Pesquisadores de Ribeirão Preto criam células capazes de combater o câncer
Vamberto Castro recebeu tratamento de médicos da USP que fez desaparecer células de linfoma

Pesquisadores de Ribeirão Preto criam células capazes de combater o câncer

Tratamento desenvolvido pelo Hemocentro do Hospital das Clínicas e USP removeu linfomia terminal de paciente

Um tratamento desenvolvido por pesquisadores e médicos do Centro de Terapia Celular (CTC-FAPESP-USP) do Hemocentro, ligado ao Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, curou o câncer de um paciente de 62 anos, com linfoma em estado grave.

Sem resposta a tratamentos convencionais para a doença, a vítima foi o primeiro brasileiro a ser tratado com uma terapia celular inédita na América Latina. Em menos de 20 dias após o início dos procedimentos, o paciente apresentou remissão total do câncer, com exames que mostram o desaparecimento das células canceríginas.


Câncer no paciente

O linfoma é um tipo de câncer que afeta o sistema imunológico. O paciente, funcionário público aposentado Vamberto Castro, 62 anos, residente em Belo Horizonte (MG), sofria de uma forma avançada de linfoma de células B, e não havia respondido a nenhum dos tratamentos de quimioterapia e radioterapia indicados para o caso. Com isso, o prognóstico era de menos de um ano de vida. Frente à falta de resposta a qualquer das terapias convencionais disponíveis, o tratamento com as chamadas células CAR-T, ainda em fase de pesquisa, foi autorizado como último recurso, ou “uso compassivo“.

“O paciente tinha um câncer em um estágio terminal, já tinha sido submetido a quatro tipos diferentes de tratamento, sem resposta. Estava no que nós chamamos tratamento compassivo, que é tratamento sintomático, esperando o desencadear normal, que é o óbito. Estava na fila dos sem possibilidade de tratamento”, lembra o médico Dimas Tadeu Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP.

O paciente foi então incluído no protocolo de pesquisa e recebeu o novo tratamento no início de setembro e permaneceu em observação no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto por duas semanas. Vinte dias depois, seus exames já não apresentavam sinais da doença. A alta é esperada para esse sábado, 12, e o acompanhamento seguirá por pelo menos cinco anos.

“Este tratamento revolucionário está disponível em poucos países do mundo e é o fruto de mais de uma década de pesquisas“, diz Dimas Tadeu Covas, coordenador do CTC-Fapesp e do Instituto Nacional de Células Tronco e Terapia Celular. Para ele, “o Hemocentro é o Instituto de Pesquisa mais avançado no país no desenvolvimento das chamadas Terapias Avançadas que, além da terapia celular, inclui também as terapias gênicas“, completa.

O secretário de Estado da Saúde, José Henrique Germann, avalia que a iniciativa será um grande passo para o SUS do Estado de São Paulo. “Esperamos que este marco na história da saúde pública siga exitoso e possa beneficiar muitos pacientes que lutam contra o câncer”, afirma o Secretário. Antes de o tratamento ser disponibilizado para o Sistema Único de Saúde (SUS), deverá cumprir os requisitos regulatórios da Anvisa. O estudo clínico compassivo contínua e deverá incluir mais 10 pacientes nos próximos 6 meses.

O tratamento poderá ser produzido em larga escala na medida em que ocorram adaptações nos laboratórios de produção, o que exigirá investimentos. “Felizmente, os investimentos necessários para ampliação da capacidade produtiva são de pequena monta, da ordem de R$ 10 milhões”, afirma Covas.

O tratamento

A terapia celular utilizada em Ribeirão Preto é chamada de terapia por células CAR-T.  No tratamento, as células T (um tipo de célula do sistema imunológico) são alteradas em laboratório para que reconheçam e ataquem as células cancerígenas ou tumorais. A sigla em inglês CAR (chimeric antigen receptor) significa “receptor quimérico de antígeno”. As células T são coletadas do sangue do próprio paciente e geneticamente modificadas, com a inclusão de uma proteína específica – o receptor “quimérico”.

A introdução desse receptor é que as tornam agora capazes de combater as células cancerígenas. Essas células T modificadas são então cultivadas, multiplicadas em laboratório e injetadas de volta no paciente por meio de uma infusão. Na corrente sanguínea, conseguem então reconhecer e aniquilar as células do tumor – o que é o trabalho do sistema imune.

“As células T modificadas passam a se multiplicar aos milhões no organismo do paciente, fazendo com que o sistema imune passe a identificar as células tumorais do linfoma como inimigos a serem atacados e destruídos”, explica o hematologista do CTC, Renato Cunha, que coordena o Laboratório de Transplante Experimental e Imunologia da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto.

O pesquisador e responsável pelo Laboratório de Transferência Gênica do Hemocentro Lucas Botelho explica que “os resultados da terapia celular para o tratamento das formas mais agressivas de câncer são tão espetaculares, que o seu desenvolvimento rendeu o prêmio Nobel de Medicina de 2018”.

A terapia por células CAR T é uma imunoterapia – mobiliza as células do próprio sistema imunológico para que realizem a proteção contra o câncer e representa o tratamento mais promissor para a cura do câncer, não apenas do sangue, mas também dos demais órgãos.

Conhecimento

No mundo existem mais de 20 estudos clínicos para diferentes alvos com células CAR-T. O tratamento desenvolvido em Ribeirão, além de ter salvado a vida do paciente, indica que o Brasil pode competir com outros países nesta área da fronteira do conhecimento.  Hoje, está disponível em poucos países do mundo, incluindo os Estados Unidos, o Reino Unido, a China e o Japão, e usada no tratamento das formas mais letais de câncer, como é o caso das leucemias e linfomas.

Na tarde desta sexta-feira, 11, um coletiva de imprensa será realiza com maiores explicações sobre todo processo.         

 


Foto: Divulgação USP

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