Cervantes, Machado de Assis e o Boca do Inferno usaram ‘sevandija’

Cervantes, Machado de Assis e o Boca do Inferno usaram ‘sevandija’

Grandes ícones da literatura em língua portuguesa e espanhola usavam o termo que chacoalhou Ribeirão Preto, para debochar

Em meio ao choque que a vida política passou em Ribeirão Preto na última semana, com a deflagração de uma operação da Polícia Federal, em conjunto com o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), em que são investigados desde a prefeita Dárcy Vera (PSD), secretários e vereadores, uma questão ganhou destaque: o que é sevandija?

Sevandija foi o nome dado pela Polícia Federal à operação, mais uma no hall de nomes poucos usuais para operações da corporação em investigações que tomam as páginas de revistas, jornais e virtuais.

De acordo com o dicionário Michaelis, o significado de “Sevandija” é “nome comum a todos os insetos parasitos e vermes imundos”, que “pessoa que vive à custa alheia; parasita”, e tem como sinônimos “verme”, “parasita”, “vil”, “abjeto”, “desprezível”, “ignóbil”.

O termo pode parecer estranho, porém, já foi utilizado por alguns dos maiores nomes da literatura em língua portuguesa, e também espanhola, por nomes como Machado de Assis, Gregório de Matos e Miguel de Cervantes.

Em “Dom Quixote de la Mancha”, obra do maior nome da literatura castelhana, Miguel de Cervantes, de 1605, o termo é utilizado por Sancho Pança, uma das principais personagens do livro, em tom de xingamento:

“ Ah! Ladrão Ginezilho, larga a minha joia, restitui-me a minha vida, não te deites a perder com o meu alívio, larga o meu burro, larga o meu consolo, põe-te a pé, sevandija, retira-te, ladrão, e deixa o que te não pertence!”.

Já na literatura em língua portuguesa, a palavra foi utilizada por um daqueles considerados um dos mestres do linguajar sujo, pelo poeta Gregório de Matos, o Boca do Inferno, que no século XVII escreveu o poema “Ao mesmo capitão Sevandija do Parnaso”. Confira:

Meu Senhor Sete Carreiras

você não é bom Poeta,

quando o juízo inquieta

em fazer tantas asneiras:

oxalá que em caganeiras

lhe dera a sua poesia,

porque então a não faria,

ou a fazê-la de noite

eu lhe dera tanto açoite,

que lhe apurara a Talia.

Já o maior nome da literatura nacional, Machado de Assis, outro mestre no deboche, utiliza o nome, também em tom de depreciação, em um trecho de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, uma de suas obras-primas.

“Chamava-se Ludgero o mestre; quero escrever-lhe o nome todo nesta página: Ludgero Barata, — um nome funesto, que servia aos meninos de eterno mote a chufas. Um de nós, o Quincas Borba, esse então era cruel com o pobre homem. Duas, três vezes por semana, havia de lhe deixar na algibeira das calças, — umas largas calças de enfiar —, ou na gaveta da mesa, ou ao pé do tinteiro, uma barata morta. Se ele a encontrava ainda nas horas da aula, dava um pulo, circulava os olhos chamejantes, dizia-nos os últimos nomes: éramos sevandijas, capadócios, malcriados, moleques. — Uns tremiam, outros rosnavam; o Quincas Borba, porém, deixava-se estar quieto, com os olhos espetados no ar.”


Foto: Diogo Moreira/ A2 FOTOGRAFIA

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