Metaverso: estamos prontos?

Metaverso: estamos prontos?

 

A ideia do metaverso trouxe reflexões para diferentes setores sociais. A sua tecnologia não é convite ao paraíso, porquanto, deve ser utilizado com senso de responsabilidade social, jurídica e econômica.

 

“A Matrix é um mundo dos sonhos gerado por computador feito para nos controlar, para transformar o ser humano… Quero libertar sua mente, Neo. Mas só posso te mostrar a porta. Você tem que atravessá-la” (Morpheus, Matrix)

 

A terminologia metaverso, não é recente. Este termo foi utilizado pela primeira vez na obra "Nevasca", de Neal Stephenson, lançada em 1992 [1]. Exemplos mais recentes são os jogos eletrônicos Second Life, Roblox e Fortnite [2]

Contudo, com o apogeu da pandemia do covid-19, a empresa Facebook, atual Meta, anunciou a intenção de adotar o metaverso em sua plataforma. Assim sendo, essa nova tecnologia social saiu do nicho de contos de ficção e de jogos eletrônicos, para tornar conhecido em escala mundial.

Mas, afinal de contas, o que é o metaverso? É um jogo de videogame? Um mundo virtual, gerado pelo usuário ou por uma plataforma? Ferramentas da internet?

Na verdade, essas atividades são apenas formas de experimentar o metaverso.

É um processo tecnológico, ainda em curso, complexo. Não há um conceito pronto e preciso, ou mesmo, um criador único.

Todavia, pode ser compreendido como um ecossistema tecnológico, sucessor da internet, que combina diversos elementos, como E-commerce, inteligência artificial, redes sociais, realidade virtual e aumentada, games online e criptomoedas, para o acesso a uma espécie de “vida digital” (social, relação de consumo e/ou profissional), em alguns casos ficcionais, proporcionando a seu usuário uma experiência de imersão.  

Como bem explica o especialista Juan Pablo D. Boeira [3]:

 

“Assim como o iPhone parece a internet móvel porque o dispositivo incorporou as muitas inovações que permitiram que a internet móvel se tornasse mainstream, esses “jogos” reúnem muitas tecnologias e tendências diferentes para produzir uma experiência que é simultaneamente tangível e diferente de tudo o que veio antes. Mas eles não constituem o Metaverso. O Metaverso portanto, pode ser entendido em torno de oito categorias principais: hardware, rede, computação, plataformas virtuais, ferramentas e padrão de intercambio, pagamentos digital, conteúdo, serviços e ativos do metaverso e comportamentos do usuário”

 

Cada vez mais estamos próximos de transformar o mundo real em um grande contínuo virtual.

Contudo, quais são os seus benefícios? Riscos? Há funções práticas em benefício da sociedade e do bem comum?

Para começar, tudo dependerá da cultura de governança ética, social, e ambiental – o famoso ESG [4], envolvido no projeto.

Como benefícios, citamos a utilização dos elementos do metaverso, como a realidade aumentada e a virtual [5], para a medicina; não só quando o aprendiz, estudante de medicina, está diante de um modelo do corpo humano projetado à frente dele, mas também para que o próprio médico, frente a um procedimento cirúrgico, consiga, olhando para o paciente, ver as informações que foram obtidas a partir de exames, casadas com a visão do médico.

Na área médica, servem também como auxílio no tratamento de fobias; uma pessoa que tem fobia de avião, por exemplo, será tratada com o auxílio de uma realidade virtual.

Por sua vez, no mundo dos negócios, já há um mercado dos “armários e provadores virtuais”, por meio da tecnologia kinect que captura o corpo de uma pessoa e ela pode ir trocando a vestimenta, adaptada ao corpo [6]. Dá para criar aplicações em que você navega dentro de um apartamento virtual antes dele ser construído, por exemplo.

Na sequencia, há uma infinidade de novos negócios na área de propriedade intelectual/industrial como a criação de "skins", figuras, emblemas no ambiente digital.

No caso da educação, tem aplicações diversas, para maior acesso ao conhecimento, por meio da simulação de laboratórios de física ou química, nos computadores e demais dispositivos móveis.

A engenharia também é agraciada; você pode acompanhar o desenvolvimento de uma obra apontando o tablet ou usando capacete e vendo já o prédio virtual como ficaria, ou naquele estágio da construção, onde ele deveria estar e como ele está agora.

Na área corporativa, facilitar-se-ão os negócios, por meio de ambientes virtuais. Reuniões com "avatares" de CEO's de diversas companhias, em diferentes partes do mundo, poderão ser feitas na mesma mesa e ambiente virtual.

Esses são alguns benefícios, passíveis de serem maximizados, conforme a demanda, maturação do produto e a popularização da tecnologia.

Entretanto, a tecnologia social do metaverso, não é um convite ao paraíso, porquanto há riscos oriundos de sua utilização desregrada e sem propósito.

Do ponto de vista da saúde mental, estudos sugerem que uma exposição prolongada a uma experiência virtual tão profunda pode levar indivíduos a casos de comportamentos antissociais, violência, depressão e, no extremo, suicídio. E justamente por ser algo tão novo e pouco estudado, não se sabe exatamente quais seriam esses efeitos colaterais e como preveni-los, especialmente, envolvendo crianças, adolescentes e portadores de vertigem e labirintite. [7]

Na esfera jurídica, a vulnerabilidade digital fica patente neste novo ecossistema, passíveis de maior preocupação quanto à regulação e proteção de dados, como bem aponta o especialista Guilherme Mucelin:

 

“Vulnerabilidades estão sendo expostas, criadas e manipuladas por quem tem o poder de direção do mundo digital. Assim como a minha privacidade é a sua privacidade, a minha vulnerabilidade poderá ser a sua” [8]

 

E, mais, como serão protegidos os direitos da personalidade (honra, imagem e privacidade), autorais, do consumidor e contratuais, na interação entre os “usuários avatares”?

São questões pontuais, que viram à tona, de forma imediata, conforme os "metaversos" forem desenvolvidos e a consequente demanda e interação digital crescer.

As investigações e repressões das autoridades (Judiciário, policiais e etc.) devem se aprimorar no mesmo ritmo das tecnologias [9], sendo necessária uma maior especialização nos métodos investigativos, com a possibilidade de identificar seus usuários, sem que as autoridades se empenhem em proibi-las, sob o pretexto distorcido de se estabelecer uma campanha contra o crime organizado.

Essa especialização, em um negócio que vem crescendo cada vez mais, propiciará maior segurança jurídica aos investidores, empresários e usuários.

A tecnologia há de servir as pessoas e não o contrário. Há de se ter sempre a compreensão de que os direitos da personalidade e integridade física e psíquica peculiar às pessoas são indispensáveis, inalienáveis e insubstituíveis.

Estamos na fase de romance do metaverso, onde há belos discursos. A grande dificuldade será adiante, ou seja, diferenciar o que são apenas palavras de um compromisso efetivo de práticas sociais, mormente a de inserção e qualificação dos mais pobres aos meios de produção e consequente geração de riquezas e do progresso material dos povos.

A falta de sintonia da tecnologia com o bem comum terá o condão de erigir o metaverso à condição da droga "soma", arquitetada pelo escritor Aldous Huxley [10], como controladora das funções sensoriais dos seres humanos, para sentirem felizes e conformados, conforme os seus desígnios, como se a vida humana fosse um jogo de videogame.

Encerro o texto com a seguinte provocação: metaverso: estamos prontos? Você, leitor, está?

 

*Free-photos por pixabay (imagem ilustrativa)

 

Notas:

[1] Ficção, de: Neal Stephenson, trad. portuguesa de Paulo Faria, título original: Snow Crash, Lisboa: Editorial Presença, 2002 / 1992, ISBN: 972-98506-5-8. 469 páginas.

[2] “Second Life é um jogo de 2003 criado pela Linden Lab. O propósito do Second Life era de criar uma realidade paralela onde usuários poderiam jogar, socializar, trabalhar, comprar e vender propriedades, entre outras atividades. Houve muito interesse nos primeiros anos do jogo, com cobertura jornalística do Estadão no jogo, exposições do Itaú Cultural e apresentação de bandas. Roblox, jogo criado em 2006, está se tornando um metaverso, com diversos jogos criados por outros desenvolvedores, dando a oportunidade dos usuários do Roblox de jogarem diversas coisas. Fortnite expandiu seu jogo, mais conhecido pelas suas partidas de jogos battle royale para permitir que seus jogadores assistissem curtas animados e apresentações musicais” CONTEÚDO aberto. In: Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Metaverso. Capturado em 29/11/2021.

[3] BOEIRA, Juan Pablo D. PhD e Mestre em Inovação pela UNISINOS, Certificação em Inovação por Harvard e Business pelo MIT e CEO da AAA Inovação. Trazendo o metaverso para a prática. Publicado em 19/11/2021. Portal Época – Editoria Negócios. Disponível em: https://epocanegocios.globo.com/colunas/Changemaker/noticia/2021/11/trazendo-o-metaverso-para-pratica.html. Capturado em: 28/11/2021.

[4] ESG, sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português).

[5] Conforme explicação do Professor Dr. Antônio Carlos Sementille, “Essas duas áreas de pesquisa são complementares. A realidade virtual (RV) consiste em você criar um ambiente totalmente gerado pelo computador, 100% virtual. O usuário pode interagir com esse ambiente, e o ideal seria que ele emergisse nele; ou seja, tudo que ele veria ali seria gerado por computador. No caso da realidade aumentada (RA), o usuário continua vendo o mundo real, complementado de alguns elementos virtuais. De repente, eu olho para um motor real de automóvel e vejo o interior dele com as válvulas se mexendo e a explosão acontecendo, por exemplo, mas eu continuo vendo o mundo real” PRADO. JEAN. As mil e uma utilidades da realidade virtual e aumentada. Portal Tecnoblog. Disponível em: https://tecnoblog.net/195283/realidade-virtual-aumentada-aplicacao-diferenca-futuro/. Capturado em 29/11/2021.

[6] FERNANDES, Clara. Interação e Tecnologia ao Serviço da Moda: The Virtual Interface Kinect Interaction. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Design Moda. Outubro 2013. UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR. Covilhã, Portugal.

[7] SILVESTRE, Paulo. Os benefícios e os riscos do metaverso de Zuckerberg. O Estado de São Paulo. Blog O macaco elétrico. Publicado em 01/11/2021. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/blogs/macaco-eletrico/os-beneficios-e-os-riscos-do-metaverso-de-zuckerberg/. Capturado em 29/11/2021.

[8] MUCELIN, Guilherme. Metaverso e vulnerabilidade digital. Portal Conjur. Publicado em 24 de novembro de 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-nov-24/garantias-consumo-consideracoes-metaverso-vulnerabilidade-digital. Capturado em 29/11/2021.

[9] Como, por exemplo, sugerimos a instalação de Juízos e Câmaras de julgamento especializados em tecnologia e negócios digitais, bem como, de departamentos de inteligência na esfera policial.

[10] HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. São Paulo: Ed. Globo. Tradução: Lino Vallandro, Vidal Serrano. 22ª edição.

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