A economia criativa
O que é economia criativa? Quais são os seus elementos? Existem diferenças entre: ideia, invenção, inovação, Direito Digital e tecnologia? Como fica a questão da proteção jurídica?
“O segredo da criatividade está em dormir bem e abrir a mente para as possibilidades infinitas. O que é um homem sem sonhos?”
“A imaginação é mais importante do que o conhecimento. O conhecimento é limitado. A imaginação circunda o mundo” (Albert Einstein).
Com o advento e a popularização da internet, mudanças socioeconômicas significativas ocorreram no mundo, em especial nos negócios. Nesta nova era que se apresenta – a Era do Conhecimento – o valor das empresas não se restringe aos seus ativos tangíveis e ao lucro, mas está se relacionando com uma capacidade futura de geração de caixa, tendo como insumos a tecnologia e a inovação.
Estamos vivendo em um mundo em constante mudança, em que novas tecnologias são capazes de reinventar mercados e transformar negócios estabelecidos em obsoletos no período de curto prazo.
Os denominados “ativos intangíveis”, aqueles não físicos, vem ganhando importância e relevância nunca antes vistas. Isto se verifica em empresas que possuem grande valor de mercado sem terem necessariamente máquinas, terrenos ou outros bens tangíveis.
Neste novo universo, surge a chamada economia criativa. Segundo o autor inglês John Howkins no livro “The Creative Economy” [1], publicado em 2001, é todo negócio que se utiliza da criatividade, conhecimento e capital intelectual para criar produtos e serviços. São atividades, ideias e processos que exploram o valor econômico da imaginação humana.
É um modelo muito associado às startups, ao mercado artístico (música, plataformas de streaming, e etc.) e de entretenimento. Contudo, vem ganhando cada vez mais espaço dentro das empresas. Ela representa uma tendência alinhada às mudanças do mercado e à necessidade crescente de buscar novos meios para alavancar negócios.
Além do entretenimento, os setores tradicionais da economia criativa incluem: arquitetura, artesanato, artes visuais, design, eventos, jogos, gastronomia, literatura e mercado editorial, moda, música, publicidade, rádio, turismo dentre outros.
Como exemplo prático do seu potencial é só analisar os fenômenos atuais, como Tik Tok e Zoom. O alcance midiático e de público conquistados, desde então, pode torna-la como padrão das grandes economias mundiais em um futuro próximo.
O ato de fomentar a economia criativa está diretamente ligado à defesa da democracia e a promoção da liberdade individual, entenda-se, no ato de empreender associado a uma maior racionalidade nas tomadas de decisões, aprimorando a experiência empreendedora, perante o mercado.
A economia criativa é o grande motor do empreendedorismo moderno. Em suas áreas tradicionais, ela dá espaço para que fotógrafos, escritores, pequenas agências, artistas independentes, pequenos empreendedores possam se lançar no mercado, com poucos recursos, amparados por startups competitivas.
Na sequencia, analisaremos os seus elementos, como o Direito digital, a ideia, invenção e por último a inovação, bem como, suas semelhanças e diferenças na cadeia produtiva do conhecimento.
O Direito digital [2] é o reflexo desta sociedade intangível, de constante desmaterialização de bens e direitos sobre bens e pessoas, exigindo, em contrapartida uma maior reciclagem jurídica de proteção, visando regular o comportamento humano e as relações sociais baseados na tecnologia. Vejamos a sua cadeia produtiva.
A ideia, em seu estado embrionário, e, portanto “pura”, não pode e nem deve ser protegida, sob pena de se concretizar um aborto prematuro da sua futura utilidade [3]. Vejam os casos de pivotagem [4] no âmbito das startups, para alcançar o êxito de seus negócios.
A proteção será necessária quando a ideia for passível de implementação no mercado (invenção), ou seja, do seu destino comercial, por exemplo, na criação de códigos fontes de um software no INPI ou um website, como obra na Biblioteca Nacional.
A última fase se dá com a consolidação da ideia e invenção para o estágio da inovação, passando a ser um produto novo, com destino comercial “relevante”, e demanda objetiva e prática para satisfazer uma necessidade de consumo.
Convém lembrar que inovação não é igual à tecnologia. Para inovar você até pode usar da tecnologia, mas nem toda inovação é tecnológica. Inovar significa combinar novos processos, materiais e até mesmo tecnologias para produzir de uma forma nova. A palavra é derivada do termo latino innovatio, e se refere a uma ideia, método ou objeto que é criado e que pouco se parece com padrões anteriores [5].
No âmbito da inovação, há uma faceta intrínseca de proteção jurídica, na esfera de direitos autorais e concorrencial, para garantir a proteção dos autores e inventores, e da própria preservação do ecossistema do conhecimento, cuja sociedade depende totalmente da criação, enquanto insumo necessário à circulação de riquezas.
Por outro lado, adentrando na seara jurídica e da sua relação com os negócios, cumpre observar o fato de existir uma diferença abismal entre “Direito Digital” e “Inovação Jurídica”.
Enquanto o primeiro diz respeito aos desafios e problemas jurídicos materiais oriundos da evolução tecnológica, o segundo é muito mais ligado à implantação de técnicas, sistemas e estratégias que tenham um impacto positivo na prestação dos serviços jurídicos (ou, no setor público, no funcionamento do Judiciário, por analogia).
Em resumo, a inovação é um conjunto de ações estratégicas que objetivam uma melhoria contínua de pessoas, processos e tecnologias em uma organização. É algo muito mais relacionado à gestão, formato e estratégia de entrega do que com o exercício da advocacia em si.
Não obstante, o fato de ambas compartilharem semelhanças, não são sinônimos. Por que ressalto essa diferença?
Pelo fato de que, por conveniência ou imaturidade organizacional, há uma confusão entre os dois conceitos. Isso faz com que muitas vezes um dos assuntos seja delegado a um profissional que não está preparado para executá-lo, o que compromete significativamente o sucesso dos projetos. E isso, na maioria esmagadora das vezes, ocorre com as iniciativas de inovação.
Não podemos pressupor que a mera interação com a tecnologia faça com que os dois campos se confundam e, consequentemente, sejam trabalhados pelo mesmo indivíduo nas organizações.
Faço uma ressalva: havendo o preparo específico, é sim possível; o problema é achar que conhecer sobre Direito Digital, por exemplo, automaticamente faz da pessoa a melhor para conduzir o processo de inovação interna.
Levando em consideração esses aspectos, começar a tratar a inovação como uma área específica, com seu próprio orçamento, objetivos e métricas é fundamental para que os serviços sejam prestados com a devida excelência no mercado.
Neste contexto, e seguindo com uma nova linha de pensamento, podemos afirmar que a interdisciplinaridade tem muito mais a ver com inovação do que tecnologia.
Não existe ciência absoluta ou mais importante. Todas as disciplinas são importantes, não deve haver hierarquia entre elas, ainda que com base na tradição, porquanto elas não são absolutas, dependendo da interação com as demais para a compreensão das problemáticas contemporâneas, além de poder contribuir para uma sociedade mais pluralista.
A tecnologia nunca é neutra, no seu projeto sempre há intencionalidade. O que pode acontecer é a intenção original ser traída pelos usuários, que dão a ela outro uso por vontade própria. Além disso, a interação social pode gerar emergência de padrões complexos não previstos. Mas não há neutralidade.
Portanto, a priori, podemos concluir que o direito digital não é uma saída para quem não gosta das áreas tradicionais do direito. Não se trata de uma disciplina autônoma, muito embora haja quem defenda, mas de uma área interdisciplinar, que envolve todas as áreas do Direito, além de dialogar com outras áreas, vinculadas à computação e design, capazes de absorver todas as frentes de negócio dos clientes. A tecnologia é pervasiva, afeta todos os ramos jurídicos.
Seguimos a passos largos, para a evolução de uma profissão jurídica que incorporará cada vez mais tarefas e conhecimentos de outras áreas, assim como preconiza o conceito de Legal Operations [6] - cada vez mais forte, em empresas e escritórios.
Contudo, é preciso ponderar sobre o uso correto do termo. Ser (ou querer ser) “interdisciplinar” não significa fazer o trabalho no lugar de um profissional de outra área; o que se busca, em verdade, é entender como pessoas de outras disciplinas se organizam para entregar um projeto, para então trabalhar de forma colaborativa e profícua.
Um advogado que fez um curso rápido de design, por exemplo, nunca poderá ter a pretensão de substituir alguém formado ou com ampla experiência na área. O mesmo vale para programadores, contadores, dentre outros.
Deste modo, considerando a relação da interdisciplinaridade com a inovação, na outra ponta, a colaboração preserva laços ainda mais estreitos com o futuro de qualquer profissão, em face da nossa sociedade de conteúdos colaborativos em tempo real, permeados pelas diversas mídias e conexão da web. A capacidade de diálogo deve ser uma habilidade pontual e contínua.
Sob outra perspectiva, mais mercadológica, uma invenção só se torna uma inovação quando é aceita pelo mercado. E isso nem sempre tem a ver com sua UTILIDADE.
Um exemplo: a invenção da quinta roda para automóveis pelo engenheiro Brooks Walter, nos anos 1930, para facilitar a manobra de baliza nos ambientes urbanos. A indústria nunca considerou essa curiosa solução, rejeitando-a, não obstante, a comprovação de sua utilidade nas cidades [7].
Realizar o Direito é tão importante quanto reconhecê-lo. Para fortalecer a inovação é necessário maior segurança jurídica e conhecimento da estrutura dos negócios e de suas externalidades.
É necessário saber como monetizar as criações intelectuais, o que demanda conhecimento, formação de especialistas no assunto, e uma infraestrutura jurídica de proteção (propriedade intelectual).
No plano político, apenas com reformas estruturais [8] - visando à melhora da qualidade da educação básica, além de elevar a atratividade e o prestígio da educação profissional e tecnológica, de modo a reduzir a capacidade ociosa do mercado, o custo Brasil, com maior liberdade econômica - serão capazes de impulsionar o nosso desenvolvimento econômico, social, tecnológico e consequente, protagonismo na ordem econômica mundial.
*Foto: Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).
Notas:
[1] HOWKINS, John (2012). Economia Criativa. Como Ganhar Dinheiro Com Ideias Criativas. São Paulo: M Books.
[2] Conforme leciona o especialista Marcelo de Camilo Tavares Alves, “o Direito Digital é o resultado da relação entre a ciência do Direito e a Ciência da Computação sempre empregando novas tecnologias. Trata-se do conjunto de normas, aplicações, conhecimentos e relações jurídicas, oriundas do universo digital. Como consequência desta interação e a comunicação ocorrida em meio virtual, surge a necessidade de se garantir a validade jurídica das informações prestadas, bem como das transações, através do uso de certificados digitais. A tecnologia também foi capaz de outorgar aos profissionais do Direito, ferramentas computacionais que simplificaram e aperfeiçoaram suas tarefas. Entretanto, essa mesma tecnologia inovou e potencializou a ocorrência de crimes, como a violação de direito autoral. Buscando a materialidade e autoria dos delitos praticados neste ambiente, estudiosos de ambas as áreas se unem na análise forense computacional”. (ALVES, Marcelo de Camilo Tavares. “Direito Digital”. Goiânia, 2009. Universidade Católica de Goiás. Departamento de computação. Graduação em ciência da computação. Direito Digital. Projeto Final de Curso apresentado como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Ciência da Computação. Orientador – Prof. Dr. Iwens Gervasio Sene Júnior)
[3] Neste sentido, leciona a especialista Patrícia Peck: “O Direito não protege ideia pura. Por quê? Pois esta proteção, se conferida em um estágio muito inicial do pensamento, de forma prematura, pode, na verdade, gerar um prejuízo à invenção ou à própria inovação. Uma ideia é nada mais que uma constatação de um fato observado com a visão crítica de um observador. Quando passível de implementação, o que não quer dizer que precisa se tornar necessariamente material (pode permanecer imaterial, como no processo de produção do conhecimento, por exemplo, na criação de códigos fontes de um software), é então protegida pelo Direito.” (PECK, Patrícia. Direito Digital e a proteção da inovação: A ideia só tem valor na prática. Portal Conjur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2011-jul-24/direito-digital-protecao-inovacao-ideia-valor-pratica. Capturado em 20/03/2022).
[4] “A palavra deriva do termo em inglês “to pivot”, que significa girar. Está relacionada à função de pivô no basquete. Esse jogador mantém sua posição na quadra, mas observa todas as possibilidades de lance que estão à sua disposição. Quando o empreendedor percebe que as coisas não estão indo como o planejado, ele pode pivotar, ou seja, observar todas as possibilidades que tem para mudar sua startup. Pivotar a startup não significa desistir do negócio, mas reinventá-lo, aproveitando sua estrutura e sua ideia inicial.” (ABSTARTUPS – Associação Brasileira de Startups. “Por Que E Quando Pivotar Sua Startup?” Disponível em: https://abstartups.com.br/por-que-e-quando-pivotar-sua-startup/. Capturado em: 19/03/2022).
[5] Até porque inovação não é uma expressão vazia. A lei complementar 123/2006, no seu art. 64, I, traz o seguinte conceito: "a concepção de um novo produto ou processo de fabricação, bem como a agregação de novas funcionalidades ou características ao produto ou processo que implique melhorias incrementais e efetivo ganho de qualidade ou produtividade, resultando em maior competitividade no mercado". BRASIL. Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; altera dispositivos das Leis n. 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, da Lei no 10.189, de 14 de fevereiro de 2001, da Lei Complementar no 63, de 11 de janeiro de 1990; e revoga as Leis no 9.317, de 5 de dezembro de 1996, e 9.841, de 5 de outubro de 1999.
[6] O Legal Operations é uma área que engloba todos os setores de um escritório de advocacia. Ele é responsável por compreender e auxiliar o trabalho jurídico por meio do desenvolvimento de tecnologias, da implementação de sistemas de gestão, e da otimização de fluxos internos.
[7] SÁNCHEZ, Miguel. Brooks Walker, ou Como estacionar confortavelmente com a roda sobressalente. La Escuderia Website. Revista digital hispânica dedicada a veículos antigos. Disponível em: https://pt.escuderia.com/brooks-walter-sistema-rueda-aparcar/. Capturado em: 19/03/2022.
[8] A esfera normativa constitucional é abundante, contudo, há a necessidade de concretiza-las. A Emenda Constitucional nº 85, de 2015, deu à ciência e à tecnologia o destaque de um capítulo próprio, resultando no Capítulo IV, da "Ciência, Tecnologia e Inovação". Todos os entes federados devem proporcionar os meios de acesso à ciência, tecnologia, pesquisa e inovação (art. 23, V). O caput do art. 218 diz: "O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação". O § 1º reclama "tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação". O parágrafo único do art. 219 diz que o “Estado estimulará a formação e o fortalecimento da inovação nas empresas, bem como nos demais entes, públicos ou privados, a constituição e a manutenção de parques e polos tecnológicos e de demais ambientes promotores da inovação, a atuação dos inventores independentes e a criação, absorção, difusão e transferência de tecnologia.”