A era da multidisciplinaridade e a arte da antecipação

A era da multidisciplinaridade e a arte da antecipação

A aplicação de habilidades multidisciplinares no âmbito corporativo têm maior capacidade de antever tendências, resolver problemas complexos, escalar no seu mercado e perpetuar o seu negócio, com inovação e eticidade.

 

“Crise é não perceber que o mundo mudou”

 

O mundo sofreu mudanças profundas e rápidas nas últimas décadas, para não dizer nos últimos anos.

 

Estamos em  um momento de transição; da era do conhecimento para a era da multidisciplinaridade. Os negócios estão cada vez mais complexos e interconectados, tornando as demandas, mais exigentes por tempo e qualidade, impulsionadas pela globalização, revolução tecnológica, capitaneada pela inteligência artificial e mudanças sociais.

 

Diante desta disrupção quanto aos fatores de produção, onde o intelecto humano, a junção das diversas áreas do saber, tecnologia e criatividade são os insumos da economia, o conhecimento estanque, isolado, de trilha única, deve dar lugar a profissionais versáteis, capazes de cruzar fronteiras, integrar conhecimentos de diferentes campos e antecipar cenários, visando mitigar riscos e a perpetuidade dos negócios.  

 

Quantas vezes você profissonal jurídico deparou com situações que demandam visão estratégica, como entender sobre os impactos econômicos de uma decisão judicial, da importância de agregar assertividade nas sua peças, por meio de técnicas como o visual law, da necessidade de ser mais pacificador e menos contencioso, para uma entrega mais customizada.

 

Ao propor o modelo jurídico adequado à determinada conjuntura, aliado com a avaliação do cenário econômico, o gestor jurídico com sua solução técnica que atenda aos propósitos empresariais, destaca-se como um importante direcionador de valor.

 

Por sua vez, o profissional contábil, deixa de ser simples guarda livros, passando a ser essencial neste ecossistema, para a melhor tomada de decisões gerenciais, com o objetivo de oferecer suporte a execução do business plan, como por exemplo, a melhor escolha do regime tributário e o planejamento contábil, com a extração de informações da escrituração contábil, de forma segmentadas e personalizadas, para uso na gestão do negócio.

 

Vemos engenheiros que combinam habilidades em design thinking para resolver problemas de engenharia, ou cientistas de dados que se valem de conhecimentos em psicologia para interpretar padrões comportamentais.

 

Na esfera econômica, Frederic Bastiat demonstrou que muitas decisões podem gerar consequências indesejadas que não são visíveis de imediato. Assim, temos sempre que considerar os efeitos colaterais e os impactos no longo prazo, e não apenas os efeitos de curto prazo dessas decisões.

 

Nesse contexto, o citado economista e filósofo, disserta que “entre um bom e um mau economista existe uma diferença: um se detém no efeito que se vê; o outro leva em conta tanto o efeito que se vê, quanto aqueles que se devem prever

 

O Brasil é exemplo de planos econômicos fracassados, por meio da ilusão das benesses obtidas a curto prazo, típicas de governos populistas, que no intuito de ver a economia crescer, entenda-se consumo, injeta recursos na economia, de forma irresponsável, ao não prever as consequências funestas a logo prazo, como o déficit das contas públicas, inflação, desemprego e falta de investimentos nas indústrias, dentre outros. 

 

Levando em consideração esses aspectos a economia, enquanto ciência não é opinião e muitos menos artifício para falsas narrativas populistas, conforme leciona Bastiat:

 

“Na esfera econômica, um ato, um hábito, uma instituição, uma lei não geram somente um efeito, mas uma série de efeitos. Dentre esses, só o primeiro é imediato. Manifesta-se, simultaneamente com a sua causa. É visível. Os outros só aparecem depois e não são visíveis. Podemo-nos dar por felizes se conseguirmos prevê-los”

 

Contudo, vícios como o populismo e a prodigalidade enraizados em nosso país, somente para o que se vê, visando apenas “ganhar as eleições”[1], sem a devida contrapartida com a conjuntura macroeconômica das contas públicas, a preguiça e a ganância pelo lucro fácil -  de não estudar o cliente e suas circunstâncias, frisa-se, com a devida profundidade, como o cenário econômico do negócio e etc. -  são capazes de poporcionarem aos governados e clientes um mal, em maiores proporções no futuro.

 

Como dizia um famoso filme: “há uma grande diferença entre saber o caminho e percorrer o caminho" (Morpheus).

 

As pessoas enfrentam tradeoffs; para obtermos uma coisa, um serviço, que desejamos, em geral temos de abrir mão de outra coisa da qual gostamos, com reflexos no mundo fático.

 

Assim sendo, em face dos tradeoffs, a tomada de decisões para o cliente exige a comparação dos custos e benefícios dos vários cursos de ação, ou seja, o seu custo de oportunidade; qualquer coisa de que se tenha de abrir mão para obter algum item.

 

Tomar decisões corporativas, portanto, exige conhecimentos multidisciplinares, antecipar cenários, tendo como pilares a experiência, o estudo, a previsão e a ética dos negócios.

 

A título de ilustração, o direito deve dialogar com a economia - vide impactos econômicos das deciões judiciais - jornalismo, para auferir os benefícios da comunicação coesa, o designer – o uso do visual law -  para melhor assimilação dos pedidos inseridos nas peças judiciais. Na outra ponta,  a contabilidade deve dialogar com o direito, em face dos aspectos normativos que envolvem as operações contábeis, a medicina, com o direito, visando mitigar riscos, de modo a blindar a carreira médica.

 

No mundo contemporâneo a abordagem multidisciplinar não é apenas uma tendência, mas uma necessidade, em defesa da própria perpetuidade dos negócios e da imagem do profissional perante o mercado.

 

Os negócios não são mais realizados em compartilhamentos isolados por especialistas;  em vez disso, ele se entrelaça em uma teia complexa de relações interdisciplinares.

 

Os recursos estão escassos, a concorrência acirrada, demandando uma entrega multidisciplinar e, portanto, customizada, cujas vantagens são a resolução de problemas complexos, inovação, especialmente em explorar novos nichos de mercado, adaptabilidade, conforme o ecossistema do cliente, autenticidade e aperfeiçoamento contínuo. 

 

Há, portanto, a necessidade de reciclagem dos cursos superiores, muitos, ainda sedimentados na fase anterior da era do conhecimento - sob pena de se tornarem meros enlatados de conteúdos, desconexos com a realidade.

 

A multidisciplinaridade não é perfumaria ou uma opção, mas sim, uma necessidade para a perpetuação dos negócios, mitigação de riscos, imagem profissional, até mesmo, para a própria higidez das políticas econômicas de um país.

 

Parafraseando uma frase famosa de um personagem, “se real é o que você pode sentir, cheirar, provar e ver, então real são apenas sinais elétricos interpretados pelo seu cérebro”. E, também, Platão: “a realidade não são aquelas sombras que o homem da caverna, julgava ser a realidade, na verdade são cópias imperfeitas de uma pequena parcela da realidade."

 

Somos racionais, e, portanto, temos que fazer jus a esse dom divino por meio das virtudes; do trabalho, da busca do conhecimento e excelência nas nossas entregas, conforme as necessidades do cliente e com respeito as suas particularidades e riscos.

 

A realidade é complexa e confunde-se com a prória moral, conforme nos ensina Bastiat: “assim, quando um homem é atingido pelo efeito do que se vê e ainda não aprendeu a discernir os efeitos que não se veem, ele se entrega a hábitos maus, não somente por inclinação, mas por uma atitude deliberada”.

 

A reflexão acerca do assunto mostra-se adequada e contemporânea para fins de propiciarmos um terreno fértil à formação crescente e contínua de profissionais com excelência científica, técnica, profissional e/ou acadêmica, como protagonistas no mercado.

 

Afinal de contas, o conhecimento é um fator de produção que contribui para o avanço das fronteiras da ciência e tecnologia e, multidisciplinar, em constante movimento, ao transferir métodos de uma área do saber para outra, gerando novos conhecimentos e profissionais com formação básica sólida e integradora dos novos tempos.

 

Aliado a isso é muito importante ter como missão o aumento da consciência da sociedade, na geração de impacto positivo e social na visão de longo prazo, além da estratégia de curto prazo, no comportamento, nas estruturas da sociedade e nos negócios. O futuro é nosso presente!

 

* Foto: Free-Photos por Freepick (Imagem ilustrativa)

 

Notas

[1] Daí se conclui que o mau economista, ao perseguir um pequeno benefício no presente (por exemplo, o congelamento de preços), está gerando um grande mal no futuro – inflação, recessão econômica e etc. Já o verdadeiro bom economista, ao perseguir um grande benefício no futuro – projeto de nação – corre o risco de provocar um pequeno mal no presente (exemplo: política de austeridade fiscal) e tornar-se “impopular” podendo repercutir no resultado das próximas eleições.

 

Referencias Bibliográficas

BASTIAT, Frederic. O Que Se Vê E O Que Não Se Vê. 2010. Editora Mises Brasil.

MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia. Princípios de Micro e Macroeconomia. Tradução da 2ª Edição Americana. Editora Campus.

PLATÃO. A república. Tradução de Carlos Alberto Nunes. 3ª ed. Belém: EDUFPA, 2000. 

 

 

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