A gestão de passivos judiciais

A gestão de passivos judiciais

O advogado não é um burocrata restrito ao contencioso judicial, é antes de tudo um profissional técnico, gestor e estrategista, auxiliando as empresas e empreendedores na gestão de passivos judiciais, de modo a não comprometer seu capital de giro e suas metas de desempenho e crescimento.

Neste compasso, para viabilizar a discussão de débitos judiciais na esfera cível, trabalhista e fiscal o seguro-garantia judicial pode ser uma excelente opção para preservar a liquidez de seu caixa, imagem e crédito perante o mercado.

 

“Peça para seus clientes serem parte da solução e não os veja como parte do problema” (Alan Weiss)

Não se gerencia o que não se mede, não se mede o que não se define, não se define o que não se entende, e não há sucesso no que não se gerencia” (William Edwards Deming).

 

Em face da morosidade dos tramites das contendas judiciais uma das tarefas árduas das empresas é a gestão de seus passivos judiciais e das respectivas garantias dadas em juízo.

O gerenciamento adequado dessas garantias judiciais preserva o capital de giro das empresas, em especial, pela utilização do seguro-garantia judicial, que reduz os efeitos prejudicais da penhora, ao desonerar os ativos das empresas submetidas ao processo de execução, fomentando suas atividades.

O seguro-garantia judicial é uma modalidade de seguro que visa garantir o pagamento de valores correspondentes aos depósitos em juízo que o tomador (possível devedor) necessite realizar no trâmite de procedimentos judiciais, incluídas multas, depósitos recursais, garantias de execução e indenizações.

É uma garantia sólida e idônea, emitida por uma seguradora, devidamente regulada e fiscalizada pelo Ministério da Fazenda, por meio da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.

De fato, o seguro-garantia, espécie de seguro de danos, é disciplinado pela Circular SUSEP nº 477/2013, podendo ter como segurado o setor privado ou o setor público, abrangido neste o seguro garantia judicial.

As partes envolvidas são:

Segurado: a parte ativa, eventual credora da obrigação pecuniária “sub judice”.

Tomador: pessoa jurídica, parte passiva em ação judicial ou administrativa em que questiona a validade legal de obrigação pecuniária, a qual se valerá da apólice de seguro-garantia, conforme previsto acima.

Seguradora: A empresa responsável pela apólice e o cumprimento do contrato entre o Tomador e o Segurado é chamada de Seguradora.

A cobertura terá efeito depois de transitada em julgado à decisão ou durante o prazo de interposição de recurso e sua vigência deverá vigorar até a extinção das obrigações do tomador. O contrato deve especificar os limites, a sua extensão e prazo de vigência.

Ademais, a renovação da apólice, a princípio automática, somente não se dará se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia.

Cumpre pontificar que “o seguro continuará em vigor mesmo quando o tomador não houver pagado o prêmio nas datas convencionadas” (art. 11, § 1º, da Circular SUSEP nº 477/2013), além de ser “vedado o estabelecimento de franquias, participações obrigatórias do segurado e/ou prazo de carência nos planos de Seguro Garantia” (art. 10 da Circular SUSEP nº 477/2013).

Em comparação a outras formas de caução, o seguro-garantia demonstra-se mais vantajoso por ter menor custo, mais ágil obtenção e menor burocracia na contratação.

No aspecto financeiro, as suas benesses ficam mais evidente, ao não tomar os limites de crédito junto aos bancos, e não vincular o capital de giro das empresas.

Outra vantagem considerável é a possibilidade do segurado ser ressarcido dos seus custos, na hipótese de êxito processual, porquanto há uma jurisprudência em formação no sentido de que tais ônus são considerados despesas processuais, e, portanto, engloba a sucumbência, devida ao vencedor do certame judicial. [1]

Contudo, é necessário um aporte consultivo da advocacia preventiva para uma maior segurança jurídica desta operação, como: (i) custo de oportunidade/viabilidade econômico-financeira e aferição de idoneidade da seguradora; (ii) alinhamento entre o período de vigência do seguro garantia judicial com a tramitação judicial (provisão judicial), sob pena de lacunas/gaps de cobertura; (iii) renovação da apólice e orientação quanto aos seus procedimentos legais, como por exemplo, a sua conformidade com a Portaria PGFN nº 164, de 27/2/2014 [2].

O Código de Processo Civil equiparou para fins de substituição da penhora, a dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial da execução, acrescido de 30% (trinta por cento) nos termos do artigo 835, § 2º.

Recentemente, no julgamento do REsp n. 1.691.748 a 3ª turma do E. Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso de um banco e entendeu que o seguro-garantia judicial oferecido no cumprimento de sentença deve ser utilizado a fim de garantir o juízo, mesmo havendo discordância do exequente.

O colegiado entendeu que este tipo de seguro é benéfico às partes porquanto foi equiparado ao dinheiro para fins de penhora. Transcrevemos sua ementa, neste aspecto:

 

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. SÚMULA Nº 284/STF. ASTREINTES. VALOR. ALTERAÇÃO. POSSIBILIDADE. PRECLUSÃO. INEXISTÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. JUSTA CAUSA. VERIFICAÇÃO. NECESSIDADE. MULTA DO ART. 475-J DO CPC/1973. INAPLICABILIDADE. TÍTULO JUDICIAL ILÍQUIDO. PENHORA. SEGURO GARANTIA JUDICIAL. INDICAÇÃO. POSSIBILIDADE. EQUIPARAÇÃO A DINHEIRO. PRINCÍPIO DA MENOR ONEROSIDADE PARA O DEVEDOR E PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFICÁCIA DA EXECUÇÃO PARA O CREDOR. COMPATIBILIZAÇÃO. PROTEÇÃO ÀS DUAS PARTES DO PROCESSO.

7. O CPC/2015 (art. 835, § 2º) equiparou, para fins de substituição da penhora, a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial da execução, acrescido de 30% (trinta por cento).

8. O seguro garantia judicial, espécie de seguro de danos, garante o pagamento de valor correspondente aos depósitos judiciais que o tomador (potencial devedor) necessite realizar no trâmite de processos judiciais, incluídas multas e indenizações. A cobertura terá efeito depois de transitada em julgado a decisão ou o acordo judicial favorável ao segurado (potencial credor de obrigação pecuniária sub judice) e sua vigência deverá vigorar até a extinção das obrigações do tomador (Circular SUSEP nº 477/2013). A renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia.

9. No cumprimento de sentença, a fiança bancária e o seguro garantia judicial são as opções mais eficientes sob o prisma da análise econômica do direito, visto que reduzem os efeitos prejudiciais da penhora ao desonerar os ativos de sociedades empresárias submetidas ao processo de execução, além de assegurar, com eficiência equiparada ao dinheiro, que o exequente receberá a soma pretendida quando obter êxito ao final da demanda. 10. Dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. 11. Por serem automaticamente conversíveis em dinheiro ao final do feito executivo, a fiança bancária e o seguro garantia judicial acarretam a harmonização entre o princípio da máxima eficácia da execução para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, a aprimorar consideravelmente as bases do sistema de penhora judicial e a ordem de gradação legal de bens penhoráveis, conferindo maior proporcionalidade aos meios de satisfação do crédito ao exequente.

12. No caso, após a definição dos valores a serem pagos a título de perdas e danos e de astreintes, nova penhora poderá ser feita, devendo ser autorizado, nesse instante, o oferecimento de seguro garantia judicial pelo devedor, desde que cubra a integralidade do débito e contenha o acréscimo de 30% (trinta por cento), pois, com a entrada em vigor do CPC/2015, equiparou-se a dinheiro. 13. Não evidenciado o caráter protelatório dos embargos de declaração, impõe-se a inaplicabilidade da multa prevista no § 2º do art. 1.026 do CPC/2015. Incidência da Súmula nº 98/STJ. 14. Recurso especial provido” (REsp n. 1.691.748. Eg. Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. Min. Relator Ricardo Villas Boas Cueva. Julgado em 07/11/17)

 

Na esfera trabalhista o E. Tribunal Superior do Trabalho alterou a orientação jurisprudencial n. 59, equiparando o referido seguro ao dinheiro, proporcionando maior fluxo de caixa das empresas sem se descurar da efetividade às execuções trabalhistas promovidas pelos reclamantes, de modo a atingir o escopo da jurisdição: a pacificação social.

 

“MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA. SEGURO GARANTIA JUDICIAL (nova redação em decorrência do CPC de 2015) – Res. 209/2016, DEJT divulgado em 01, 02 e 03.06.2016 A carta de fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito em execução, acrescido de trinta por cento, equivalem a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 835 do CPC de 2015 (art. 655 do CPC de 1973). RXOF 167136/1995, Ac. 845/1996 – Min. Leonaldo Silva DJ 18.10.1996 – Decisão unânime RXOF 110325/1994, Ac. 952/1996 – Min. Regina Rezende DJ 03.05.1996 – Decisão unânime

RXOF 43937/1992, Ac. 2295/1994 – Min. Geraldo Vianna DJ 16.09.1994 – Decisão unânime.

Histórico: Redação original – Inserida em 20.09.2000 Nº 59. MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA A carta de fiança bancária equivale a dinheiro para efeito da gradação dos bens penhoráveis, estabelecida no art. 655 do CPC”

 

As custas recursais na Justiça do Trabalho são elevadas. O depósito feito por meio de apólice de seguro-garantia, com prazo de vigência, para interpor recurso em uma reclamação trabalhista é válido e bastante útil, pois a legislação não exige que o seguro tenha prazo indeterminado (TST-RR-1000606-05.2017.5.02.0464).

Por outro lado, no âmbito fiscal, a Lei n. 13.043/14 alterou, em novembro de 2014, a Lei de execução fiscal (6.830/80) para estipular o seguro garantia como forma de garantia às execuções fiscais, em seu artigo 7º, inciso II.

Assim sendo, dentro do sistema de execução, a fiança bancária e o seguro-garantia judicial produzem os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro para fins de garantir o juízo, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida.

A disputa judicial pode até ser eficaz, mas é lenta e custosa e na maioria das vezes coloca em risco a empresa que fica mais exposta ao mercado, podendo inclusive abalar sua imagem e seu crédito perante o mercado e stakeholders.

Uma mudança de paradigmas é necessária. A formalidade dos escritórios deve dar lugar a um relacionamento, não próximo, mas integrado aos negócios dos empreendedores, participando do cotidiano das operações negociais, enquanto fonte estratégica de segurança jurídica e orientação para tomada de decisões.  

A gestão empresarial é um modelo de trabalho orientado por uma política de valores capaz de alocar e gerir recursos, ações, iniciativas, princípios, valores e estratégias, viabilizando o alcance dos objetivos propostos por uma empresa.

O advogado deve ser protagonista neste ecossistema, auxiliando as empresas na gestão de passivos judiciais, de modo a não comprometer seu capital de giro, como suporte a continuidade de suas atividades [3] e metas de desempenho e crescimento.

O correto dimensionamento dos riscos judiciais, favorecidas por uma segurança jurídica aqui entendida, pela previsibilidade das decisões judiciais, mediante expertise em jurimetria e perfeito alinhamento do contrato de seguro-garantia, reduzem os recursos destinados ao provisionamento [4], além de otimizar o fluxo de caixa das empresas,  liberando-se recursos para o crescimento do negócio, com o acréscimo de riquezas.

Por ser automaticamente conversível em dinheiro ao final do feito executivo, o seguro-garantia judicial acarreta a harmonização entre o princípio da máxima eficácia da execução para o credor e o princípio da menor onerosidade para o executado, a aprimorar consideravelmente as bases do sistema de penhora judicial e a ordem de gradação legal de bens penhoráveis, conferindo maior proporcionalidade aos meios de satisfação do crédito ao exequente.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

 

Notas:

[1] Conforme matéria e julgados citados na matéria “Carta de fiança e seguro-garantia judicial devem ser ressarcidos pelo Fisco” publicada em 7/7/2021, editado pelo repórter Jose Higídio. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-set-07/estado-ressarcir-gastos-carta-fianca-seguro-garantia. Capturado em 19/01/22.

[2] BRASIL. Ministério da Fazenda. Portaria nº 164, de 27 de fevereiro de 2014. Regulamenta o oferecimento e a aceitação do seguro garantia judicial para execução fiscal e seguro garantia parcelamento administrativo fiscal para débitos inscritos em dívida ativa da União (DAU) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Disponível em: https://www.gov.br/pgfn/pt-br/servicos/orientacoes-contribuintes/legislacao/portaria-pgfn-n-164_2014.pdf/view.

[3] No REsp n. 1.844.935-SP, uma empresa metalúrgica conseguiu a substituição de um depósito judicial em dinheiro, no valor de R$ 17 milhões, por outra modalidade de garantia, o seguro-garantia, nos autos de uma anulação de débito fiscal. Em razão da epidemia da Covid-19, havia a necessidade de liberação daquele montante para uso nas atividades empresariais da metalúrgica.   

[4] O principio da competência, nos meios contábeis estabelece que todas as receitas (vendas) e despesas sejam consideradas dentro do período em que se realizaram, mesmo que não tenham sido pagas (despesas) ou recebidas (vendas). Deste modo, provisões são os valores estimados pelas empresas que reduzem o seu ativo, ou incrementam o seu passivo, modificando (reduzindo) o valor do patrimônio líquido da entidade. Provisões judiciais, não é o valor pedido pelo autor, mas sim a estimativa do valor a ser efetivamente desembolsado pela empresa demandada na fase de execução da sentença.

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