Novela concluída

Novela concluída

Por 18 votos a zero e com quase seis meses de atraso, de acordo com determinação da Lei Orgânica, vereadores de Ribeirão Preto rejeitaram duas contas anuais da prefeita Dárcy Vera

A Câmara — por problemas variados — demorou a fechar a data de votação. Uma vez definido o dia, o processo foi rápido. Em cerca de 15 minutos e com apenas três discursos em defesa da rejeição, os vereadores “em fila” votaram Dárcy não fez defesa presencialmente na Câmarapela desaprovação das contas anuais da prefeita Dárcy Vera (PSD) dos anos de 2012 e 2013, na sessão de terça-feira, 8 de novembro. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) já tinha dado parecer desfavorável às duas contas, por diversos motivos. A prefeita, que havia mandado uma contra-argumentação por escrito à Câmara, não fez defesa presencial e nem enviou representante com esse objetivo. 

Em nota antes da votação, disse esperar que todos os vereadores lessem sua defesa, protocolada na Câmara no dia 20 de setembro deste ano, às 17h42. No documento, mais de 100 páginas de contestações dos itens apontados pelo TCE para aconselhar a rejeição das contas. Caso tenham lido, os vereadores não levaram muito em consideração. Com menos de 100 manifestantes nas galerias, até os dois vereadores do partido da prefeita — Coraucci Netto e Waldyr Villela — votaram pela rejeição.

É a primeira vez em 40 anos que um chefe de Executivo de Ribeirão Preto tem duas contas rejeitadas ao mesmo tempo. Outra rejeição aconteceu com as contas do ex-prefeito Gilberto Maggioni (2002-2004), mas a sessão acabou anulada. As contas foram votadas novamente e aprovadas. As demais votações, incluindo uma do ex-prefeito e deputado estadual Welson Gasparini (PSDB) e uma outra da prefeita Dárcy Vera receberam parecer negativo do Tribunal, mas foram aprovadas. A votação da terça-feira aconteceu quase cinco meses depois do prazo previsto na Lei Orgânica do Município, em seu artigo 54, que aponta 180 dias para a votação após a chegada das contas na Câmara Municipal. Como uma sessão extraordinária chegou a ser convocada (depois “desconvocada”) para o dia 17 de dezembro do ano passado, os pareceres estavam na Casa desde então. O projeto de decreto legislativo da Comissão de Finanças, Orçamento, Fiscalização, Controle e Tributária, tem data de 15 de dezembro de 2016.

Depois da espera, manobras, prazos de defesa após os 180 dias, suspensão de nove vereadores, falta de quórum qualificado e travamento da pauta pela não votação das contas, a sessão de terça foi rápida e apenas três vereadores foram à tribuna defender a rejeição do projeto de decreto legislativo e, logo, das contas, restabelecendo os pareceres do TCE. A sessão foi acompanhada por manifestantes que pediram, também, a cassação e a prisão da prefeita Dárcy Vera e dos nove vereadores afastados de suas funções públicas, denominados de “Sevandijas”, em referência ao nome da operação da Polícia Federal em que são investigados. Eles se limitaram a mostrar faixas e a gritar palavras de ordem. Ao final, soltaram fogos de artifício nas proximidades da Câmara.

Discursos

Marcos papa disse que houve dolo nas falhas da prefeitaAntes da votação, o vereador Luciano Mega (PDT), que substitui Capela Novas (PPS), disse que o país todo atravessou uma séria crise em 2008, mas que, mesmo assim, a prefeita, que assumiu em 2009, com dívidas,  não ajustou as contas como deveria, gastando mais do que arrecadou, o que levou a cidade à crise. Marcos Papa (Rede), que tinha assinado, em dezembro do ano passado, um voto em separado contra o parecer da Comissão de Finanças, juntamente com Gláucia Berenice (PSDB), disse que a manifestação do então presidente da Comissão, Genivaldo Gomes (PSD), com o projeto pela aprovação das contas, também assinada pelos vereadores Capela Novas e Saulo Rodrigues (PRB), ocorreu em um “momento infeliz” da Casa. Também disse que Dárcy Vera agiu com dolo. “A prefeita desconsiderou a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), uma falta gravíssima, e ainda, em plena madrugada, fez um saque de R$ 39 milhões do Instituto de Previdência dos Municipiários (IPM), que ela não poderia fazer. Condenada, teve que restituir o valor, com multa de R$ 20 milhões", pontuou o vereador.

A presidente em exercício da Câmara, Gláucia Berenice, disse que a sessão marcou o retorno do Legislativo à normalidade, por estar pronto a apreciar as contas do poder Executivo, depois de bloquear a pauta de votações desde o dia 4 de outubro deste ano. “Temos em mãos um relatório contundente do TCE sobre como foi a execução orçamentária nesses anos, bem como a administração financeira e econômica. São, ao todo, 44 apontamentos, 18 no primeiro exercício e 26 no segundo, com repetição de 12 irregularidades entre um e outro”, disse a tucana, ao defender a rejeição das contas. Ao final, declarou as contas rejeitadas e relatou os motivos, constantes nos relatórios prévios e que levaram à rejeição das contas de 2012 e 2013. 

Possível inelegibilidade 

Para a presidente interina, Gláucia Berenice, o Legislativo volta à normalidadeCom a rejeição das contas, a prefeita Dárcy Vera pode ficar inelegível por oito anos, mas quem tem poder para decretar a inelegibilidade é a Justiça Eleitoral, com base nos elementos, apenas se considerar que houve dolo nas falhas apontadas e, também, que elas são insanáveis. Segundo o advogado Gustavo Bugalho, a Justiça Eleitoral pode permitir a candidatura se considerar a inexistência de dolo. “Se esta configuração constar no processo de rejeição, o detentor de contas rejeitadas tem mais dificuldade para conseguir registro na Justiça Eleitoral”, explicou. Para Marcos Papa, o dolo foi configurado e ele até pediu que a situação constasse em ata. A rejeição das contas também levará a prefeita a responder ação civil pública de improbidade administrativa, a ser proposta pelo Ministério Público Estadual. 

Cronograma da tramitação 

• Outubro de 2014:
TCE rejeita as contas de 2012 da prefeita.

• Novembro de 2015: 
TCE rejeita as contas de 2013, assim como recursos sobre o parecer desfavorável às contas de 2012.

• 17 de dezembro de 2015: Câmara Municipal convoca sessão extraordinária para o dia seguinte para votação das contas de 2012 e 2013.

• 18 de novembro de 2015: Câmara “desconvoca” sessão extraordinária, alegando problema técnico, mas faltavam votos para aprovar as contas.

Vereadores atrasaram a votação por manobras de governistas e falta de quórum• 13 de abril de 2016: Câmara inclui na pauta o projeto de resolução de contas.

• 14 de abril de 2016: Câmara retira da pauta o projeto de resolução das contas, sob alegação de inclusão indevida na pauta.

• 11 de fevereiro de 2016: Diário Oficial do Município publica emenda à Lei Orgânica do Município (LOM) para mudar o prazo de votação das contas para até o final do ano seguinte ao seu recebimento. A emenda é assinada pelos vereadores Cícero Gomes da Silva (PMDB), Maurílio Romano (PP) e Samuel Zanferdini (PSD). A emenda nunca foi votada.

• 29 de julho:
por iniciativa da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, presidida por Cícero Gomes da Silva (PMDB), um ofício é enviado à prefeita Dárcy Vera para que ela apresente defesa escrita em um mês.

• 1º de setembro: 
nove vereadores da base aliada são suspensos de suas funções e do mandato, extinguindo o quórum qualificado de dois terços, ou 15 vereadores.

• 20 de setembro:
Defesa da prefeita chega à Casa de Leis.

• 27 de outubro e 
1º de novembro: suplentes tomam posse para recompor o quórum.

• 8 de novembro: 
contas são votadas e rejeitadas por 18 a zero.

Principais apontamentos do TCE – Contas 2012

Restrições do último ano de mandato
• Iliquidez de R$ 73.694.024,66 em 31.12, em desatendimento ao art. 42 da LRF
• Ocultação de passivos, objetivando apresentar um menor déficit financeiro e orçamentário por meio de manobras administrativas e contábeis.

Regime de Pagamento de Precatórios
• Pagamento insuficiente de precatórios, totalizando o montante faltante R$ 10.054.489,18, em desatendimento à Constituição Federal.

Resultados orçamentários
• Déficit orçamentário de 1,01% das receitas correntes, ou seja, de R$ 12.695.586,89, sem amparo no resultado financeiro do exercício anterior, que foi negativo em R$ 113.864.545,62.
• Despesas de competência do exercício de 2012 empenhadas em 2013, distorcendo o resultado orçamentário
Principais apontamentos do TCE – Contas 2013.

Irresponsabilidade na gestão fiscal
• Comprometimento dos demonstrativos contábeis, com destaque para o descompasso orçamentário de R$ 63.481.343,57, ou 4,33% da receita arrecadada, mesmo com a entrada de R$ 37 milhões sacados irregularmente do IPM.

Resultados deficitários do orçamento
• Apontamento de que nos últimos quatro exercícios o resultado orçamentário se revelou deficitário e já demonstrava a necessidade de geração de superávits para equilíbrio das contas.

Comprometimento financeiro, econômico e patrimonial
• Destaque para o aumento de 63,76% da situação financeira negativa, de R$ 99.560.013,11, em 2012, para R$ 163.041.356,68, deixando o município sem liquidez para fazer frente aos seus compromissos de curto prazo.

Texto: Guto silveira

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