Formem sucessores, não herdeiros!

Formem sucessores, não herdeiros!

O planejamento sucessório é um meio eficaz de viabilizar, de maneira econômica, menos burocrática e menos conflituosa, os efeitos da sucessão, como forma de preservar o legado da família.

 

“O Planejamento Sucessório é um ATO DE AMOR, sendo que a definição antecipada dos procedimentos de transferência da titularidade de bens, quando bem executada, cria um ambiente favorável à harmonia” (Gladson Mamed)

 

Chegamos a mais um final de ano. Hora de planejar as confraternizações, as viagens de férias e compras de presentes aos entes queridos.

Nossa sociedade é educada para o consumo, para o imediatismo. Veja o sucesso dos novos meios de pagamento como o PIX.

Contudo, os eventos futuros, envolvendo morte, patrimônio e sucessão familiar são muitas vezes tratados como um tabu; nunca conversado, considerado e estruturado abertamente entre os membros de muitas famílias brasileiras.

A complexidade das relações familiares modernas e os riscos profissionais e empresariais são fatos nem sempre compreendidos, que podem colocar em risco o patrimônio pessoal e o legado familiar.

Aliado a esses percalços os custos e a burocracia do procedimento de inventário, que já são elevados, tendem a ficarem ainda mais dispendiosos pela ânsia do estado em aumentar os impostos.

A mudança de comportamento: de consumismo e imediatismo (emocional) deve dar lugar a uma maior racionalidade preventiva, com o devido enfrentamento da celeuma e maior protagonismo dos integrantes da família. Um dos pilares da Lei da Liberdade Econômica [1] é o prestígio da autonomia privada (artigo 3º, inciso V).

Assim sendo, indaga-se: Por que não dar importância e tratamento customizado ao acervo patrimonial e seu legado, conquistado a duras penas, frisa-se, de modo preventivo, com maior escalonamento de custas e economia de recursos, ao invés de posterga-lo, sofrendo com as delongas, rigidez, incertezas e ônus do procedimento de inventário?

E, neste ponto, notadamente quando o planejamento sucessório se utiliza de figuras contratuais, a citada Lei é um fator positivo, enquanto fundamento jurídico para as estruturas contratuais utilizadas com esta finalidade, oferecendo uma gama de opções, mais aderentes à situação patrimonial e vontade do clã.

Trata-se de autorização da autonomia privada e não meio de sonegação e agressão a Lei aos mais desinformados, conferindo efetividade ao planejamento familiar dos núcleos familiares.

Deste modo, cada ente familiar, tem a sua característica, que deve ser considerada singularmente, para efeitos de planejamento sucessório, como meio racional para a preservação do legado e patrimônio familiar, blindando-os frente a forte carga emocional, representado pela morte de um dos membros da família.

Todavia, o que é planejamento sucessório? Pode ser entendido como um conjunto de mecanismos jurídicos que permite estabelecer a sucessão patrimonial e empresarial de determinada pessoa, possibilitando a inserção de cláusulas restritivas aos herdeiros com o objetivo de proteger o patrimônio para as seguintes gerações, evitando deste modo, após o seu falecimento a dilapidação que os sucessores possam causar ao patrimônio e a minimização de potenciais conflitos familiares.

Os seus objetivos são: definir os beneficiários, observadas às regras do código civil [2], a divisão dos bens, facilitar a gestão (contábil) e o planejamento fiscal (economia de tributos), e alinhar e otimizar o pagamento de despesas decorrentes da transferência dos bens após a morte.

É um trabalho multidisciplinar dentro do ramo jurídico. Os principais instrumentos de planejamento sucessório, que podem ser utilizados de forma isolada ou conjuntamente, são:

*Testamento

*Doação através de Escritura Pública

*Seguro de Vida

*Pacto antenupcial e Regime de Bens

*Acordo de Sócios e Protocolo Familiar

*Holding Rural e Urbana, de participações, imobiliárias e patrimoniais

*Plano de previdência privada

*Instrumentos contratuais para segregação de patrimônio: comodato e condomínio agropecuário (benefícios fiscais e melhor gestão contábil)

*Cláusulas contratuais de proteção ao patrimônio

*Fundos de investimentos

*Bens no exterior: Offshore e Trust

Dentre estes instrumentos citados, é necessário encontrar um imunizante, capaz de minimizar um possível processo destrutivo [3], seja da organização, ou da própria genealogia, de forma customizada ao patrimônio do ente familiar, demandando serviços especializados nas áreas jurídica e contábil.

Entre os fatores a serem levados em conta na hora de montar um plano de sucessão, estão às especificidades do negócio, a estrutura familiar, empresarial e o tipo de patrimônio.

Todas as famílias, empresárias ou não, independentemente do tamanho do patrimônio, devem se preocupar com planejamento sucessório. Onde houver família, sempre há a necessidade de proteção, independentemente da idade do seu patriarca e/ou matriarca.

O planejamento sucessório é composto de uma série de medidas adotado ao longo da vida que repercutem na sucessão. Como exemplo inaugural podemos citar a celebração do casamento ou formação da união estável, evento nos quais surge uma série de direitos patrimoniais e sucessórios que deverão ser respeitados ao longo da vida e no momento da sucessão (Pacto antenupcial e regime de bens).

Destaca-se como importante estrutura de planejamento sucessório a constituição das denominadas holdings.

O termo “holding” é derivado do verbo, em inglês, to hold, cujo significado é segurar, controlar, deter, sustentar, manter, guardar.

Em termos gerais, holding é uma sociedade que visa participar de outras sociedades, por meio da titularidade de quotas ou ações, além de administrar ou deter outro tipo de patrimônio de determinada pessoa.

O seu fundamento legal encontra-se disposto na Lei n. 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas) no seu artigo 2º e § 3º.

Os tipos mais utilizados são:

a. Holding de participações ou pura: Com a utilização de uma holding é possível efetivar e centralizar as decisões e a administração das sociedades familiares bem como do respectivo patrimônio locado – poderá se criar um ambiente familiar que permita a centralização do controle do grupo de empresas (Holding de controle, Holding Setorial, Holding Administrativa, etc.) e que, ainda, possa ser utilizado como mecanismo de ingresso de herdeiros na operação. Há também a possibilidade de utilizá-las para fins sucessórios, por meio do ingresso de herdeiros em posições minoritárias que, porém, lhes permitam dar continuidade aos negócios da família em caso de falecimento do sócio majoritário da empresa (patriarcas). Para isso é necessário adotar algumas cautelas de cunho societário de forma a assegurar a continuidade da gestão. Podem ser de natureza urbana (Holding urbana) ou Rural (Holding Rural).

b. Holding imobiliária: Em termos práticos é uma empresa destinada à alocação de ativos imobiliários do grupo familiar na qual será centralizada a gestão do patrimônio e unificadas as atividades e ele relativas. Vantagens: possibilidade de planejamento tributário para fins de redução a carga tributária incidente sobre a locação de bens imóveis, quando comparada com a tributação que ocorre com as pessoas físicas, permitindo que os negócios da empresa não sejam afetados diretamente pela morte de seu fundador, cuja unificação dos imóveis da família numa única unidade societária possibilita que os herdeiros recebam como herança o percentual de quotas sociais ou ações que lhes cabe por lei, permitindo uma partilha mais simples e rápida do que uma partilha de bens imóveis.

c. Holding patrimonial: tem estrutura semelhante a holding imobiliária, porém destinada a centralizar a gestão de uma gama maior de ativos, imobiliários ou não. A holding patrimonial, também conhecida como administradora de bens, pode ser constituída com o objetivo de ser processada a antecipação da herança aos seus herdeiros e cônjuge. Nesse caso, o detentor do patrimônio constitui a holding, transfere para ela todos os seus bens e direitos e doa aos seus herdeiros as quotas da empresa formada. Essas quotas, por sua vez, podem ser gravadas com cláusulas de usufruto em favor do doador, assim como com cláusulas de impenhorabilidade, reversão, inalienabilidade e incomunicabilidade, todas com o intuito de preservar as partes na família. Todavia, há ainda a possibilidade de a holding ser simplesmente constituída com o intuito de facilitar a gestão do patrimônio de famílias que possuem inúmeros bens (Holding familiar) Nesse sentido, cria-se a empresa e integraliza em seu capital social os bens dos envolvidos, em sua maioria imóveis. Como se trata de uma empresa familiar costuma ser constituída sob a forma de sociedade limitada (LTDA).  

d. Holding mista: Trata-se de uma corporação constituída para, além de participar do capital social de outra empresa, como na holding pura, exercer a exploração de outras atividades empresariais, sobretudo prestação de serviços civis e comerciais, mas não os industriais. Dessa forma, ela agrega o objeto da holding pura, mas com a vantagem de poder gerar receitas tributáveis para despesas dedutíveis.

É de suma importância, portanto, ter especial atenção na formação e administração do patrimônio ao longo da vida para o êxito da sucessão. Eventos como a morte, criam fortes abalos emocionais aos herdeiros, tornando óbice para a tomada de decisões complexas e impactantes quanto ao destino dos bens deixados pelo ente querido.

Planejar é programar as etapas necessárias para alcançar um determinado objetivo e essa organização deve ser um hábito cultivado pelas famílias evitando, assim, dissabores emocionais, financeiros e burocráticos. Onde existe amor, poder e dinheiro, existe conflito. O segredo do sucesso não é prever o futuro, mas sim, é criar uma empresa familiar que prosperará em um futuro que não pode ser previsto.

Idealmente, o processo de sucessão deve ser iniciado com a maior antecedência possível, tendo como parâmetro o gatilho representado por cada evento familiar (casamento, filhos) e, preferencialmente, com a presença do fundador da empresa além da participação e concordância de todos os envolvidos.

Uma sucessão bem conduzida deve ser capaz de harmonizar e mitigar qualquer início de desentendimento na própria família sobre o andamento do negócio. É necessário haver durante todas as etapas um clima de abertura, transparência e diálogo para tratar das divergências entre os membros da família e quaisquer conflitos que possam existir.

Além disso, o plano tem como objetivo garantir a continuidade dos negócios, sem prejuízos, assegurando a sustentabilidade da empresa aos seus colaboradores, mercado e públicos estratégicos, com transparência na divulgação de todo o processo de transição para concretizar os resultados previstos e planejados.

O planejamento sucessório não é apenas a estruturação do patrimônio por meio da holding! Ela é apenas um dos meios, conforme demonstramos acima. Muitas vezes, em face da sua simplicidade, uma doação ou um seguro de vida em favor dos sucessores, já é suficiente para a segurança patrimonial e completude da vontade da família.  A consultoria e a assessoria de um escritório jurídico especializado podem ajudar nesse processo.

A natureza e o volume do acervo patrimonial da família será o parâmetro seguro para a decisão quanto ao melhor instrumento de planejamento: o que são ativos de uso (por exemplo, a residência da família) e os ativos de não uso (por exemplo, investimentos ou imóveis alugados) a localização geográfica dos bens. O planejador profissional deverá avaliar o valor de mercado dos ativos e o impacto tributário na sucessão, propondo alternativas que facilitem o processo sucessório, com maior segurança jurídica e redução tributária.

Em um mundo corporativo, digital e global, a empresa familiar contemporânea não deve ser norteada por impulsos e laços sentimentais. Os herdeiros vivem à sombra dos outros; os sucessores constroem o seu próprio legado e sabem administrar o acervo hereditário.

O embrião do planejamento sucessório é na maioria das vezes, capitaneado pela geração seguinte e não pelo fundador, inspirada em modernos conceitos de gestão, governança e compliance, como meio de garantir a perenidade dos negócios, sem descuidar da história e valores familiares presentes no seu legado.

 

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

Notas:

[1] BRASIL. Lei nº 13.874, de 20 de Setembro de 2019. Institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica; estabelece garantias de livre mercado; altera as Leis nos 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), 6.404, de 15 de dezembro de 1976, 11.598, de 3 de dezembro de 2007, 12.682, de 9 de julho de 2012, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 10.522, de 19 de julho de 2002, 8.934, de 18 de novembro 1994, o Decreto-Lei nº 9.760, de 5 de setembro de 1946 e a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943; revoga a Lei Delegada nº 4, de 26 de setembro de 1962, a Lei nº 11.887, de 24 de dezembro de 2008, e dispositivos do Decreto-Lei nº 73, de 21 de novembro de 1966; e dá outras providências.

[2] Um ponto importante a ser observado é a forma de se disponibilizar o patrimônio amealhado em vida. Do total do patrimônio, 50% é considerado “parte legítima” e deve ser obrigatoriamente, reservado aos herdeiros necessários, nos termos do artigo 1.846 do Código Civil.

[3] Segundo o IBGE, 90% das Empresas são Familiares. Cerca de 70% das Empresas Familiares não passam da 1ª para a 2ª geração. Cerca de 95% das Empresas Familiares não passam da 2ª  para a 3ª geração. A ausência de um planejamento sucessório é causa do fechamento de 70% das Empresas Familiares. Fonte: IBGE, SEBRAE/SP e Consultoria  PwC.

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