O ESG e seus impactos no agronegócio

O ESG e seus impactos no agronegócio

A divulgação de teorias intelectuais sobre o agronegócio é necessária, e certamente contribuirá para a evolução dos trabalhos no campo.

“A cultura come a estratégia no café da manhã” (Peter Drucker)

 

O ESG sigla em inglês para “environmental, social and governance” (ambiental, social e governança, em português) deve ser um componente obrigatório no âmbito corporativo, assim, como o freio ABS, tido como diferencial no passado e hoje, indispensável por sua importância.

Não é apenas uma questão de marketing e sim de ação, por meio da consolidação de um processo de governança em todos os níveis da empresa, começando pelo conselho, com comitês e processos internos, até chegar ao RH e as terceirizadas.

A letra “S” da sigla – Social – abrange todos os stakeholders corporativos: acionistas, clientes, colaboradores, comunidade, concorrência, equipe envolvida em um projeto, fornecedores, terceirizados, gestores, mídia, governo e sindicatos.  

No Brasil, a atenção dada pelas empresas e pela mídia ao stakeholder capitalism e à pauta ESG cresceu de forma exponencial nos últimos anos, em decorrência da perplexidade causada pela pandemia de covid-19.

A temática reforça a necessidade de adotarmos uma abordagem de gestão que favoreça uma consciência maior sobre o propósito do negócio, suas relações com os grupos de interesse acima apontados e seus impactos para a sociedade. As questões ambientais, sociais e de governança devem ser elementos intrínsecos a cultura empresarial e estar alinhadas à estratégia e ao propósito do negócio.

Assim sendo, analisando a perspectiva ESG para o mundo do agronegócio, as discussões cingem-se sobre pautas, como as mudanças climáticas, a valorização da segurança alimentar e das condições de trabalho de seus colaboradores, escassez de recursos naturais e do compromisso com valores éticos e de transparência.  

Nesta toada, empresas sustentáveis e preocupadas com boas práticas de ESG agregam valor à marca, e maior atração de investimentos, proporcionando-lhe maiores vantagens competitivas no mercado, representada por taxas de juros menores, acesso a novos mercados, maior lucratividade, dentre outros.  

Na outra ponta da cadeia produtiva, há uma crescente demanda de clientes interessados em “produtos verdes” o que significa um aumento da conscientização do público em geral para problemas relacionados à sustentabilidade.

Deste modo, parte do setor já vem abraçando iniciativas para combater os impactos negativos decorrentes das suas atividades produtivas e de negócio. Para tanto, muitas delas já são signatárias de pactos e acordos globais e realizam reportes com base em padrões de métricas e indicadores internacionais, além de buscarem certificações ou reconhecimentos, como o Selo Agro + Integridade do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) [1].

Noutros termos, o ambiente de trabalho não se restringe tão somente ao local. Ele abrange os instrumentos de trabalho, o modo de executá-lo e especialmente como o trabalhador é tratado pelo empregador ou tomador de serviço e pelos próprios colegas.

A sustentabilidade no campo só se faz de maneira efetiva a partir de ações conjuntas, com propósitos que convergem para o bem comum, ou seja, pelo engajamento.

No caso do agronegócio, o setor vem implantando procedimentos de governança e formas de manejo sustentáveis, como a integração lavoura-pecuária-floresta e a agricultura de baixo carbono, o que ressalta suas condições de liderar a agenda ambiental mundial, contribuindo para a segurança alimentar e geração de energia renovável do planeta.

Esse tipo de ação, promovida pelo varejo, certamente contribui para a melhoria contínua da produção agrícola, em termos de qualidade, eficiência e menor desperdício, trazendo benefícios diretos do campo para a mesa do consumidor.

Dentre os vários aspectos e possibilidades, a contribuição dos produtos biológicos se dá por meio da redução dos riscos relacionados à possibilidade de contaminação com resíduos tóxicos nos alimentos e pela redução na emissão de gases do efeito estufa.

Outra medida de sustentabilidade de destaque é a compostagem [2]. Com esta técnica, há o reaproveitamento de resíduos de origem agropecuária, urbana, agroindustrial ou industrial, transformando-os em fertilizante orgânico que pode ser utilizado na lavoura.

Além disso, é possível perceber um oceano azul de novas transformações, passíveis de serem efetivadas, como aquelas decorrentes da gestão de resíduos e recursos hídricos, reflorestamento, políticas de redução das emissões de carbono e uso consciente de recursos naturais e etc.     

De forma conjunta, a comunicação corporativa deve ser planejada. Recentemente, um banco que direciona a maior parte de seus recursos ao crédito agrícola lançou uma campanha incentivando a segunda-feira sem carne e assim, cometeu uma gafe ao sustentar um estereótipo de que toda carne é produzida com impacto ao meio ambiente. Na tentativa de se aproximar das gerações mais novas e se posicionar em ESG, acabou contrariando seus clientes, sendo incapaz de entregar resultados sustentáveis e construir confiança.

Sem prejuízo, o maior desafio é no campo da inserção social. O interior do país tem uma força indiscutível pelas riquezas geradas pelo agro, demandando, por conseguinte, maior atenção da administração pública. Portanto, sob este viés os municípios carecem de políticas públicas de inclusão social, como a de infraestrutura básica, cidadania rural, e de qualificação profissional, especialmente na área de tecnologia.

A título de ilustração, projetos de ESG com a participação conjunta do Estado e da sociedade civil organizada voltada para a capacitação e desenvolvimento da mão de obra local em práticas de negócios atuais e com longevidade [3] poderá angariar melhores resultados sociais, em longo prazo, como o crescimento da renda per capita na localidade pela geração de riqueza e gastos na própria comunidade, novos empregos, principalmente na área de serviços como hotéis, restaurantes, padarias, varejo de moveis, transporte, dentre outras benesses.

Por outro lado, é importante observar a importância dos green bonds ou títulos verdes, enquanto papéis de dívida emitidos especificamente para financiar projetos com benefícios ambientais.

O Decreto n° 10.828/21 de 1° de outubro de 2021, publicado em 04/10/2021 no DOU, instituiu a emissão da Cédula de Produto Rural (CPR), relacionada às atividades de conservação e recuperação de florestas nativas e seus biomas. É um instrumento da iniciativa privada para preservação e conservação do meio ambiente e que permite a comercialização de produtos agrícolas com a floresta em pé ou em fase de recuperação.

Com a CPR, o produtor rural ao invés de entregar o produto agrícola, entregará o carbono retido ou seja, as árvores desenvolvidas ou em crescimento, conciliando assim a atividade desenvolvida com a redução dos impactos ambientais.

A emissão da CPR deve ser acompanhada de certificação por terceira parte, que vai identificar e especificar: a) os referidos produtos rurais; b) se as atividades resultam em redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE); c) manutenção ou aumento do estoque de carbono florestal; d) redução do desmatamento e da degradação da vegetação nativa; e) conservação da biodiversidade, do solo, dos recursos hídricos e outros benefícios ecossistêmicos.

Levando em consideração estes aspectos, é preciso que os indicadores e metas escolhidos tragam avanços ambientais e sociais na prática. Do contrário, surge a dúvida do investidor, sintetizada no seguinte questionamento: será que de fato estou investindo em uma empresa que está alinhada com o ESG ou é apenas uma greenwashing? [4]

Finalmente, percebemos que com habitualidade e sustentabilidade, proporcionado pelas práticas de mercado, o ESG é um importante fator de responsabilidade social e criação de valor a empresa [5], demandando maior reciclagem quanto a sua gestão; profilática e próxima aos seus públicos e menos contenciosa, para preservação dos negócios, criação de riquezas e transformação de vidas.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa). 

 

Notas:

[1] BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. O SELO DE INTEGRIDADE DO MAPA (MAIS INTEGRIDADE) foi instituído em 12/12/2018, pela Portaria MAPA nº 2.462, com objetivo de fomentar, reconhecer e premiar práticas de integridade por empresas do agronegócio sob a ótica da responsabilidade social, sustentabilidade, ética e ainda o empenho para a mitigação das práticas de fraude, suborno e corrupção (integridade). Disponível em: https://www.gov.br/agricultura/pt-br/assuntos/integridade/selo-mais-integridade. Capturado em 18/05/2022.

[2] A compostagem é um processo biológico onde microorganismos e animais invertebrados transformam matéria orgânica (frutas, cascas de ovo, fezes de herbívoros, restos de café etc.) em uma substância homogênea, de cor castanha, com aspecto de terra e com cheiro de floresta: o adubo.

[3] É necessário, portanto, maior reciclagem aos negócios rurais; aperfeiçoamento de novas tecnologias e modelos de negócios para a própria sobrevivência no mercado, sendo de fundamental importância à oferta de escolas de negócios aos seus empreendedores, a exemplo do “Programa Empreendedor Rural” desenvolvido pelo SENAR. Foi criado pela Lei 8.315 de 23 de dezembro de 1991 nos moldes do SENAI e SENAC e regulamentado pelo Decreto nº 566, de 10 de junho de 1992. É uma Instituição de direito privado, paraestatal, mantida pela classe patronal rural, vinculada à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e dirigida por um Conselho Deliberativo, de composição tripartite e paritária, por ser composto por representantes do governo, da classe patronal rural e da classe trabalhadora. Essa condição levou o SENAR a desenvolver, desde 2007, o “Empreendedor Rural”, um dos mais avançados programas do agronegócio brasileiro. O programa valoriza o empreendedorismo, o desenvolvimento de competências e habilidades relacionadas à criação de um projeto técnico, científico ou empresarial.

[4] É preciso saber em qual ativo será alocado o recurso, analisar a fundo a companhia por trás dos investimentos, sua cultura, sua repercussão e reputação no mercado, o histórico de atividades  relacionados ao ESG e seus resultados na prática, as estratégias usadas de acordo com o objetivo de cada investidor.

[5] Empresas que cumpre as boas práticas de ESG recebem maiores investimentos. Na bolsa de valores oficial do Brasil – B3 - há um índice sobre esta temática: S&P/B3 Brasil ESG - É um índice amplo que procura medir a performance de títulos que cumprem critérios de sustentabilidade e é ponderado pelas pontuações ESG da S&P DJI. O índice exclui ações com base na sua participação em certas atividades comerciais, no seu desempenho em comparação com o Pacto Global da ONU (UNGC em inglês) e também empresas sem pontuação ESG da S&P DJI. Para maiores informações acessar: https://www.b3.com.br/pt_br/market-data-e-indices/indices/indices-em-parceria-s-p-dowjones/indice-brasil-esg.htm. Por outro lado, Umas das inovações ESG introduzidas pela Resolução 59 da CVM foi a exigência, no item 4.1 alínea "l" do Anexo A, de informações quanto às "questões climáticas, incluindo riscos físicos e de transição" Para maiores informações acessar: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol059.html.

 

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