Empreendendo vidas

Empreendendo vidas

 

O EMPREENDEDORISMO como uma via de mobilidade SOCIAL

 

“A gente não quer só dinheiro

A gente quer dinheiro e felicidade

A gente não quer só dinheiro

A gente quer inteiro e não pela metade

Bebida é água

Comida é pasto

Você tem sede de quê?

Você tem fome de quê?” (“Comida” Titãs)

 “O jovem deve ter habilidade de mudar sua realidade” (Bill Drayton)

 

Diante de inúmeras políticas assistencialistas institucionalizadas que visam à erradicação da pobreza e à desigualdade social, o Brasil tem se caracterizado, ao longo dos anos, um Estado paternalista.

Na realidade brasileira, onde há infraestrutura precária em todas as necessidades humanas, a atuação estatal mostra-se insuficiente, por questões mais contundentes relacionadas à ética pública e social.

Muitas vezes, faltam qualidades como a virtude aos governantes e autoridades para elegerem as prioridades básicas e anseios da população, cujo erário público é constantemente usurpado em favor de privilégios para burocratas.

Denota-se, portanto, a necessidade de reformas não apenas de ordem tributária, previdenciária, mas, mormente a de natureza administrativa, para a afetação do erário público em favor dos pagadores de impostos. Não podemos ficar eternamente imersos em um sistema autofágico.

O caminho da subsistência, da prosperidade e desenvolvimento econômico dos povos deve ter mão dupla e não unidirecional via Estado, sob pena de perpetuação da miséria, indolência e da improdutividade.

Considerando o fato do Estado não ser fonte de riquezas, os governos não estão conseguindo mais fazer jus à carga social que lhes é imposta.

O descaso histórico do Estado brasileiro com a educação básica ultrapassa gerações, perpetua a pobreza e impede o jovem de alcançar o seu potencial e de ter um propósito de vida.

Neste contexto, passamos a analisar o empreendedorismo social como uma forma de se alcançar a mobilidade ou ascensão social.

A prática em comento teve como pioneiro o norte americano Bill Drayton, fundador da Ashoka [1], uma organização mundial sem fins lucrativos que atua no campo da inovação, trabalho e apoio aos empreendedores sociais, em 1980.

A proposta basicamente consiste na maximização do capital social de uma comunidade, bairro, cidade ou país, por meio de técnicas de gestão, inovação, criatividade e sustentabilidade. Em suma, empreendedores sociais buscam transformar uma realidade, ampliar a participação política da sociedade e estendê-la aos cidadãos excluídos utilizando métodos geralmente presentes no cotidiano das empresas.

Assim sendo, este modelo tem o intuito de preencher essas lacunas e contribuir para a formação de um cidadão empreendedor, eficiente na gestão de negócios e globalmente integrado ao propiciar meios para seu desenvolvimento intelectual, profissional, artístico, esportivo e qualidade de vida, com o aporte de infraestrutura adequada para cada setor social.

Entretanto, o movimento social em tela, embora visionário, também deve ser realista e autossustentável, focado na localidade que está inserido, com o objetivo de se reverter ao bem estar social, sob pena de se tornar utópico e ineficiente.

A ideia do projeto em si é louvável, vez que delega à sociedade civil a busca pela transformação social, repelindo a tese retrógrada de que o Estado é único provedor de todas as necessidades vitais básicas do indivíduo.

Todavia, como toda ideia louvável incutida no exterior e disseminada em nosso país, este projeto social é vítima de todo tipo de deturpação.

Muitos dos que se dizem “empreendedores sociais” visam tão somente a interesses mesquinhos como benefícios fiscais e, ainda, temos os casos mais graves de lavagem de dinheiro, entre outras ilicitudes praticadas por organizações não governamentais meramente de fachada.

O legítimo empreendedor almeja resolver um problema da comunidade, podendo obter lucro de forma simultânea.

A falta de mobilidade social é um dos principais problemas contemporâneos relacionados à desigualdade social. Pode o empreendedorismo ser visto como um canal de mobilidade ou ascensão social?

A princípio, todas as iniciativas devem levar em consideração as peculiaridades de cada localidade e, em especial, o nível de desenvolvimento na qual se encontra a fim de potencializar os resultados.

Acreditamos que o esporte seja um importante fator de mobilidade social. Há experiência das escolinhas de futebol de grandes times esportivos do país instaladas em favelas e comunidades carentes que contribuem para o desenvolvimento da personalidade de crianças e adolescentes, dando-lhes técnicas de ofício para um mercado promissor.

Os ganhos são recíprocos, seja para a criança que adquire conhecimentos esportivos e cidadania, despertando-lhe para um mundo de oportunidades profissionais, ainda que não venha a ser um jogador de futebol profissional e, obviamente, aos franqueados e clubes desportivos, na busca de novos talentos.

As oficinas profissionais, como artesanato, de tecnologia e etc, são também bons exemplos de negócios sociais. O brasileiro, frente às dificuldades econômicas cíclicas do país é um empreendedor nato, utilizando de vários subterfúgios para aumentar a economia doméstica, além do próprio emprego formal.

A título de ilustração, podemos destacar a Rede Asta [2] como exemplo de negócio social e economia circular que impacta a vida de milhares de pessoas, desenvolvendo artesãs em empreendedoras.

A liberdade de ação dos empreendedores sociais, força motriz do capitalismo, traz à luz a oportunidade de criar valor para a sociedade por meio da criação de negócios que inovam, empregam, capacitam e fomentam o bem-estar social, por meio da reinserção dos indivíduos na sociedade de consumo, da qual estavam apartados.

Contudo, hodiernamente, em nosso país, os negócios sociais são embrionários e incipientes. Há a necessidade de um círculo virtuoso contínuo, que permita a transformação social, para além do tradicional ensino superior.

Somos protagonistas da nossa própria história! A liberdade econômica é o insumo de nossa governança e remédio para combater males como a pobreza e crises econômicas.

Há de enaltecer os negócios sociais em detrimento do modelo filantrópico estatal, ora incapaz de realizar as transformações sociais e econômicas, inclusivas e efetivas para o desenvolvimento das comunidades.

Até porque, os negócios sociais buscam criar valor, em vez de empregos, que se tornam uma consequência em vez de um objetivo.

Por que criam valor social? A resposta está na mudança do mindset; de desvalido e eterno subserviente do estado, a um cidadão economicamente ativo, tendo como premissas a sustentabilidade do bem comum social, por meio da educação/capacitação profissional, do desenvolvimento de negócios e mercados que gerem e mantenham consumidores, em um círculo virtuoso contínuo, favoráveis a transformação social, de modo realista.

A economia e o movimento do empreendedorismo social deve ser um hábito, enraizado em nossa cultura, sob o império da responsabilidade social, equiparado a uma lei não escrita, um direito consuetudinário, para um dia podemos concretizar a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, nos termos do artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal. 

Uma sociedade livre deve ter os seus próprios mecanismos naturais de solidariedade e cooperação, com senso de responsabilidade social.

As nossas mazelas sociais evidenciam a necessidade de um capitalismo mais solidário tendo como atores principais os empreendedores, por meio do desenvolvimento de negócios sociais como forma de criar inserção social, dignidade e mercados, em um círculo virtuoso de crescimento e sustentação econômica e social.

Com habitualidade e sustentabilidade, proporcionado pelas práticas de mercado, o empreendedorismo social pode sim ser um dos canais de mobilidade social, desde que os ganhos sejam recíprocos, de modo agregar um valor social ao seu público alvo e na localidade da execução do projeto social, potencializando-se a sua propagação com bons exemplos e resultados.  

 

Notas:

[1] A Ashoka é uma organização sem fins lucrativos que lidera um movimento global para criar um mundo no qual todas e todos se reconheçam como agentes de transformação positiva na sociedade. Criada em 1980 na Índia e presente desde 1986 no Brasil, considerada a 5ª ONG de maior impacto social no mundo, segundo a publicação suíça NGO Advisor. Disponível em: https://www.ashoka.org/pt-br/country/brazil. Capturado em 31/032021.

[2] Rede Asta é um negócio social que atua na economia do feito à mão desenvolvendo artesãs em empreendedoras. O foco de negócio é a produção de acessórios, como bolsas e itens de decoração, por mulheres artesãs de baixa renda. Além de oferecer novas possibilidades às profissionais, a Rede Asta atua com o foco de erradicação da pobreza, promoção de capacitação, consumo e produção conscientes.  Disponível em: https://www.redeasta.com.br/quem-somos. Capturado em 31/03/2021.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

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