O que é ser "CONTEMPORÂNEO"?

O que é ser "CONTEMPORÂNEO"?

Com os avanços tecnológicos e da imersão digital, nem tudo o que é moderno pode ser considerado “contemporâneo” ou mesmo, produzido em benefício das pessoas. Nesta linha de pensamento, discorremos este artigo pautado na seguinte indagação: de quem e do que somos contemporâneos? O que significa ser contemporâneo?

“Perceber no escuro do presente essa luz que procura nos alcançar e não pode fazê-lo, isso significa ser contemporâneo. Por isso os contemporâneos são raros. E por isso ser contemporâneo é, antes de tudo, uma questão de coragem: porque significa ser capaz não apenas de manter fixo o olhar no escuro da época, mas também de perceber nesse escuro uma luz que, dirigida para nós, distancia-se infinitamente de nós.” (Giorgio Agamben).

 

O que é o “contemporâneo”?

Para a gramática é um adjetivo que faz referência ao que é do mesmo tempo, que viveu na mesma época [1].

Contudo, para melhor aprofundamento adentraremos no campo filosófico, para fazer a seguinte indagação: de quem e do que somos contemporâneos? O que significa ser “contemporâneo”?

Uma premissa para nortear a nossa busca por uma resposta tem como inspiração o pensamento de Nietzsche. Roland Barthes cita-o desta maneira: “O contemporâneo é o intempestivo” (apud AGAMBEN, 2009, p. 58) [2].

Partindo deste pressuposto, e de seu significado etimológico acima exposto, podemos tecer as nossas primeiras considerações: pertence, realmente, ao seu tempo; mas que nem sempre é compreendido o seu repertório; e é, dessa maneira, portanto, inatual; mas, justamente, por isso, precisamente, por meio desse afastamento e desse anacronismo, ele é apto, mais do que os outros, de observar e conhecer o seu tempo.

O ser “contemporâneo” seja ele um artista, profissional de qualquer área do conhecimento, poeta ou mesmo um estadista não deseja que a sua obra transmita uma mensagem pronta e completa de maneira indiferente e impessoal; ele pretende, sobretudo, atingir o espectador em seu estado mais íntimo (imersão do receptor ao entendimento da obra e sua mensagem). Na seara política, é pensar nas próximas gerações e não nas próximas eleições, como dizia James Freeman Clarke.

É, antes de tudo, um sujeito atemporal, de percepção. Você pode citá-lo, discordar dele, glorificá-lo ou difamá-lo, mas nunca ignorá-lo, porquanto, ele tem o condão de questionar os fatos, o status quo. São seres hábeis a promover as transformações sociais e econômicas para o progresso da humanidade.

Existe vida inteligente fora das academias. A pessoa “contemporânea” não é “cultivada”. É livre, independente, democrática, avessa a vaidades, títulos ou cargos, tendo como atributo a originalidade, fruto do intelecto humano.

A história registra a existência de uma premissa básica pela qual favoreceu o surgimento de gerações de escritores, pensadores, personalidades e cientistas contemporâneos: questionar a autoridade, ou seja, pensar por si mesmo, mediante a busca da ciência e do conhecimento. A sabedoria está no meio.

O ouro e a prata são provados pelo fogo. Não só de alegrias vive o homem “contemporâneo”. Para exercer toda a sua vocação, ele permanece firme o olhar no seu momento, para nele sentir, não somente as luzes, mas também a escuridão. Noutros termos, significa suspender o topos temporal e tentar compreender o que está fora e dentro de si.

A contemporaneidade é uma virtude, implicando em uma consciente compreensão do próprio papel do homem, diante de um mundo em constante efervescência política, econômica e sociocultural.

Para Agamben [3], o “contemporâneo” não é o presente absoluto, mas o desconexo, dissociado, inatural, discrônico, deslocado, anacrônico. Um contemporâneo, no entanto, não vive em nostalgia perniciosa com outro tempo, ou em negação com seu presente; na verdade, a dissociação (deslocamento, anacronismo…) é uma negação como afirmação profunda. Por mais que o contemporâneo odeie seu tempo, ele lhe pertence irrevogavelmente e sabe que não pode fugir.

Por essa razão, a contemporaneidade tem uma relação singular com o próprio tempo e o contemporâneo “adere a este e, ao mesmo tempo, dele toma distâncias; mais precisamente, essa é a relação com o tempo que este adere através de uma dissociação e um anacronismo” (AGAMBEN, 2010, p. 59).

A título de ilustração, podemos inferir em um juízo provisório que toda arte é contemporânea porque o olhar com que a vejo é contemporâneo. É uma ótica inescapável: eu sou um produto do meu tempo e assim o é a forma como eu enxergo as coisas.

Contudo, o “contemporâneo” não é um ser consumista e passivo, mas um protagonista que contempla as dores do seu mundo e propõe novas ideias disruptivas no território da inspiração e consequente inovação, em benefício da humanidade. Para ele, o indivíduo, está acima das maquinas; as cidades, o estado, nada mais são do que organismos vivos que valoriza a escala humana e as necessidades de cunho social.

O artista “contemporâneo” Charlie Chaplin [4], já enfatizava:

“Pensamos demais e sentimos muito pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que de inteligência, precisamos de gentileza e bondade. Sem essas virtudes, a vida será violenta e tudo será perdido... “Portanto  - em nome da democracia - vamos usar desse poder, vamos todos nos unir! Vamos lutar por um mundo novo, um mundo decente, que dê ao homem uma chance de trabalhar, que dê um futuro à juventude e segurança aos idosos”

A função da pessoa “contemporânea” é desenvolver as capacidades para transformar boas ideias em práticas de inovação, de fins colaborativos, propondo soluções para as crescentes demandas sociais.

O ator “contemporâneo” é aquele que impede o tempo de entrar num estado de tédio, onde todas as coisas estão em normalidade. O contemporâneo tanto pertence ao presente que tem plena mobilidade entre os tempos, que se desloca, que não o pertence.

Em linguagem poética o “contemporâneo” é um “viajante do tempo e do espaço” para compreender as aflições de seu tempo. Quem somos? O que almejamos? E o que herdamos?  E, o que queremos levar?  Sob esta perspectiva, as suas narrativas são de fundamental importância enquanto ferramenta de comunicação social para fins de unidade e coesão.

Neste contexto, o dever do contemporâneo não é imitar o passado, mas rimar com ele; reconectando-se ao transcendente, a tradição, e seus princípios e valores, aprendendo com os acertos e erros de nossa história a construir uma fundação mais sólida para nosso futuro, em prol de um ecossistema de riquezas e oportunidades.

A tecnologia e seus aparatos devem estar a serviço de pessoas e não o contrário.  O “contemporâneo” vislumbra que de nada adianta o ensino remoto e demais benesses do mundo virtual se não há o envolvimento do amor. A absorção de valores não é por meio racional, e sim, por assimilação, por meios afetivos, dentro do âmbito das famílias e comunidades.

O maior atributo da beleza é ela não ter fim, assim como o conhecimento. Não importa a palavra, a obra e sim a sua conexão! O protagonista “contemporâneo” compreende o passado, está atento ao futuro, mas seu foco é o presente, o AGORA. Encara os desafios de “morrer um pouco o tempo todo” para “viver para sempre”. Uma famosa trilha musical já dizia: “Quem quer viver para sempre? Sempre é o nosso hoje” [5].

Como exemplo deste olhar contemporâneo, voltado para as necessidades sociais, transcrevo um trecho da entrevista concedida pelo empreendedor social Celso Athayde [6], sobre as nossas comunidades:

“Está na hora das empresas terem um olhar diferente às pessoas da favela. Quando essa pessoa trabalha, ela não é carente, não podemos olhar para ela como se nós fôssemos superiores. Elas têm uma renda baixa e são naturalmente empreendedoras, mas também são consumidoras”

E, mais adiante, fica evidente a origem de sua contemporaneidade:

“Quando falamos de diálogo, dessas conectividades, eu não sou um especialista de favelas. Sou apenas uma pessoa que cresceu em uma favela no Rio de Janeiro e viveu debaixo de um viaduto, vendo tudo o que existe de ruim nessa imensa desigualdade em que vivemos”

Deste modo, amparado por suas raízes, o referido empreendedor social fundou a Cufa e a Favela Holding [7], que hoje ajuda uma série de pessoas nas favelas dos 27 (vinte e sete) estados, tendo como premissa o aporte de infraestrutura (saneamento, inclusão digital e etc.), para o desenvolvimento de favelas e de seus moradores, perante empreendedores comunitários, fomentando e promovendo novas oportunidades de negócios, empreendedorismo e empregabilidade e ao mesmo tempo, preservando as suas relações sociais.

O olhar “contemporâneo” de Athayde é notável; frente ao fracasso de políticas habitacionais de nossas municipalidades, optou por empoderar a sua comunidade ao desenvolver pessoas e criar inserção social. Não obstante, a falta de infraestrutura, intrínseca ao local, o que prende a pessoa a comunidade são as relações sociais.

De um ponto de vista funcional e simplista, um projetista moderno afirmaria que bastaria destruir as favelas e recolocar essas pessoas em outros lugares, como as habitações verticais, decorrentes de projetos públicos habitacionais. Contudo, com o decorrer do tempo, presenciamos nas diversas cidades brasileiras o abandono de infraestrutura e da falta de sua manutenção, por descaso do Poder Público, agravando, por conseguinte, a situação de vulnerabilidade social; além da perda afetiva do laço social da comunidade, a pessoa ainda experimentou a sensação de exclusão social, por morar em um lugar diferente, projetado artificialmente.

As comunidades se desenvolvem organicamente, assim como a formação das cidades. O elemento mais importante verificado no seu âmbito são as relações sociais, cuja ação colaborativa para dirimir seus problemas, muitas vezes é mais difundida do que o verificado em muitos condomínios residenciais. Há, portanto laços sociais e afetivos, passíveis de serem preservados, demandando, em contrapartida, maior saneamento e infraestrutura, visando a sobrevivência e a dignidade humana e não a remoção de seus moradores para conjuntos habitacionais distantes e sem contexto social.  

Ideias e discussões importam. São essenciais para que os seres humanos possam ser bem-sucedidos enquanto ferramentas de inclusão social. Você tem uma responsabilidade moral em pensar o que é certo e o que é errado para você, enfim, deter o discernimento e o protagonismo para conduzir a sua própria história, conforme os seus laços de origens, crenças e etc. Ludwig von Mises, já expressava: “Ideias e somente ideias podem iluminar a escuridão.”.

Por outro lado, não existe neutralidade nas áreas do conhecimento. Na época do holocausto vimos câmaras de gás construídas por engenheiros formados, crianças envenenadas por médicos diplomados, recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas, mulheres e bebês torturados, fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades.

Portanto, ser “contemporâneo” é também tornar-se “humano”, ter compaixão, lutar pela sua sobrevivência e desenvolvimento intelectual, artístico, e etc, associado à preservação de sua qualidade de vida, em contraposição a qualquer perpetuação de ideologia política, intolerância, ganância e/outra mesquinharia dos tempos modernos.

As virtudes, os valores e seus princípios, as relações sociais, a família, a cultura, o caminho da cidadania, e os demais aqui citados são os tesouros sob a guarda do soldado “contemporâneo” e ao mesmo tempo, pontes que ligam gerações distantes por meio de suas obras, enquanto elementos fundamentais para a cura das feridas do presente.

O agente “contemporâneo” está sempre desperto do “sono” presenciado no presente, ora utilitarista e mecanicista, fomentadas pelas novas tecnologias, para um estado de contemplação. Deste modo, é também um estudioso, interdisciplinar; possui uma visão holística do mundo, respeita e dialoga com todas as áreas do conhecimento visando a compreender os problemas e os interesses sociais envolvidos com maior possibilidade de êxito na proposição de soluções, frisa-se, customizadas.  

Como nos ensina Arthur Schopenhauer: “Importante não é ver o que ninguém nunca viu, mas sim pensar o que ninguém nunca pensou sobre algo que todo mundo vê.” 

A pessoa “contemporânea” é utópica, inspira-se em modelos e caminhos muitas vezes inatingíveis. É o próprio personagem Dom Quixote, de Miguel de Cervantes [8], e sua eterna busca pelo conhecimento e da liberdade.

Eduardo Galeano, por sua vez, já dizia: “Então, para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”. Em outros termos, é nosso oxigênio e estrada para a nossa evolução enquanto ser humano e profissional.

O totalitarismo, o aniquilamento de nossas individualidades e de nossas origens, laços familiares, e os temas sensíveis como o mundialismo, controle genético, adestramento comportamental e a intoxicação coletiva, são terrenos férteis para a percepção e ação dos contemporâneos em favor da própria preservação da espécie humana e de suas liberdades individuais.

Nesta toada, pela valorização do individuo, acima de qualquer ideologia recorremos a mais uma pensadora contemporânea, Ayn Rand: “A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias”.

Por derradeiro, caro leitor, “contemporâneo” é o nome de nosso blog, na área de direito, economia e negócios, na qual, semanalmente publicamos artigos neste espaço, enquanto fonte de orientação para melhores tomadas de decisão, e sob os princípios de seu título; repositório de informações e conhecimentos acumulados que pertence ao seu tempo, porém, dissociado do seu tempo, enquanto luz para a escuridão, presenciada por tempos de negacionismo universal e violação aos direitos e liberdades individuais, dentre outras chagas sociais.

Enfim, há mais definições, personalidades e exemplos para o que seja “contemporâneo”, bem como, motivos para justificar a sua importância, porém, em respeito a sua riqueza infinita, encerraremos neste parágrafo, para que uma nova experiência seja contada, com novos protagonistas e leitores.    

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa).

 

Notas e referências bibliográficas:

[1] FERREIRA, aurelio Buarque de Holanda. Mini Aurélio. O dicionário da Língua portuguesa. 8ª edição. Editora positivo. 2014.

[2] [3] AGAMBEN, Giorgio. O que é contemporâneo?. In O que é contemporâneo? e outros ensaios. Argos, 2010.

[4] Filmografia citada: O Grande Ditador: 1940, EUA, Charles Chaplin.

[5] Who Wants To Live Forever. Single da banda de rock britânica Queen. Foi lançada como a sexta faixa do álbum A Kind of Magic, em junho de 1986. Composição: Brian May. Gravadora: EMI. Trecho Original: “Who wants to live forever? Forever is our today”.

[6] VILELA, Luiza. Favelas, consumo, inclusão digital e realidade brasileira: um debate inesquecível. Revista Consumidor Moderno. Disponível em: https://www.consumidormoderno.com.br/2022/03/30/favelas-digital-brasileira/. Capturado em 01/04/2022. 

[7] Para maiores informações, acessar o site: https://www.fholding.com.br/.

[8] CERVANTES, Miguel. Dom Quixote. Tradução de Ligia Cademartori. Editora FTD. 2018.

HAYEK, FA von. O Uso do Conhecimento na Sociedade. Mises Journal [Internet]. 2018 Feb.21 [cited 2022Apr.1];1(1):153-62. Available from: https://misesjournal.org.br/misesjournal/article/view/205.

JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. Editora: WMF Martins Fontes; 3ª edição (6 outubro 2011).

 

 

 

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