Contratos da nova economia no agronegócio

Contratos da nova economia no agronegócio

 

“O Direito sem o mercado é a imobilidade ou paralisia da sociedade; o mercado sem o Direito é o caos” (Alain Minc)

 

O vigente Código Civil não trouxe uma conceituação de contrato.

É antes de tudo, um negócio jurídico, um instrumento originário da livre vontade das pessoas, como forma de incrementar o desenvolvimento dos negócios, da acumulação e circulação de riquezas, e do progresso econômico.

Os contratos são o alicerce dos negócios da Nova Economia e servem para aumentar a eficiência, segurança, a rentabilidade e a lucratividade dos negócios. Destacamos os contratos de arrendamento rural, parceria agrícola e o barter, bastante utilizados no agronegócio.

O setor do agronegócio é caracterizado por ser inovador, dinâmico e verdadeiro negócio empresarial; seu elo de atividades propulsiona uma visão sistêmica dentro da cadeia de produção de bens, serviços e produtos e outra de modo macro, não apenas jurídica atrelada a sua função social pelo uso do solo, mas principalmente como vetor de desenvolvimento econômico, redistribuição de oportunidades e de mobilidade social. 

A legislação é incapaz de acompanhar a inovação. É fato. Deste modo, é de salutar importância os denominados contratos atípicos, dentro de nosso ordenamento jurídico, para alocação de riscos e circulação e criação de riquezas, maximizando-se as oportunidades com o incremento da economia.

O contrato típico é aquele que a lei regulamenta, estabelecendo regras específicas e às vezes, nomen juris.

Doutra parte, o contrato atípico é aquele não disciplinado pelo ordenamento jurídico, embora lícito, pelo fato de restar sujeito às normas gerais do contrato e pelo fato de não contrariar a lei, nem os bons costumes, nem os princípios gerais de direito.

A possibilidade de celebração de contratos atípicos decorre do princípio da autonomia da vontade, sendo que tal prerrogativa encontra respaldo no art. 425 do Código Civil.

Por outro lado, um sistema de justiça que garante segurança jurídica e força obrigatória aos contratos fornece com clareza as regras do jogo, proporcionando uma estrutura de incentivos para que os agentes desenvolvam suas atividades, confiantes de que terão ao seu dispor uma instituição sólida e eficaz para a proteção de seus direitos na hipótese de qualquer ameaça de violação, criando, portanto, um ambiente favorável às trocas e, por consequência, ao desenvolvimento econômico.

A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.

A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica.

Esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.

Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica. Segurança jurídica significa também crescimento sustentável da economia. Os investimentos somente serão duradouros e capazes de impulsionar o desenvolvimento econômico se houver repressão sólida e eficaz a qualquer ameaça de violação de direitos, mormente na esfera contratual, conforme acima exposto.

Caso não haja formas de se obrigar os devedores a honrarem com suas obrigações, isso poderá acarretar uma insegurança de grande monta e todos sofrerão as suas consequências, com a instabilidade econômica e aumento dos juros, contribuindo, negativamente para o Custo Brasil[1].

O empreendedorismo proporcionado pelo agronegócio e seus investimentos em tecnologias, propiciam o surgimento de um ambiente próspero a nossa economia.

O agronegócio é uma indústria a céu aberto, em expansão, angariado pela dinâmica do mercado, da tecnologia e respectivos contratos empresariais.  O produtor rural deixou de ser apenas o “dono” da propriedade agrícola para se transformar em empresário rural.

O objeto da atividade produtiva rural já não está mais atrelado apenas à regulamentação do uso do solo com o fim de concretizar a função social da propriedade – como previsto pela legislação agrária (Estatuto da Terra).

O agronegócio move a economia brasileira, gera empregos e alimenta o nosso país[2].

A sua magnitude econômica fez surgir os fundos, como o Fiagro[3], enquanto formas de investimento com alto grau de governança, uma vez que é regulada pela CVM, tendo seus gestores e administradores a mesma vinculação, seguindo os mais relevantes princípios voltados para os propósitos de ESG (responsabilidade ambiental, social e governança), ampliando, desta forma, as alternativas de financiamento para o setor, proporcionando o crescimento econômico sustentável para o país.

Portanto, além do aspecto jurídico, é importante conhecer o mercado financeiro como um todo, apreender o contexto econômico em que se está e entender de que forma a operação da empresa está alinhada com as perspectivas de desenvolvimento nacional e crescimento econômico mundial.

A confiança nas instituições, a segurança jurídica, o respeito aos contratos e a modernização da gestão jurídica ao agronegócio são os insumos de nosso desenvolvimento econômico, tecnológico e consequente protagonismo na ordem econômica mundial.  

Mas, e nós advogados? Como podemos ser parceiros do agronegócio, incentivar o empreendedorismo e proporcionar segurança jurídica nas operações? Tendo, claro, conhecimento técnico apurado, visão holística sobre mercado, tecnologia e negócios e mediante aprimoramento nas técnicas de elaboração de contratos, que são o alicerce legal das relações econômicas. 

No âmbito dos contratos empresariais há uma equivalência de poderes entre os seus atores. Portanto, não há hipossuficiência ou posição de debilidade contratual.

Não obstante o fato de o elemento risco estar intrínseco aos negócios, e, por conseguinte haver a assimetria contratual[4] não é o mesmo que hipossuficiência ou abuso contratual.

O fato de o Código Civil de 2002 ter submetido os contratos cíveis e empresariais às mesmas regras gerais não significa que estes contratos sejam essencialmente iguais.

Tanto é verdade, que muitos estudiosos, como o Professor Fabio Ulhoa Coelho[5], defende a promulgação de um novo Código Comercial, como necessário para a superação de problemas originados da revogação da maior parte do Código Comercial de 1850 e do fato de haver o Código Civil de 2002 deixado lacunas importantes em relação à tutela jurídica da atividade mercantil.

O Direito empresarial não pode ser uma fonte de imprevisibilidade, o que gera insegurança jurídica, afasta negócios, posterga investimentos, não atrai investimentos globais e encarece os preços dos produtos e serviços.

Assim sendo, e como forma de resguardar a boa-fé objetiva preconizada aos contratos no artigo 422 do Código Civil a melhor técnica contratual recomenda que seja corroborada a equivalência de poderes dos atores contratuais por meio da redação técnica, conhecida da prática forense como “considerandos” para mostrar o que efetivamente uniu as partes e o que as levou a se obrigarem reciprocamente e, especificamente, quais foram os reais interesses para a formação daquele determinado vínculo contratual.

Por derradeiro, com relação aos protagonistas do agronegócio, o profissional que entender de tecnologia, mas não de negócios vai ficar obsoleto. O que souber de negócios, mas não de tecnologia também ficará ultrapassado. Ambos se conectam.

É necessário, portanto, maior reciclagem aos negócios rurais; aperfeiçoamento de novas tecnologias e modelos de negócios para a própria sobrevivência no mercado, sendo de fundamental importância à oferta de escolas de negócios aos empreendedores rurais, de pequeno, médio e grande porte, a exemplo do “Programa Empreendedor Rural” desenvolvido pelo SENAR[6].

O agro não para! A nossa ordem econômica é capitalista, porque ela se apoia inteiramente na apropriação privada dos meios de produção e na iniciativa (artigo 170 da Constituição Federal).

É oportuno erigirmos uma reflexão. A economia e o movimento social da solidariedade deve ser um hábito, enraizado em nossa cultura, sob o império da responsabilidade social, equiparado a uma lei não escrita, um direito consuetudinário, para um dia podemos concretizar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal. 

O capitalismo solidário pede passagem para funcionar no país. Para tanto é necessário forcarmos em redistribuição de oportunidades, qualificando os mais pobres, por meio do compartilhamento do conhecimento e da tecnologia, imersos em um ecossistema empreendedor maduro e próspero, fomentados pela segurança jurídica propiciada pela força obrigatória dos contratos, como fator de mobilidade social, maximizando novos nichos de trabalho no agronegócio, especialmente, de famílias e pequenos empreendedores. 

 

 

 

 

 


[1] Em decorrência da falta de segurança quanto ao cumprimento de cláusulas contratuais e/ou de recuperação de créditos, o credor embute o risco nos juros, em especial, nos contratos de financiamento, onerando ou mesmo restringindo o crédito, o que também implica na diminuição de investimentos. A participação da Justiça no custo Brasil se dá em razão do alto nível de insegurança jurídica e de efetividade da jurisdição, o que provoca o aumento do risco e dos custos das transações econômicas, afetando a competitividade das empresas brasileiras e onerando, por conseguinte, a renda familiar dos consumidores.

[2] O agronegócio é protagonista na economia brasileira.  Depois de alcançar crescimento recorde no ano de 2020, o Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro, calculado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), teve alta de 5,35% no primeiro trimestre de 2021. Disponível em: https://www.cnabrasil.org.br/assets/arquivos/boletins/dtec.pib_mar_2021.10jun2021vf-1.pdf. Capturado em 17/ 7/2021.

[3] O Fiagro (Fundo de Investimento para o Setor Agropecuário) é um fundo que foi criado por meio da Lei nº 14.130 publicada no dia 30 de março de 2021. Ou seja, é fundo imobiliário de agronegócio que visa aumentar o acesso da agropecuária a captação de recursos financeiros que, em geral, se dá por meio dos investidores institucionais. Dessa forma, ele pode ser voltado a investimentos líquidos no setor do agronegócio, assim como em veículos de investimentos de Private equity em sociedades limitadas.

[4] Como leciona o Professor Fabio Ulhoa Coelho, “No campo das relações empresariais, a assimetria não deriva nem da hipossuficiência nem da vulnerabilidade daquele empresário contratante mais débil”. (…) O que marca a assimetria nas relações contratuais entre empresários é a dependência empresarial. De modo esquemático, a dependência empresarial está para o empresário mais fraco assim como a hipossuficiência está para o trabalhador, e a vulnerabilidade, para o consumidor. Por dependência empresarial entende-se aquela situação de fato, no contexto de um contrato empresarial, em que a empresa de um dos empresários contratantes deve ser organizada de acordo com instruções ditadas pelo outro” (COELHO, Fábio Ulhoa. Princípios do direito comercial. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 49-53).

[5] In. Agencia Senado. “Especialistas divergem sobre necessidade de um novo Código Comercial’ 05/11/2019. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/11/05/especialistas-divergem-sobre-necessidade-de-um-novo-codigo-comercial. Capturado em 17/07/2021.

[6] O SENAR foi criado pela Lei 8.315 de 23 de dezembro de 1991 nos moldes do SENAI e SENAC e regulamentado pelo Decreto nº 566, de 10 de junho de 1992. É uma Instituição de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e dirigida por um Conselho Deliberativo, de composição tripartite e paritária, por ser composto por representantes do governo, da classe patronal rural e da classe trabalhadora. Essa condição levou o SENAR a desenvolver, desde 2007, o “Empreendedor Rural”, um dos mais avançados programas do agronegócio brasileiro. O programa valoriza o empreendedorismo, o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à criação de um projeto técnico, científico ou empresarial.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

Compartilhar: