Social (www.observatoriosocialrp.org.br) é possível encontrar vários outros links de acesso a informações.

Texto: Guto Silveira

Compartilhar: