Mudança de mentalidade

Mudança de mentalidade

Segundo Sonia Valle Walter Borges de Oliveira, especialista em Saneamento e Sustentabilidade, para tornar Ribeirão Preto sustentável, é preciso formar mais cidadãos

Basta caminhar pela cidade para se deparar com cenas que não deveriam fazer parte do cenário urbano. Não raro, calçadas são congestionadas por sofás, colchões, móveis, objetos que sempre fizeram parte do domínio privado e passam a pertencer ao domínio público, como em um passe de mágica.

Nas épocas de chuva, o que não faltam são críticas ao governo municipal devido às ruas alagadas, o que acontece quando o próprio sistema se satura devido à estrutura antiga do município, diante de chuvas em proporções elevadas, um problema que é agravado pelo lixo que entope os bueiros. Garrafas pet, armações de guarda-chuvas, galhos que podem ser observados, muitas vezes, nos períodos de seca, acabam se tornando protagonistas nos transtornos decorrentes dos alagamentos.

Mesmo em lugares onde a coleta seletiva funciona, é possível perceber que a proporção do que se oferece para a destinação correta do lixo reciclável está muito aquém do que, de fato, é produzido nos lares do entorno. Zika, Dengue, Chicungunha.: o que seriam dessas doenças senão fosse a presença nefasta do lixo, fruto da irresponsabilidade humana? Postos ficam lotados, vidas correm risco, crianças perdem a possibilidade de terem uma vida plena e normal porque já nascem condenadas pela simples presença do lixo. A sociedade, então, cobra vacinas e pesquisas, questiona o atendimento da saúde e se esquece que a epidemia não aconteceria se cada um, com respeito ao próximo, cuidasse do próprio lixo.

Ao que tudo indica, na região, os sistemas de gestão de resíduos não são muito diferentes do que acontece em Ribeirão Preto, mas, em nível nacional, várias iniciativas se destacam, conforme Sonia Valle Walter Borges de Oliveira, professora do Departamento de Administração da FEA-RP-USP, especialista em Saneamento e Sustentabilidade. Entre essas propostas, Sônia destaca o projeto “Cata-bagulho”, da Prefeitura de São Paulo, que recolhe móveis velhos, eletrodomésticos quebrados, pedaços de madeira e metal, dando um destino adequado a esses descartes.

Em Santa Catarina, a “Revolução dos Baldinhos” coleta resíduos orgânicos domiciliares destinados à compostagem. “Em Rio Branco, o projeto ‘Sai do Lixo’, viabiliza a segregação, a coleta e a destinação adequada dos resíduos, com reciclagem e aproveitamento de resíduos orgânicos, para geração de emprego, inclusão social e educação ambiental. Tais iniciativas refletem a busca da sustentabilidade na gestão de resíduos e do próprio município”, comenta a especialista.

No mundo, apesar de ainda haver muitos problemas em relação aos resíduos, os países da Europa têm mostrado modelos bem evoluídos de gestão. “O grande começo é a consciência coletiva, que leva à responsabilidade social, desmembrada na conservação ambiental e na geração de valor. Em termos gerais, esse aspecto coletivo visa à definição de regras de comportamento que fazem com que o cidadão não ultrapasse seus limites e invada a qualidade de vida de outro cidadão”, esclarece a especialista.

Nesses países, o lixo não é jogado nas ruas para não afetar outras pessoas ou criar postos de trabalho extras, já que alguém terá que removê-lo, apesar de não tê-lo gerado — um respeito coletivo que ainda não faz parte da bagagem cultural de muitos países. Mesmo nos países onde se estimula a consciência coletiva e há respeito mútuo, em que são gerados modelos que se tornam hábitos de convivência e cidadania, os aspectos econômicos, como taxação e multas, ainda são importantes para inibir atos negativos dos cidadãos, aliados à educação ambiental. “Em países europeus, a panfletagem com anúncios não é utilizada, pois pode se voltar contra seus responsáveis na forma de ações judiciais, pedindo ressarcimento das taxas de lixo por acarretar o aumento do volume de resíduos de cada morador. São lugares onde há cultura para o coletivo, modelos estabelecidos de comportamento, regras e fiscalização eficientes, e sistemas otimizados de coleta e tratamento dos resíduos”, comenta Sônia.

Conforme a especialista, o tratamento dado aos resíduos em Ribeirão Preto é adequado em termos de gerenciamento, mas precisa melhorar em relação à gestão, um problema comum em inúmeras cidades que centralizam a gestão dos resíduos nas mãos de poucos, criando um sistema cujo foco está basicamente nos resíduos gerados e não na sua geração ou gestão. “Dado o alto custo logístico de coleta, transporte e tratamento dos resíduos, o grande esforço do município deve ser feito na direção de reduzir a geração e a minimização do que será encaminhado para tratamento. Se houvesse uma cultura de redução e se cada cidadão fizesse a segregação dos resíduos no próprio domicílio, bem como a descentralização da logística, levando seus descartes recicláveis para ecopontos e os orgânicos para pontos de compostagem, sobraria para a coleta pública encaminhar ao tratamento uma parcela muito reduzida”, avalia Sônia, destacando que não custaria muito para cada cidadão fazer a sua parte e poderia haver uma redução das taxas que incidem sobre os domicílios.

Como motivação, a professora sugere que seja oferecido ao cidadão um bônus na troca de materiais recicláveis ou um pouco de adubo orgânico na entrega de resíduos orgânicos. A taxação de resíduos, apesar de ser uma medida coercitiva, é muito utilizada na Europa e pode surtir resultados: a cobrança pode ser feita pelo valor pago pela embalagem onde eles serão recolhidos pela coleta pública, ou seja, quanto menos resíduos o cidadão tiver para ser coleta, menor será a embalagem e seu custo. A medida faz com que os europeus reduzam ao máximo o que geram, segregando, reutilizando e reciclando o maior volume possível para minimizar os gastos com a destinação, pagos na aquisição dos sacos de lixo.

Em Ribeirão Preto, alguns projetos estão sendo encaminhados pela Coordenadoria de Limpeza Urbana para tentar desenvolver uma cultura em relação à importância da destinação correta do lixo.  Um que já foi encaminhado à Prefeitura para levantamento de recursos é o Ecoponto Popular, que pretende criar, até o final de 2016, dois espaços de 1000 m² para entrega de pequenos descartes, grandes objetos e recicláveis.

O Caçamba Social, que foi lançado no início de abril, no Jardim Branca Salles, com a instalação de caçambas, com cores diferenciadas, para o descarte de matérias recicláveis, madeiras e resíduos da construção civil. O projeto deve ser estendido a outros bairros carentes, que têm dificuldades de contratar serviços particulares.

O projeto Ecopraças também prevê a distribuição de caçambas coloridas para a mesma finalidade em praças, especialmente as localizadas perto de escolas, para que se trabalhe com os alunos a educação ambiental; já a Usina de Tratamento de Resíduos Verdes já está em atividade, em caráter experimental, mas requer uma área mais apropriada. Outra proposta que está em pauta é a Usina de Reciclagem da Construção Civil.

O investimento no social, conforme Sônia, é um bom ponto de partida, mas a gestão de resíduos deve atender, simultaneamente, aos aspectos ambientais, sociais e econômicos, e ainda ser culturalmente aceita e espacialmente equilibrada.

O equilíbrio espacial estaria na descentralização e na pulverização do gerenciamento na própria cidade, principalmente em relação à disposição de ecopontos para coleta de resíduos recicláveis e de resíduos orgânicos, para centralizar a logística de encaminhamento para locais de compostagem. “Assim, estaria sendo explorado o aspecto ambiental, da redução de lançamentos de resíduos e prolongamento do ciclo de vida dos materiais. Em termos sociais, todas essas iniciativas deveriam estar nas mãos de associações e cooperativas, transformando antigos catadores em empreendedores, que poderiam gerar renda a partir do processamento e da destinação adequada dos resíduos recebidos, o que colabora com o papel econômico do modelo, pois gera benefícios financeiros para os envolvidos e agrega valor a materiais anteriormente desprezados”, enfatiza a professora.
Por fim, a diminuição dos resíduos leva à redução do custo com a logística de coleta, transporte e tratamento dos resíduos: dando ação às iniciativas privadas, o município pode reduzir os recursos destinados à gestão e gerenciamento dos resíduos, tornando o ambiente mais sustentável. “Para funcionar, tudo isso precisa ser culturalmente aceito”, ressalta a professora.

Conforme a especialista, Ribeirão Preto precisa promover, no âmbito da gestão, maior disseminação do conhecimento para a população, a partir de estratégias de educação ambiental, principalmente na prática, criando novos valores e cultura para a sustentabilidade. Também deve buscar políticas de incentivo à população e à iniciativa privada para a descentralização da gestão dos resíduos, trazendo maior envolvimento dos cidadãos no processo.

Em termos de gerenciamento, deve dar suporte para que os resíduos possam realmente ser destinados de maneira correta, após a segregação dos recicláveis e orgânicos, com redução do volume de rejeitos. “Estes, preferencialmente, devem gerar energia renovável, seja a partir de decomposição biológica anaeróbia em aterros sanitários, seja em processos de pirólise e gaseificação com total qualidade ambiental”, conclui Sônia. 

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