A Jurimetria e a nova era da inteligência jurídica

A Jurimetria e a nova era da inteligência jurídica

 

“Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas” (Sun Tzu)

 

O Direito, enquanto ciência social, por meio do sistema de precedentes consagrado no código de processo civil [1], vem prestigiando, cada vez mais, a orientação quantitativa, para fins de materializar a segurança jurídica nas decisões judiciais.

Há escassez de tempo e recursos. Aplicativos, startups são uma amostra da necessidade de se proporcionar serviços ágeis e personalizados para atender a uma constante massificação das demandas.

O crescimento da rede mundial de computadores proporcionou um aumento da informação quantitativa prontamente disponível.

Neste contexto, a advocacia contemporânea, especialmente a partir do advento do processo eletrônico, vem sofrendo uma profunda transformação, no seu modelo de negócio.

Hodiernamente, as demandas carecem de prognósticos precisos quanto às chances de sucesso e riscos de infortúnio, cuja lacuna só pode ser suprida, por meio de uma advocacia mais assertiva, estratégica e consultiva.

Muitas vezes, vemos negociações e oportunidades de negócios serem desperdiçadas pelo profissional jurídico, especialmente por não oferecer um parecer prévio e preciso quanto ao êxito de uma investida judicial.

Não basta ao Direito a pureza conceitual de seus institutos e remédios; mais importante do que tudo isto é a obtenção de resultados.

Até porque, como é notório em nosso país, enfrentar processos judiciais é algo bastante oneroso e moroso, sendo imprescindível o estudo prévio de sua viabilidade econômica e do custo de oportunidade [2].

O convite a nos reinventar com a necessidade da mudança de paradigmas é real, como leciona Darwin, não são os mais fortes e sim aqueles que se adaptam melhor os mais bens sucedidos.

Neste compasso, mostra-se indispensável o uso contínuo da estatística a advocacia, enquanto fonte consultiva e de excelência, para redução de estoques de contendas e a contingenciar riscos, propiciando aos seus clientes maiores riquezas.

Conforme leciona os Professores Alan Agresti e Barbara Finlay [3], a estatística ajuda você a dar sentido a toda informação absorvida e entender melhor o mundo, definindo-a como:

“a estatística consiste em um conjunto de métodos para obter e analisar dados. Especificamente, a estatística fornece métodos para: 1. Delineamento: Planejar como coletar os dados para estudos de pesquisa. 2. Descrição: Resumir os dados. 3. Inferência: Fazer previsões baseadas nos dados”

O uso da estatística aplicada ao Direito ganhou a nomenclatura de Jurimetria.

O histórico de sua utilização inaugural remonta o longínquo ano de 1.709, atribuída ao matemático suíço Nicolau I Bernoulli, em sua tese de doutorado De Usu Artis Conjectandi in Jure [4] sobre precificação de seguros, confiança em testemunhas, probabilidade de inocência de um acusado, entre outros assuntos.

O presidente da Associação Brasileira de Jurimetria [5] Marcelo Guedes Nunes, nos traz um conceito didático e prático sobre a jurimetria e a sua diferença quanto ao pragmatismo do Direito:

“A jurimetria é a base de toda a inteligência que será aplicada na resolução dos conflitos. São os insumos obtidos por meio da jurimetria que vão possibilitar a escolha mais assertiva por parte dos profissionais. É o uso da estatística para entender como o direito funciona na prática… Estudamos no direito o plano abstrato: o que a lei diz, as hipóteses legais, o que prevê a jurisprudência. Já na jurimetria, o foco é entender o direito de baixo para cima. Olhamos os tribunais para analisar os conflitos reais e compreender o que está ocorrendo” [6]

Com amparo nestas premissas, indaga-se: porque estas informações obtidas pela jurimetria são valiosas a advocacia e as empresas?

Por uma simples razão: Contingenciamento de demandas/provisionamento judicial [7], além de oferecer melhor estratégia ao negócio, com a mitigação de riscos e crescimento de riquezas, por meio de soluções jurídicas personalizadas e aderentes a realidade corporativa.

A pesquisa artesanal morosa e genérica por meio de acesso ao sítio do tribunal onde tramita o processo é substituída pelo uso de uma correta e precisa captação de dados, coletados pela jurimetria.

Os benefícios são evidentes; além de menor dispêndio de tempo o profissional terá um controle bem mais detalhado sobre as decisões judiciais, sabendo de imediato quantas vezes aquela vara ou aquela turma já julgou a mesma matéria e a natureza das decisões (procedente, improcedentes, parcialmente e etc), cruzar informações a fim de se prevenir de eventuais fraudes, colidência de ações e etc.

Reduzir custos atualmente é muito mais do que cortar números, é saber identificar as deficiências do próprio negócio.

O advogado, enquanto gestor jurídico, com o seu alicerce terá subsídios para tomar decisões racionais, elidindo a funesta advocacia predatória de se litigar a qualquer custo, podendo agregar vantagens econômicas ao cliente, para decidir pelo acordo, ou por seguir com o enfrentamento na justiça.

De uma maneira simplificada, a jurimetria antecipa cenários reais por meio da visão estratégica, oriunda das informações privilegiadas coletadas. Com este suporte as bancas poderão oferecer soluções que estejam mais alinhadas ao provável resultado da demanda, qualificando o seu atendimento.

Portanto, o uso desta ciência de dados pelas bancas proporcionará uma maior vantagem competitiva, aumento da produtividade e uma excelente experiência ao cliente. Porém, jamais substituirá o trabalho intelectual e a retórica do advogado.

A sabedoria está no meio. A inteligência é a habilidade de manejar conhecimento e aplicá-lo a uma hipótese concreta. Os juízos de valores não são assimilados por máquinas. Resume-se, portanto, a falácia a ideia de que os advogados serão substituídos por “robôs”.

Trata-se apenas de uma automação de subsídios para uma melhor prestação de serviço jurídico, frisa-se, mais condizente com a realidade e aderente a necessidade do cliente.

Com efeito, a jurimetria preenche uma lacuna que só era completada com o transcorrer do exercício profissional.

Veja-se que os advogados recém-ingressos no mercado e os estagiários passam a acessar uma “inteligência jurídica” que era restrita aos profissionais experientes, antecipando etapas.

Por seu turno, aos clientes, o prognóstico de eventuais enfrentamentos judiciais trará maior vantagem competitiva em relação aos concorrentes, porquanto poderá aprimorar suas técnicas de gestão, com menos passivos judiciais.

Em longo prazo, o uso desta métrica trará benefícios e menores perdas às empresas por meio de um aprimoramento de sua politica de compliance, e melhores práticas de gestão e relacionamento com clientes, funcionários fornecedores, fisco e demais stakeholders.

Do ponto de vista da gestão, a estatística poderá trazer subsídios importantes às bancas para auxiliar na produtividade do escritório: controle de custos e a gestão financeira. Nos honorários firmados por porcentagem, estimativas mais realistas, ajudam na contabilização do orçamento e das despesas.

A jurimetria pode ser utilizada por meio de software. Contudo, o caráter “enlatado” e muitas vezes, desconexo com o nicho de negócio do cliente, pode não ter nenhuma utilidade, sendo preferível a formação de um departamento de inteligência a banca, para o fornecimento destes subsídios aos profissionais do Direito.

Aos profissionais do âmbito corporativo, não basta conhecer as leis; é preciso compreender o conceito e o funcionamento do ordenamento, enquanto fonte consultiva, para tomada de decisões corporativas sólidas.

O Direito não é um fenômeno isolado no mundo fático. É necessária uma reflexão e o auxilio das demais ciências como a economia e a de dados, como a jurimetria, no exercício da advocacia corporativa, em face das complexidades e peculiaridades no mundo dos negócios.

O processo não é uma finalidade em si, e não deve ser exaltado pela sofisticação e riqueza de procedimentos, se não serve para o seu principal propósito, qual seja, de resultado, como forma de garantir um direito estável, certo, previsível, aderente à realidade dos tutelados.

Além das benesses acima apontadas, a jurimetria é uma ferramenta de pacificação social para o desenvolvimento de instituições mais adequadas a sociedade, porquanto auxilia os tutelados a compreenderem melhor as autoridades e por outro lado, contribui para a elaboração de leis mais condizentes a realidade social.

Doutra parte, favorece a resolução de conflitos por meio de composições judiciais ou extrajudiciais, desafogando o judiciário, pela maior previsão dos riscos judiciais envolvidos na demanda as partes.

A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos.

A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis, de modo que as empresas possam contingenciar os riscos judiciais, de forma adequada por meio de provisões.

Em uma sociedade de consumo submetida às oscilações e dificuldades da oferta e procura inerente as regras de mercado, provisionar perdas é essencial as atividades empresariais.

O Estado de Direito é antes de tudo uma conquista dos povos civilizados, que gera segurança e previsibilidade, constituindo-se como uma defesa contra a arbitrariedade.

A jurimetria e o sistema de precedentes do vigente código de processo civil são provas da importância de se garantir um direito estável, certo e previsível aos jurisdicionados, priorizando-se a segurança jurídica, a composição de acordos, com menores prejuízos a todos os envolvidos.

Nesta sequência, a advocacia enquanto gestora jurídica deve ser aliada das empresas na sua função de gerir e agregar valores e riquezas.

A reciclagem do profissional é necessária. É um desafio às bancas a proporem as empresas um modelo de negócio mais criativo e alinhado com as novas mudanças do mundo corporativo.

No âmbito acadêmico, idem, devendo ser promovida a jurimetria ao status de disciplina da grade curricular do curso de Direito, como ciência indispensável para a resolução dos conflitos, frisa-se, reais e não meras suposições doutrinárias.

As empresas e as bancas precisam trabalhar em conjunto. O advogado deve ir além da ciência jurídica, e avaliar com precisão o custo econômico de uma decisão judicial, bem como, dos riscos de êxito ou insucesso nas demandas, de modo a permitir as empresas provisionarem perdas, aperfeiçoando-se, deste modo, a sua gestão.

É necessário, portanto, desatar os nós das “gravatas mentais” da profissão. O novo mercado exige uma advocacia mais colaborativa e próxima e menos contenciosa, mais profilática e menos reacionária, e que seja descomplicada, ágil e inovadora.

A advocacia não é apenas um “serviço indispensável à administração da justiça” como apregoa a Constituição Federal. É um agente econômico, protagonista e gerador de riquezas na economia. Não deve ser confundida com fóruns e burocracias.

O advogado não é um burocrata restrito ao contencioso judicial, é antes de tudo um profissional técnico, gestor e liberal na essência, cujo portfólio de conhecimentos e serviços postos a disposição do mercado, garante a ele a sua identidade (intuitu personae) e o legitima, com sua excelência e ética, a máxima de que um grande advogado, assim como as empresas, é bem sucedido por sua reputação e gestão de seus ativos, como verdadeiro negócio.

 

Notas

[1] A lei deixou de ser o único paradigma obrigatório que vincula a decisão do julgador. Os precedentes judiciais também vinculam as decisões judiciais atualmente, já que o novo CPC estabelece que não se considera fundamentada qualquer decisão judicial que deixar de seguir precedente ou jurisprudência invocada pela parte, sem mostrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

Essa é a redação do artigo 489, § 1º, VI, CPC:

 “Art. 489. (...)

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

(...)

VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”

[2] Conforme leciona o Professor Mankiw, “as pessoas enfrentam tradeoffs, a tomada de decisões exige a comparação dos custos e benefícios dos vários cursos de ação. Em muitos casos, contudo, o custo de alguma ação não é tão óbvio como poderia parecer à primeira vista” Assim sendo, o custo de oportunidade, neste contexto, seria a perda daquilo que se abre mão para obter a benesse escolhida. (MANKIW, N. Gregory. Introdução à economia: princípios de micro e macroeconomia. Do original: Principles of Economics – Second Edition, The Dryden Press – Harcourt Brace College Publishers. Tradução: Maria José Cyhlar Monteiro. Rio de Janeiro: Editora Campus, 2. ed. Pág. 05 e 6.

[3] AGRESTI, Alan e FINLAY, Barbara. Métodos Estatísticos para as ciências sociais. Tradução: Lori Viali. 4ª edição. Penso. 2012. Pág. 19.

[4] Bernoulli, M. N. “The use of the Art of conjecturing in Law”, 1709. 5. Hald, A. “A history of probability and statistics and their applications before 1750”, Vol. 501. John Wiley & Sons, 2003.

[5] A Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ) é uma instituição sem fins lucrativos, fundada em 2011, que tem como objetivo principal incentivar o uso da Jurimetria, estudo empírico do Direito, como ferramenta de tomada de decisão e melhora da prestação Jurisdicional Brasileira. É formada por pesquisadores das áreas do direito, da estatística e atualmente é a única organização brasileira que tem como objetivo a realização de pesquisas empíricas voltadas para a compreensão e gestão estratégica dos institutos de direito, participando de ações voltadas para a administração de tribunais, elaboração de leis, análise de carteiras e populações de processos e pesquisas acadêmicas em geral. Disponível em: https://abj.org.br/institucional/, acessado em 03/08/19.

[6] Jurimetria: entenda como os dados podem ajudar o setor jurídico. Blog Academia MOL – Mediação Online. A Academia MOL – Mediação Online é um portal de conteúdo sobre os métodos alternativos de solução de conflitos e empreendedorismo. Nossa missão é difundir a cultura desses temas no Brasil e no mundo. Disponível em: https://www.mediacaonline.com/blog/jurimetria-entenda-como-os-dados-podem-ajudar-o-setor-juridico/. Acessado em 03/08/19.

[7] O correto dimensionamento dos riscos judiciais, favorecidas por uma segurança jurídica aqui entendida, pela previsibilidade das decisões judiciais, reduzem os recursos destinados ao provisionamento, o que significa trocar o dinheiro de coluna no balanço, saindo da parte de perdas, liberando-se recursos para o crescimento do negócio, com o acréscimo de riquezas.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

Compartilhar: