A alma empreendedora: o segredo das organizações infinitas

A alma empreendedora: o segredo das organizações infinitas

Exemplo contemporâneo destas organizações que desafiam o tempo são os spin-off corporativos; como alternativa eficiente na expansão do empreendedorismo, exponenciada pelo produto-destaque, responsabilidade socioambiental e capacidade de inovação, decorrente da experiência adquirida na organização-mãe

 

“Acima de tudo, estava a capacidade de criar, criar e criar – sem parar, sem olhar para trás, sem chegar ao fim – a instituição... Na última análise, a melhor criação de Walt Disney foi a Walt Disney [a empresa]” (Richard Schickel)

 

Estamos vivendo em um mundo em constante mudança, em que novas tecnologias são capazes de reinventar mercados e transformar negócios estabelecidos em obsoletos no período de curto prazo.

Por isso, só se perpetua no tempo empresas que morrem e se reinventam o tempo todo. Daí nasceu o conceito das Organizações Infinitas [1]. São as empresas que conseguem sobreviver e se diferenciar diante do caos e da imprevisibilidade que vivemos atualmente.

Elas entendem o passado, estão atentas ao futuro, mas seu foco é o presente, o AGORA. Encaram os desafios de “morrer um pouco o tempo todo” para “viver para sempre”!!!.

Na sequência, uma famosa trilha musical já dizia “Quem quer viver para sempre? Sempre é o nosso hoje”. [2]

Para serem empresas imortais ou organizações infinitas, é necessária uma alma empreendedora a seus criadores, para encarar desafios como a constante disrupção e incertezas do mercado, imersas em um ecossistema de empreendedorismo tecnológico.

A Netflix saiu de aluguel de DVD para serviço de streaming. De serviço de streaming para estúdio. De estúdio para produtora de jogos eletrônicos.  

A Folha de São Paulo nasceu jornal. Virou portal de notícias com o UOL - Universo Online. Virou banco com o PagSeguro PagBank e escola com o UOL EdTech.

A JBS nasceu vendendo proteína de origem animal. Mas hoje é dona da Vivera, uma gigante de "carnes de planta" da Europa.

Os estudiosos Ratinho, Harms e Walsh [3] definem empreendedorismo tecnológico como o reconhecimento, criação e exploração de oportunidades conjuntamente à obtenção de recursos em torno de uma solução tecnológica, independentemente do contexto organizacional.

Como exemplo contemporâneo, podemos citar as empresas spin-off; de base tecnológicas, criadas a partir de organizações existentes.

O spin-off corporativo se configura como alternativa eficiente na expansão do empreendedorismo, pois apresenta taxa de crescimento expressiva e capacidade de inovação, decorrente da experiência adquirida na organização-mãe.

A própria mutação de produtos e serviços ao mercado de consumo proporcionado pela tecnologia e consequente mudança de costumes e hábitos de clientes e consumidores são o cenário ideal para o seu surgimento.

Neste contexto, há casos em que uma empresa se depara com produtos que agregam um grande valor, mas que não se adequam facilmente ao seu portfólio, ou mesmo ao mercado atual. Este pode ser o momento de lançar um spin-off, para alavancar novas oportunidades, por conta própria, com estrutura adequada.

A diferença da spin-off com relação a startup é bem sutil; enquanto uma spin-off é derivado de uma organização já formada (empresa-mãe), uma startup pode ser criada a partir da ideia de um empreendedor independente.

A decisão do momento ideal para a criação do spin-off do “produto destaque” passa pela sensibilidade em perceber se esse produto (“filho prodígio”) está impedindo o foco do time nos demais itens do portfólio. Como exemplos, citamos: "Quem disse Berenice?" da "Boticário", "Smiles" da "Gol".

A máxima de Darwin - “Não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas o que melhor se adapta às mudanças” - é perfeitamente aplicado ao tema. A busca pela inovação e vanguarda de um produto ou serviço deve ser contínua.

Como exemplo deste camaleão, desta constante capacidade de se adaptar as novas demandas de consumo, intrínsecas as organizações infinitas, cito um trecho do vocalista e empresário Bruce Dickinson da banda de heavy metal, Iron Maiden, sobre os seus negócios:

 

“Chegou uma hora que produz um CD deixou de ser lucrativo, mas as pessoas ainda ouvem a sua música. Então tive a ideia de fazer cerveja, e o que aconteceu é que passamos a vendê-la associada à música. O disco acabava sendo subsidiado pela bebida, porque a mesma pessoa só compra um DVD ou download uma vez, mas quantas cervejas ela bebe? Muitas! E o sucesso da cerveja vem da fama da música – já atingimos 2,5 milhões de litros da Trooper vendidos” [4]

 

Por outro lado, a alma empreendedora não deve ter máculas que a desabone, de forma prejudicial aos seus negócios.

Hodiernamente, com a proliferação das mídias sociais e maior conexão da vida social não há mais a dicotomia entre construir um mundo mais sustentável ou ter bons resultados financeiros em uma empresa.

Veja o caso de famosas cadeias de lanchonetes que, não obstante todo o seu respeitado portfólio, enfrenta nos dias de hoje uma crise de imagem por razões de saúde pública devido à natureza nutricional dos seus pratos, levando aos recentes prejuízos.

No mesmo compasso, a imagem institucional de muitas empresas vem sendo abaladas por incidentes envolvendo seus prepostos em práticas de racismo e violência para com usuários e clientes.

Em verdade, as organizações infinitas não transmitem apenas a imagem de uma cadeia de produtos ou serviços. Essas empresas produzem e vendem aos consumidores e clientes a “confiança” – na qualidade, na segurança das instalações, higiene e etc. – e qualquer veiculação que coloque em dúvida esta postura, produz sérios abalos em sua reputação e resultados.

Em face destas novas celeumas, o movimento ESG, vem se consolidando no mundo corporativo. Esta sigla (no português, correspondente a ambiental, social e de governança) visa integrar as estratégias de negócios, um maior compromisso com a sustentabilidade e com as questões ambientais, sociais e de governança, perante todos os stakeholders.

Não obstante, haver certo ceticismo sobre a sua aplicação – muitos dizem que apenas é uma jogada de marketing – são fatores de uma nova matriz de responsabilidade socioambiental do meio corporativo, como resposta a ineficiência e lacunas do aparato estatal na sua função de promover o bem comum (ditaduras, corrupções generalizadas e etc).

Na esfera do mercado de capitais, trata-se de compromissos objetivos e auditáveis por agências internacionais. No ESG, no money!. A recusa de compra de soja que seja fruto do desmatamento, de aquisição de manufaturados com suspeita de trabalho escravo, são alguns exemplos contemporâneos.

O segredo, portanto, das organizações infinitas é a sua transcendência e consequente capacidade de mutação quanto à estratégia e plano de negócios, tendo como centralidade as demandas de consumo e a responsabilidade socioambiental, enquanto criadoras de valor econômico e social.

O futuro será particularmente implacável para com as empresas que não forem capazes de diversificar os seus negócios, com maior protagonismo social e governança.  Porém, será altamente gratificante para aquelas que souberem se preparar para novos desafios, que interpretarem e se ajustarem às mudanças, e perseguirem a criação de vantagens competitivas.

*Foto: Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

 

Notas

[1] Conforme explicam os especialistas Junior Borneli, Cristiano Kruel e Piero Franceschi, organizações infinitas “são aquelas que conseguem se renovar continuamente, manter seu propósito, satisfazer seus clientes e conquistar espaço, independente da forma; entendem o passado, estão atentas ao futuro, mas seu foco é o presente, o agora” BORNELI, Júnior et al. Organizações infinitas: O segredo por trás das empresas que vivem para sempre. Editora Gente (10 de outubro de 2021).

[2] Who Wants To Live Forever. Single da banda de rock britânica Queen. Foi lançada como a sexta faixa do álbum A Kind of Magic, em junho de 1986. Composição: Brian May. Gravadora: EMI. Trecho Original: “Who wants to live forever? Forever is our today”.

[3] RATINHO, T.; HARMS, R.; WALSH, S. Structuring the Technology Entrepreneurship publication landscape: Making sense out of chaos. Technological forecasting and social change, v. 100, p. 168-175, 2015.

[4] Campus Party Brasil 2014. Bruce Dickinson dá lição na Campus Party: 'Sem imaginação não há invenção' O vocalista do Iron Maiden Bruce Dickinson fez presença no evento Campus Party 2014. Portal Techtudo. Disponível em: https://www.techtudo.com.br/noticias/2014/01/cp2014-campus-party-2014-evento-aposta-no-empreendedorismo-com-bruce-dickinson.ghtml. Capturado em 20/11/2021.

 

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