Decisão da Justiça do Trabalho em MG reacende debate sobre Uber
Decisão da Justiça do Trabalho em MG reacende debate sobre Uber

Decisão da Justiça do Trabalho em MG reacende debate sobre Uber

Especialista sugere a modernização da lei trabalhista através de uma reforma legislativa mais consistente; já motoristas dizem preferir autonomia a carteira assinada

Nesta semana, mais um episódio reacendeu a polêmica envolvendo a empresa alternativa de transportes Uber. Na segunda-feira, 13, em decisão emitida pela 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte (MG), o juiz Márcio Toledo Gonçalves reconheceu vínculo empregatício entre a Uber do Brasil e um de seus motoristas. Desse modo, a empresa foi condenada a assinar a carteira de trabalho de seus associados e pode ter que pagar horas extras, adicional noturno, multa prevista na CLT, indenização por demissão sem justa causa, além da restituição dos gastos com combustível, balas e água.

O juiz responsável pela sentença afirmou que, embora a Uber se apresente ao mercado como uma plataforma de tecnologia, ela se enquadra na categoria empresa de transportes. Segundo ele, o fenômeno da “uberização” constitui-se em uma nova forma de organização do trabalho devido ao avanço de novas tecnologias que têm o potencial de intervir e deformar a tradicional relação capital-trabalho.

Por outro lado, a empresa contesta qualquer requisito de criação de vínculo, pois, segundo ela, os condutores não são empregados, mas sim usuários. Assim sendo, os motoristas independentes utilizam a plataforma digital para captar e angariar clientes.

A ação foi movida pelo motorista Rodrigo Leonardo Silva, que pedia o reconhecimento do vínculo de fevereiro de 2015 a dezembro daquele ano, período no qual recebia entre R$ 4 mil e R$ 7 mil mensais. Ele se queixa que, pelo fato de não tê-lo reconhecido como empregado, a empresa não pagava os encargos sociais e trabalhistas descritos na CLT.

Impasse jurídico

Embora tenha sido proferida decisão favorável para o caso em questão, o tema ainda é polêmico perante o judiciário. Isso porque a 37ª Vara do Trabalho da mesma cidade, no dia 31 de janeiro de 2017, proferiu decisão que vai em confronto com o reconhecimento da relação de emprego da sentença atual. Na ocasião, o principal ponto alegado pelo juiz é que não havia relação de subordinação entre o motorista e a companhia, ou seja, os condutores não precisam estar subordinados a acatar as ordens da empresa.

A defesa do aplicativo utiliza, portanto, essa decisão como embasamento, argumentando que existe precedente judicial que confirma que não há relação de subordinação da Uber sobre seus parceiros.

No entanto, o advogado trabalhista e professor de Direito e Processo do Trabalho da Unaerp Marcelo Braghini atesta que os precedentes judiciais citados pela empresa não devem ser considerados como tais, já que são apenas decisões de primeira instância judicial. Para tanto, ainda precisam ser aceitos, em especial, pelo novo regime jurídico de precedentes do Novo Código de Processo Civil, sendo que até lá haverá um longo caminho a ser percorrido.

“Tudo dependerá de como o STF vem encaminhando as matérias trabalhistas, especialmente como fez em relação à flexibilização dos direitos trabalhistas, e aquilo que está em análise quanto à liberdade do empreendedor na organização de sua atividade empresarial, o que poderá ser um indicativo do modo como será encaminhada a questão relativa ao aplicativo”, acrescenta.

De acordo com o advogado, a polêmica deve persistir por um bom tempo, já que os conceitos do artigo 3º da CLT, principalmente o de subordinação, foram forjados no contexto de uma sociedade industrial, em total descompasso com a economia da Era da Informação, identificada pela integração colaborativa e permanente do trabalhador em relação à atividade do tomador do serviço, ainda que por meio de uma plataforma tecnológica, como é o caso da Uber.

“Se não houver uma reforma legislativa do conceito, ou um precedente jurisprudencial consistente que atualize o conceito de subordinação, as respostas do Judiciário serão casuísticas e vinculadas às provas de cada processo”, destaca.

Apesar do aumento crescente da economia informal e do desemprego estrutural, o advogado também pondera que, talvez, a flexibilização da legislação trabalhista seja um “processo irreversível", especialmente pela tendência offshoring, que consiste na realocação da produção de bens e serviços em países com um custo social reduzido. Contudo, esse arranjo “não se aplica a uma ferramenta global como o Uber, que acarretará na precarização dos direitos dos trabalhadores no longo prazo, exigindo a modernização das legislações nacionais”. 

Opinião contrária

Motorista de Uber há pouco mais de um ano, Valdir Sandrini diz preferir permanecer com a autonomia proporcionada pelo aplicativo ao trabalho com carteira assinada. “Hoje eu faço meu trabalho na hora que eu quero, sem ninguém me coordenando. É muito mais prático”.

Outro motorista, que preferiu não se identificar, destaca que, além da questão da autonomia, boa parte dos motoristas não quer ter carteira assinada porque já trabalha e usa o aplicativo como uma fonte de renda complementar. Para ele, a questão da CLT não é a principal reivindicação dos condutores, mas a taxa cobrada pelo aplicativo por corrida.

“A gente que trabalha com Uber não tem rotinas e horários. Tem semana que nem trabalho, e quando eu preciso pagar algumas contas volto à ativa. Nesse quesito, prefiro que tudo continue como está. Mas muitos, incluindo eu, querem que a porcentagem que o aplicativo recebe diminua de 25% para 15%”, ressalta.

Outra questão levantada pelo motorista é que a oferta de motoristas cadastrados no aplicativo cresceu muito comparada à demanda de passageiros. Segundo ele, tomando por base os quatro principais grupos da categoria no WhatsApp, nos últimos três meses, em Ribeirão Preto, o número de motoristas de Uber mais que triplicou, de 150 para 500 integrantes. “Quando comecei, em novembro do ano passado, tinha muita corrida, logo que terminava uma, já tinha a solicitação de outra. Na época, eu trabalhava 4 horas por semana e tirava em torno de R$ 500. Hoje para conseguir esse mesmo valor preciso trabalhar seis horas ou mais. Essa tem sido uma reclamação comum entre os motoristas”, conclui.


Foto: Divulgação

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