Governança Ambiental e Social: dos escritórios de advocacia para os campos de futebol

Governança Ambiental e Social: dos escritórios de advocacia para os campos de futebol

 

Para alcançar o Futebol essencialmente sustentável, os clubes de futebol europeus estão focados no entendimento e assimilação de três letras muito especiais (ESG). Porém, no Brasil essa (r)evolução ainda está incipiente, necessitando de maior discussão, apoio jurídico e de inovação.

 

“Se as iniciativas ESG não forem representativas do negócio principal da empresa e do impacto ambiental e social, esses esforços podem ser perdidos, tanto para a sociedade como também para os investidores. As empresas precisam desenvolver uma estratégia de inteligência de sustentabilidade com total entendimento dos riscos e oportunidades disponíveis para elas, considerando questões técnicas ambientais, sociais e econômicas” (Afonso Matos Martins)

 

As questões ESG (ambientais, sociais e de governança) visam integrar as estratégias de negócios, um maior compromisso com a sustentabilidade e com as questões ambientais, sociais e de governança. Esses aspectos definidos pelo acrônimo ESG consideram pontos que vem constantemente ganhando força e destaque entre os investidores e o mundo jurídico.

A liberdade da iniciativa econômica, força motriz do capitalismo, traz à luz a oportunidade de gerar valor para a sociedade por meio da criação de negócios que inovam, empregam, capacitam e fomentam o desenvolvimento profissional e bem-estar dos seus colaboradores e terceirizados, com boas práticas sociais e de governança.

Uma sociedade livre deve ter os seus próprios mecanismos naturais de solidariedade e cooperação, com senso de responsabilidade social.

As nossas mazelas sociais evidenciam a necessidade de um capitalismo mais solidário e responsável tendo como atores principais os empreendedores, como forma de criar inserção social, dignidade e mercados, em um círculo virtuoso de crescimento e sustentação econômica e social.

Hodiernamente, com a proliferação das mídias sociais e maior conexão da vida social não há mais a dicotomia entre construir um mundo mais sustentável ou ter bons resultados financeiros em uma empresa.

De forma simples, governança é o conjunto de leis, regras e normas que regem uma instituição. Tem componentes internos, como as políticas de atuação, procedimentos, normas, diretrizes estratégicas e de desempenho, mas também externos, nas relações com acionistas, conselho de administração, fornecedores, clientes, enfim, as partes interessadas chamadas de stakeholders.

Neste contexto, o tamanho do clube de futebol não pode ser considerado empecilho para o compromisso com o ESG. A título de ilustração citamos o Forest Green Rovers, time da língua inglesa, que se intitula “o clube de futebol mais verde do mundo”, com destaque para as seguintes práticas de governança: proibição de defensivos agrícolas, proibição do consumo de carne, dentre outras [1].

Em 2010, Dale Vince adquiriu o Forest Green Rovers, de 130 anos, clube da região onde nasceu e que estava à beira da falência. Desde então, começou a transformá-lo seguindo princípios ambientais.

O clube começou a colher os frutos das mudanças nos últimos anos e alcançou a quarta divisão na temporada passada, maior exposição na mídia, em cenário favorável a investimentos e patrocínios.

O exemplo deste clube da liga secundária inglesa serve como inspiração para que os clubes brasileiros, independentemente do nível de organização e representatividade no cenário esportivo, adotem este novo modelo de governança.

A adoção do ESG significa uma mudança de paradigma no que tange à tomada de decisão em processos de investimentos, calcados não apenas em critérios financeiros, levando-se em consideração princípios e políticas relacionadas ao investimento socialmente responsável.

As ideias de governança e boas práticas sociais e ambientais, cerne do ESG, se encaixam perfeitamente à finalidade do esporte em geral e, de forma específica, ao próprio futebol. Essa afirmação se baseia na análise da origem do futebol, enquanto atividade amadora, ou seja, não profissional, visando exclusivamente o lazer e engajamento social.

Considerando a magnitude do futebol na atualidade, enquanto negócio profissional as mudanças trazidas pelo ESG têm bastante relevância para a gestão dos clubes, como matriz para contenção de despesas e atratividade de investimentos, em decorrência do acréscimo de valor da instituição perante o mercado.

O esporte, mais especificamente os clubes de futebol, não pode ficar marginalizado frente a essa (r)evolução no âmbito corporativo, onde o lucro e a criação de valor não são mais suficientes, sendo necessário estabelecer um propósito transcendental aos negócios, com senso de responsabilidade social.

Por óbvio, empresas e clubes de desporto não são institutos beneficentes, porquanto dependem de investimento, capital e da lucratividade de suas operações comerciais. O discurso fica longe de qualquer juízo de hipocrisia.

Além disso, as altas cifras envolvendo o esporte e a necessidade de um resultado esportivo altamente satisfatório para as finanças dos clubes são premissas e portas de entrada a este novo ecossistema corporativo.

Os benefícios de escala[2] decorrentes da adoção do ESG no âmbito das corporações são patentes enquanto gatekeepers do processo produtivo, agraciados pela lacuna representada pela ineficiência estatal na promoção da bem comum e consequente crise de identidade.

O futebol como maior vitrine esportiva do país e o comportamento ESG devem se entrelaçar para propagar e difundir os seus princípios perante a sociedade.

Atualmente, nossos clubes de futebol estão passando por um momento de transição no tocante a gestão, com a demanda crescente por profissionais das mais diversas áreas corporativas e busca por novas formas de investimentos perante o mercado financeiro, como bolsa de valores, criptomoedas, tokenização e etc.

Em decorrência da aprovação do projeto de clube-empresa [3], essa mudança tende a se consolidar, uma vez que criará novas oportunidades de negócio e fontes de renda. O modelo associativo de clubes não encontra mais guarida na nova economia.

Ainda que pese a tradição, os clubes não podem ignorar a realidade empresarial e a necessidade de gestão profissional inerente aos negócios (marketing, finanças dentre outras), enquanto meio de sobrevivência e posição no mercado perante os seus sócios, fornecedores, investidores, mídia e demais stakeholders. O fair play financeiro já é uma realidade! [4]

No tocante ao desenvolvimento ambiental e social, temas que se tornaram intrínsecos à sociedade mundial, tendo em vista a necessária preocupação com o futuro e a sustentabilidade de nosso planeta, o futebol pode ser considerado um vetor muito importante, tendo em vista que move bilhões de pessoas que se identificam com um determinado clube.

No campo social, a responsabilidade dos clubes brasileiros não deve se limitar apenas às questões ambientais, os clubes devem ampliar sua esfera de influência no estilo de vida mais saudável, no incentivo a prática de esportes dos jovens, além de discutir temas como paridade de salários entre o futebol masculino e feminino, racismo, inclusão social, combate às drogas e violência contra a mulher, dentre outros.

Desta feita, se um clube de grande expressão trabalha em prol do desenvolvimento sustentável e se importa com relevantes questões sociais, maximizará o seu valor social e econômico a todos os seus torcedores, patrocinadores e investidores. Vivemos na era dos bens intangíveis.

Esses exemplos de medidas promovidas pela filosofia de boas práticas trazidas pelo ESG evidencia o viés disruptivo do futebol, enquanto ente propagador de mobilidade social, riquezas e benesses sociais a toda coletividade e stakeholders.

A boa governança garante ao clube de futebol vantagens competitivas como a higidez financeira e melhores rendimentos esportivos, evidência no cenário esportivo e consequente possibilidade de atrair novos parceiros e patrocinadores, contratos de transmissão mais expressivos, aumento de sócios torcedores, contratações de jogadores mais qualificados e etc.

Na contramão desta linha de desenvolvimento, podemos citar o caso mais recente do futebol mundial que foi a incapacidade do Barcelona Futebol Clube em manter em seu plantel de jogadores, o atleta mais importante de sua história; Lionel Messi.

Com efeito, por mais que o Barcelona tenha sido duramente abalado pela pandemia do Covid-19, como todos os outros clubes do mundo, a sua crise financeira foi agravada em decorrência da má gestão do ex-presidente Josep Maria Bartomeu, com impactos prejudiciais a seu desempenho esportivo, porquanto fora desclassificado precocemente da Copa do Rei, não conquistando, portanto, nenhum título de grande expressão na temporada 2020/2021.

Em face do seu declínio financeiro, o clube catalão ficou impossibilitado de firmar novo contrato com Lionel Messi, considerando as diretrizes do Fairplay Financeiro e da La Liga, entidade responsável por regular o futebol espanhol.

O episódio envolvendo o Barcelona demonstra que as boas práticas trazidas pelo ESG é condição sine qua non para obtenção de excelência corporativa e esportiva.

Os exemplos de clubes internacionais com expressividade mundial reforçam a tese de que as boas práticas são essenciais aos clubes brasileiros, visto que a mudança da estruturação desses clubes ainda está em evolução, fato comprovado pela edição da Lei nº 14.193/2021 [5], responsável por regular a Sociedade Anônima do Futebol.

A disrupção em vigor não reside apenas na mudança de estrutura de associação esportiva para sociedade anônima do futebol, mas na concepção do futebol como modelo de negócio profissional, intangível e socialmente responsável, que transcende as quatro linhas do campo.

No Brasil temos dois ótimos exemplos de boa governança e gestão corporativa no futebol; podemos citar o Club Atlético Paranaense e o Red Bull Bragantino.

Os dois clubes analisados apresentaram nos anos de 2019, 2020 e 2021 resultados financeiros e esportivos satisfatórios; revelaram jovens jogadores convocados pela seleção brasileira e, auferiram valores significativos com a venda desses jogadores para grandes clubes, a exemplo, os atletas Bruno Guimarães vendido ao Lyon da França e Claudinho vendido ao Zenit da Rússia.  

Dentro desta nova realidade, a advocacia está presente como importante fator de preservação deste ecossistema corporativo.

Na prática, as bancas podem oferecer serviços que aprimorem a governança corporativa dos entes desportivos, tais como: elaboração e revisão de estatutos de forma customizada, com cláusulas que proporcionem transparência, prestação de contas, mitigação de riscos e boa gestão dos administradores e cartolas, implementação de programa partnership, código de ética e conduta para sócios, jogadores e funcionários, política de privacidade e proteção de dados, dentre outros.

Você pode ignorar a realidade, mas não pode ignorar as consequências de ignorar a realidade. O futebol pátrio carece de governança, gestão e planejamento.

 

Notas

[1] Ações de sustentabilidade adotadas pelo FGR: (i) Painéis solares sobre as arquibancadas e uso de energia eólica; (ii) Equipamentos de economia de consumo de energia; (iii) Van elétrica para o transporte do material dos jogadores; (iv) Menu vegano em dias de jogo e também para o elenco principal; (v) Gramado cuidado sem pesticidas ou fertilizantes. Em 2019/20, com os impactos da pandemia do coronavírus, o FGR teve uma redução de 18% no consumo de eletricidade e de 70% no de gás. Neste sentido: LOIS, Rodrigo. “O clube mais "verde" do mundo: conheça o Forest Green Rovers, da quarta divisão inglesa”. Disponível em: https://globoesporte.globo.com/futebol/futebol-internacional/futebol-ingles/noticia/o-clube-mais-verde-do-mundo-conheca-o-forest-green-rovers-da-quarta-divisao-inglesa.ghtml. Capturado em 06/10/21.

[2] “Economia de escala é aquela que organiza o processo produtivo de maneira que se alcance a máxima utilização dos fatores produtivos envolvidos no processo, procurando como resultado baixos custos de produção e o incremento de bens e serviços. Ela ocorre quando a expansão da capacidade de produção de uma empresa ou indústria provoca um aumento na quantidade total produzida sem um aumento proporcional no custo de produção. Como resultado, o custo médio do produto tende a ser menor com o aumento da produção” CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Economia de Escala.  Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Economia_de_escala. Capturado em 04/08/2021.

[3] BRASIL. PL 5516/2019. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis n. º 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). Autoria: Senado Federal - Rodrigo Pacheco - DEM/MG. Situação: Aguardando Sanção. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2286993. Capturado em 04/08/2021.

[4] A Uefa diz que o fair play financeiro "visa a melhorar a saúde financeira global do futebol europeu, dos clubes de modo geral". Os times precisam provar que não têm dívidas em atraso em relação a outros clubes, como em negociação de atletas, que pagam em dia a folha do elenco, segurança social e autoridades fiscais. Em outras palavras, têm de provar que pagaram as contas, que gastaram menos do que arrecadaram na temporada. Para avaliar essas questões, o Comitê de Controle Financeiro dos Clubes da Uefa (CFCB) analisa as contas consolidadas de todos os clubes participantes da entidade nos últimos três anos. Fonte: UEFA. Financial Fair Play. Disponível em: https://www.uefa.com/insideuefa/protecting-the-game/financial-fair-play/. Capturado em: 06/08/2021.

[5] BRASIL. Lei n. 14.193, de 6 de agosto de 2021. Institui a Sociedade Anônima do Futebol e dispõe sobre normas de constituição, governança, controle e transparência, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico; e altera as Leis nº 9.615, de 24 de março de 1998, e 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). 

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

Coautores:

Dr. JOSE ROBERTO GOMES DE PAULA JUNIOR

Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Franca (FDF), Biólogo graduado pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV) UNESP de Jaboticabal. Especialista em Educação Ambiental pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) ,Pós- Graduando em Direito Agrário e Ambiental pela EBJUR, Pós – Graduando no Programa Lato Sensu de MBA em ESG & IMPACT da Trevisan Escola de Negócios em São Paulo. Membro da Comissão Estadual de Meio Ambiente da OAB/SP e Membro da Comissão Especial de Direito Agrário e Relações Agrárias da OAB/SP. Associado da União Brasileira de Advocacia Ambiental (UBAA). Palestrante, Pesquisador, Autor e Organizador de obras Cientificas e Didáticas.

Dr. FERNANDO AUGUSTUS TEIXEIRA

Especialista em Direito Desportivo, pela UNINTER – Centro Universitário Internacional, com grande experiência e atuação destacada em departamentos jurídicos de clubes de futebol profissional.

 

 

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