Comunicação Não-Violenta

Comunicação Não-Violenta

Refletir sobre a forma e o conteúdo daquilo que comunicamos é cada vez mais importante aos negócios, nesta era de excesso de informações e polarização ideológica.

 

A comunicação é o coração da humanidade, é o que nos torna únicos e nos permite conectar com o mundo” (Paul Watzlawick)

 

A maior parte dos conflitos que temos com outras pessoas, seja em ambientes pessoais ou corporativos, é causada não propriamente pela divergência de opiniões e, sim, pela forma como expomos nossas ideias.

 

Em um mundo de superinformação e estímulos, precisamos ficar cada vez mais atentos à forma de nos expressarmos. Quem atentou para a importância da Comunicação Não Violenta (CNV) foi o psicólogo Marshall Rosenberg[1], que desenvolveu o conceito com o intuito de estimular as pessoas a construírem relações mais empáticas.

 

Criada com inspiração em líderes como Martin Luther King Jr. e Gandhi, a comunicação não violenta é uma forma de estabelecer conexões por meio da empatia e cooperação.

 

Na década de 1960, o psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg sistematizou a abordagem da comunicação não violenta observando a resistência não violenta a cenários de violência. 

 

Nascido em 1934 e de origem judaica, Marshall sempre teve interesse em como ter uma postura defensiva sem ser violento, o que culminou na criação do conceito.

 

Hodiernamente, essa ferramenta é utilizada em ONGs, mediação de conflitos, escolas, pelas assessorias de imprensa e no mundo corporativo.

 

A CNV nos ensina a abdicar de todas as críticas, opiniões e julgamentos prévios. Um processo de “descontaminação’, para criação de oportunidades e ganhos mútuos. Neste contexto, ela enfatiza a importância de observar fatos concretos em vez de fazer julgamentos ou avaliações sobre as pessoas ou situações (estereótipos).

 

Como é cediço, somos movidos a paixões e sentimentos, como a raiva.

 

De forma reflexiva, você já parou para pensar como a raiva pode ser importante?

 

Culturalmente falando, temos uma visão pejorativa da raiva. Mas segundo Marshall (MARSHALL, 2006), ela pode funcionar como um despertador para conseguirmos entender melhor nossas próprias necessidades, e para caminhar de forma que elas sejam atendidas. Não se trata de conter a raiva ou externá-la, mas de termos consciência de nossa necessidade, a fim de podermos nos expressar plenamente.

 

Como elucida o ilustre psicólogo:

 

“No âmago de toda raiva está uma necessidade que não está sendo atendida” (MARSHALL, 2006, p. 143).

 

Levando em consideração esse intróito sobre o tema, a comunicação não violenta é o conceito que estabelece relações de parceria e cooperação por meio de uma comunicação eficaz e empática.

 

A sua ação incentiva a expressão de sentimento genuínos, o que pode ajudar a construir conexões mais autênticas e significativas com os outros, de modo a favorecer o surgimento de oportunidades, entenda-se negócios e ganhos mútuos.

 

Deste modo, atua como profilaxia a ruídos ao encorajar a formulação de pedidos claros e específicos que expressem as necessidades de forma respeitosa e aberta a negociação.

 

Vejamos agora na prática. A forma como, por exemplo, a recuperação de crédito é realizada pode ter um grande impacto na relação entre a empresa e os seus clientes.

 

Alguns credores ainda insistem em usar uma abordagem rude e desrespeitosa. Muitas vezes, por desconhecimento dos efeitos na sua imagem e nas relações.

Já outros credores acreditam que a “cobrança” precisa ser agressiva para que obtenham resultados, frutos de uma visão maniqueísta e arcaica.

 

Contudo, uma abordagem ríspida, rude, impaciente, agressiva ou desrespeitosa e sem conteúdo e assertividade pode prejudicar a imagem da sua empresa e afetar negativamente a relação com os seus clientes; em decorrência da falta de credibilidade, podem “sair da mesa” de modo prejudicial aos negócios.

 

De forma inversa, uma abordagem cordial e profissional, pode ser muito eficaz, porque ajuda a estabelecer um relacionamento de confiança com o cliente, elimina resistências e hostilidades, além de demonstrar que a empresa se preocupa com a sua satisfação e bem-estar. Essa abordagem pode incluir o uso de uma linguagem respeitosa e empática, e a disposição em ouvir e compreender a sua situação.

 

Afinal de contas, a fase de recuperação de créditos, seja ela extra ou na forma judicial é uma continuação da relação comercial, iniciada desde a concessão do crédito, sendo, portanto, necessário garantir uma melhor experiência ao cliente.

 

Noutros termos, o elemento empatia é imprescindível na comunicação para criar conexão e obter do seu interlocutor preciosos insights e por conseguinte, gatilhos favoráveis a negociação.

 

Também é verdade que em certos momentos será necessário ser firme e objetivo na comunicação, especialmente no momento da comunicação da proposta, e suas particularidades (prazo, valores, garantias e etc) a fim de evitar ruidos que podem comprometer a credibilidade do seu negociador.


Infelizmente, algumas pessoas não conseguem distinguir entre ser firme e assertivo com ser desrespeitoso e agressivo na comunicação, independentemente da posição na relação negocial.

 

Em contrapartida, se tivermos uma comunicação profissional e técnica (ético, cognitivo, de linguagem e com domínio do assunto), somos capazes de sustentar uma discussão sem apelar para emocionalidade ou idolatria, seja qual for o objeto das tratativas.

 

Por sua vez, a CNV é muitas vezes marginalizada no ambito político; o que ocorre é que muitos estão confundindo interesse público com política partidária polarizada, contaminando o debate.

 

Essa polarização nos leva apenas para um lugar: o abismo dos desentendimentos, erigindo muros e não soluções.

 

Como discutir posições valendo-se de comunicação não-violenta, e usando lógica em vez de passionalidade? Eis o nosso desafio.

 

Comunicação não-violenta é uma habilidade que exige que sejamos capazes de comunicar com clareza, objetividade e foco na resolução de problemas.

 

Porém, a comunicação não-violenta é um desafio, principalmente quando já estamos acostumadas com dinâmicas em que a comunicação, em especial nos países latinos são eivadas de profunda passionalidade.

 

Todavia, reprisamos: a comunicação assertiva e não-violenta são habilidades e podemos desenvolvê-las. Aprender lidar com críticas, com frustração, com sentimentos conflitantes e desagradáveis fazem parte do desenvolvimento pessoal.

 

O objetivo da CNV tem o efeito restaurador, porquanto pode promover a reconstrução do diálogo, resgatando a relação entre as partes, para que consigam voltar a tratar de seus interesses, tomar as suas decisões e quem sabe, concordar sobre algumas questões que lhes são importantes.

 

Como elucida Marshall, ter empatia não é o mesmo que concordar:

 

“O objetivo da CNV é estabelecer um relacionamento baseado na sinceridade e na empatia. Quando os outros confiam que nosso compromisso maior é com a qualidade do relacionamento, e que esperamos que esse processo satisfaça às necessidades de todos, então elas podem confiar que nossas solicitações são verdadeiramente pedidos, e não exigências camufladas”. (MARSHALL, 2006, p. 88).

 

No mundo dos negócios, honestidade, credibilidade e satisfação do cliente significam gerenciar expectativas e construir relacionamentos comerciais prósperos e duradouros, cumprir com o que foi prometido, tendo como premissas extirpar os riscos oriundos de ruídos, contendas judiciais e o custo de oportunidade aos envolvidos na negociação.

 

A tarefa de negociar é árdua, até mesmo para um exímio negociador, porquanto, lida-se com sentimentos, personalidades complexas e até com desvios de comportamentos. Uma boa CNV precisa de um planejamento. Já quando a comunicação é só direta e brutal, o que se costuma ver é desengajamento, frustração, medo e insegurança.

 

A frase de Bruce Lee[2], nos traz lições valiosas, vejamos:

 

“Seja água meu amigo!

Esvazie sua mente. Seja sem forma, sem formato. Como a água! Se você coloca água em um copo, ela se torna o copo.

Se você coloca água em uma garrafa ela se torna a garrafa. Se você a coloca em uma chaleira, ela se torna a chaleira.

A água pode fluir mas também pode se chocar. Seja água, meu amigo!”

 

Nesta citação, quando ele diz “esvazie sua mente”, significa despojar-se de todas as críticas, opiniões e julgamentos prévios, conforme já mencionamos acima, para evitar qualquer contaminação no filtro da comunicação.

 

Por outro lado, “ser água”, não significa apenas a perseguição de nossos objetivos, e sim a lidar com eventos inesperados, obstáculos. A “água” também tem seus limites, e mesmo que ela seja impedida de alguma maneira de fluir, ela se torna aquilo que for melhor naquele momento – se estiver presa em um vaso, ela se torna o vaso.

 

Neste contexto, é imprescindível avaliar se a mesma forma de comunicação vale para todos os grupos de pessoas que receberão a mensagem. Às vezes, é necessário adaptar o jeito que você irá se comunicar. Transparência não exclui sensibilidade. 

 

E, mais, deve ser assertiva, como explica a Professora Sofias Esteves[3]:

 

“Se você quer colocar a comunicação transparente em prática, preciso dizer que ela só vai funcionar se você se abrir para verdadeiramente escutar o outro. Isso porque comunicar-se de maneira aberta e honesta pressupõe colocar-se à disposição para tirar dúvidas, acolher os sentimentos das pessoas com relação a mensagem transmitida e até lidar com descontentamentos. Pois é, nem sempre a transparência é agradável e prazerosa”

 

O tema em relevo ganha destaque como um procedimento democrático, de tratamento de conflitos, tendo como insumo uma comunicação empática, com vistas ao consenso, a criação de riquezas e meio de pacificação social.

 

*Foto  Free-Photos por Unsplash (Imagem ilustrativa)

 

 

Notas

[1] ROSENBERG, Marshall B. Comunicação não-violenta: técnicas para aprimorar relacionamentos pessoais e profissionais/Marshall B. Rosenberg; [tradução Mário Vilela] – São Paulo: Ágora, 2006.

[2] LITTLE, John. Be water my friend (la filosofia de Bruce Lee) Editora, ‎La Esfera De Los Libros, S.L. (3 março 2008); Idioma ‎Espanhol.

[3] ESTEVES, Sofia. In: Revista Você S.A, publicado em 17 nov 2022. “O e-mail do Elon Musk é uma aula sobre como não se comunicar Refletir sobre a forma e o conteúdo daquilo que comunicamos é cada vez mais importante nesta era de incertezas, mudanças constantes e excesso de informação”. Disponível em: https://vocesa.abril.com.br/coluna/sofia-esteves/o-e-mail-do-elon-musk-e-uma-aula-sobre-como-nao-se-comunicar/.

 

 

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