Não basta ser sócio tem que participar!

Não basta ser sócio tem que participar!

Sócio apenas nominal não tem direito a quota-parte em venda de empresa 

 

Sócios na acepção jurídico empresarial são pessoas que possuem objetivos comuns e lucrativos, e, que, para atingir tal fim, há a junção de vontades, capital e esforço de trabalho, como forma de investimento, em favor de um empreendimento.

No tocante aos tipos de sócios presentes nas sociedades empresárias limitadas há o administrador, responsável pela gestão da empresa, tendo como premissa principal, o respeito aos limites que o ato constitutivo impõe ao exercício de suas funções. Suas ações são pautadas na lei e com o disposto no contrato social.

Por outro lado, os quotistas, são sócios capitalistas, que detêm parcela de propriedade da empresa, fazendo jus ao recebimento de lucros ou suportar os prejuízos da empresa, conforme seus resultados.

Enquanto que o sócio administrador recebe o pró-labore pelo pagamento do trabalho que desenvolve na empresa, o quotista é remunerado quando a empresa possui resultado positivo pelos lucros a serem distribuídos entre os sócios.

Há também a figura do sócio fundador ou proprietário, de caráter mais prestigioso, porquanto, durante a maturidade da empresa ele pode assumir uma das outras funções, de sócio administrador ou de sócio quotista.

Neste contexto, esta relação do “ter” a sociedade é que se torna perigoso ao sócio, o qual deverá identificar que o mesmo não “tem” a sociedade, mas uma “quota” dela. Isto implica na compreensão e aceitação de limites entre a sociedade e seus sócios, os quais necessitam compreender que são “quotistas”, mas não donos, ou proprietários da “empresa”.

A palavra “quota”, ou “cota”, tem o significado de parte, parcela de alguma coisa. No direito societário, a quota está ligada ao capital social da empresa, pois o capital social (nas sociedades contratuais) é dividido em quotas.

Deste modo, conforme leciona a Doutrina [1], a quota não somente consiste na “(...) entrada, ou contingente, de bens, coisas e valores com o qual um dos sócios contribui ou se obriga a contribuir para a formação do capital social”, mas também no “(...) complexo de direitos, poderes, obrigações ou faculdades, que compõe o status do sócio, por força de celebração do contrato social”.

Em apertada síntese, as quotas representam os direitos que os sócios possuem em relação à sociedade. Esses direitos podem ser políticos (direito de votar) e/ou econômicos (como o de receber sua participação nos lucros).

Os sócios possuem direitos e obrigações perante a sociedade a sociedade. Não podem ser apenas de cunho nominal, ou meramente de fachada.

Analisando essa premissa, para o sócio deter direitos é necessário o prévio cumprimento de obrigações, mormente a de realizar (pagar) a sua participação no capital social, no montante que tenha subscrito na constituição da sociedade ou em aumentos de capital, observadas as condições (forma e prazo) previstas no contrato social ou na alteração contratual.  

Caso não cumpra com esse ônus, ele é considerado remisso, e, portanto, inadimplente para com a obrigação de pagar à sociedade a sua parte para a formação do capital social. Se a inadimplência perdurar por mais de trinta dias da notificação pela sociedade, o sócio ficará constituído em mora e responderá pelos danos que a sociedade sofrer em decorrência da mora, ou até mesmo, ser excluído da sociedade, em conformidade com os arts. 1.004, 1.031 e 1.058 do Código Civil.

Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas sociais, entretanto todos respondem solidariamente até que ocorra a efetiva e plena integralização do capital social (artigo 1.052 do Código Civil).

Importante salientar que, conforme dispõe o art. 1.055, parágrafo 2º, do Código Civil, é vedada a contribuição do sócio que consista em prestação de serviços, na sociedade limitada, situação esta admitida nas sociedades simples (art. 997, V, do Código Civil).

O chamado “sócios-fantasma” ou “sócios-laranja”, ou mesmo "sócio nominal", era e é a realidade de muitas sociedades do tipo limitada, que se utilizam dele para poder fazer jus ao tipo de responsabilidade limitada dos sócios. Assim, visando ao recebimento desse benefício, o da responsabilidade limitada, salvaguardando o seu patrimônio pessoal, muitas sociedades que, de fato, eram limitadas, usavam familiares ou mesmo amigos, e até mesmo empregados de confiança, para compor o quadro social mesmo que nominalmente.

Na mesma toada, seguindo a tendência mundial que se consolidou há décadas, regulariza-se, finalmente, a sociedade limitada unipessoal, de maneira a encerrarmos a prática que se multiplicou exponencialmente em que um sócio é chamado tão somente para preencher a necessidade de pluralidade, sem real cota significativa no negócio.

No caso em apreço, a inclusão do § 1º do art. 1.052 no Código Civil pela Lei nº 13.874/2019 (Lei de Liberdade Econômica) e o art. 41 da Lei 14.195/2021 (Lei de Melhoria do Ambiente de Negócios) acarretaram, respectivamente, a formação de sociedades limitadas unipessoais e a conversão automática das EIRELI existentes em sociedades limitadas unipessoais.

Contudo, ainda há casos sub judice de pseudo-sócio que apenas “empresta” seu nome para compor a sociedade e, ainda assim, pretende receber os valores referentes a sua cota, por ocasião da venda da empresa.  

Recentemente, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo reformou sentença de 1º grau e afastou a condenação de duas pessoas ao pagamento da quota-parte de sócio nominal após venda da empresa do ramo de hotelaria.

Segue abaixo a ementa:

“MÉRITO - Sociedade empresária familiar Autor, BRUNO, que é filho da corré, BERNARDETE Alegação de que o autor, BRUNO, somente emprestou seu nome para compor o quadro societário da empresa, jamais tendo trabalhado ou exercido qualquer poder de gerência Autor que, efetivamente, recebeu as 10.200 cotas sociais de seu tio um ano antes Autor, ademais, que morava com sua genitora Argumento da apelante que, em verdade, sustentou de forma veemente que o autor, BRUNO, não pagou pelas cotas sociais, nunca exerceu qualquer atividade na empresa e, por isso, jamais poderia receber qualquer produto da venda do estabelecimento Antes da lei nº 13.874/19, que cuida da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, inexistia na época da inclusão do autor como sócio, para ensejar a possibilidade de que a sociedade limitada fosse unipessoal Realidade brasileira com o grande uso dos chamados “sócios-fantasma”, “sócios-laranja” ou “sócios-nominais”, cujo fito era somente para a constituição de sociedades do tipo limitadas Muitas vezes se utilizavam familiares, ou amigos e até empregados de confiança, para a composição do quadro social, mesmo que de forma apenas nominal Observações feitas a luz do artigo 375 do Código de Processo Civil de 2015 Ademais, tal problemática dos costumes sociais foi incluída na própria exposição de motivos da lei nº 13.874 que reconheceu a prática dos empresários nacionais, já reconhecidos, também pelas justiças trabalhistas, de direito tributário (fiscal) e penal Não se mostra fora do comum, portanto, que, em uma empresa familiar, o autor, BRUNO, que é filho de BERNARDETE e sobrinho de WILSON, ex-titular, tivesse recebido as cotas apenas para se manter formalmente o caráter limitado da empresa Dessa maneira, o autor, BRUNO, no mínimo na réplica, deveria ter trazido aos autos comprovação de que, efetivamente, teria recebido, em 2012, as cotas por meio oneroso ou por doação, para justificar sua pretensão de recebimento de parte dos valores da venda do estabelecimento comercial objeto da ação Autor que tinha o ônus de comprovar a origem de suas cotas Após a contestação da corré, BERNARDETE, deveria ter acostado aos autos documentos, ou mesmo requerido produção de prova oral ou pericial que fosse, que demonstrasse sua legítima condição de sócio, que lhe tornasse apto a receber parte do produto da venda Prova que era facilmente produzível por ele e dificilmente a ser a ser demonstrada pela genitora (prova diabólica) Presente caso que, ademais, deve ser lido pelos ditames da boa-fé objetiva Código Civil de 2002, em seu artigo 422, que consagrou tal princípio na análise de relações contratuais Sem a prova, por parte do autor, que pretende receber sem demonstrar que pagou pelas mesmas cotas, importa, sob essa ótica, pós moderna, em enriquecimento ilícito Enriquecimento ilícito, ademais, que é vedado também, pelo Código Civil Inteligência do artigo 884 do Código Civil Sentença, portanto, que deve ser reformada nesse quesito, excluindo-se da decisão de primeiro grau a condenação ao pagamento da quota-parte pleiteada pelo autor quanto ao valor de venda do estabelecimento comercial – Inversão dos honorários advocatícios Sentença Reformada Recurso Provido” (Ap. n. 1017742-22.2016.8.26.0564. Des. Rel. Jane Franco Martins. Julgado em 25/08/2021. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo)

De acordo com os autos, o autor da ação entrou no quadro social da empresa por ter recebido as cotas de seu tio, tornando-se sócio do negócio junto à mãe, pois, na época, inexistia a possibilidade de que a sociedade limitada fosse unipessoal. Depois de cerca de um ano, o estabelecimento comercial foi vendido, mas o autor não recebeu os valores referentes à sua cota na sociedade. De acordo com ré, sócia do hotel e responsável pela venda, o ex-sócio não teria direito a nenhum valor referente ao negócio, pois apenas “emprestou” seu nome para compor a sociedade após a saída do tio, sem jamais ter exercido qualquer função.

Para a relatora do recurso, Des. Jane Franco Martins, o autor não conseguiu provar que, de fato, era parte ativa da sociedade. “Era prova fácil ao autor, que poderia ter acostado comprovantes de pagamento, extratos de sua conta bancária ou mesmo escritura de doação das referidas cotas recebidas de seu tio. Em nenhum momento o fez e isso informa o convencimento desta relatora sobre o caso em questão”, escreveu.

Dessa forma, segundo a magistrada, receber qualquer quantia pela venda do hotel seria enriquecimento ilícito. “Determinar que os corréus paguem ao autor percentual sobre a venda", escreveu ela, "sem que esse tenha exercido qualquer gerência ou controle sobre a propriedade, ou mesmo tenha pago as referidas 10.200 cotas, importaria, data venia, ao entendimento do juízo a quo, em enriquecimento ilícito do autor. Se o autor não pagou pelas suas cotas, não as recebeu por doação, não trabalhou no hotel nem contribuiu de qualquer maneira ao esforço social da empresa, prova que lhe incumbia, não poderá receber qualquer parte da venda da referida empresa”, destacou.

O julgamento, de votação unânime, teve a participação dos desembargadores Cesar Ciampolini e J.B. Franco de Godoi.

Do exposto, podemos concluir que a figura do sócio não se restringe apenas a composição do quadro societário da empresa, frisa-se, de forma passiva, formal e burocrática; é necessário uma conduta comissiva, qual seja, contribuir de alguma maneira no esforço social da empresa, e/ou um vínculo originador; seja ele um contrato de doação, ou mesmo, a integralização da subscrição de suas quotas, em defesa da própria affectio societatis e a da boa-fé objetiva[2] que devem imperar nas relações contratuais, em contraposição ao enriquecimento ilícito.  

Parafraseando um famoso comercial dos anos 80, “não basta ser sócio, tem que participar”.

 

Notas:

[1] REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 479.

[2] BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. A boa-fé objetiva demanda de ambas as partes de uma relação contratual uma atitude proativa para a consecução do fim do contrato, em atenção ao princípio constitucional da solidariedade. O Código Civil de 2002 deixou clarevidente a necessidade de que a boa-fé seja guardada em todos os momentos da relação contratual, conforme o teor do seu artigo 422: “Art. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”

*Foto: Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa)

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