O sócio dissidente

O sócio dissidente

O que fazer quando o sócio quer sair da sociedade? Quais são os seus direitos e procedimentos necessários, perante a sociedade, frente à sua continuidade?

“Toda empresa precisa de método, que é a busca da verdade para gerar resultados” (Professor Vicente Falconi)

 

O denominado “affectio societatis” dos romanos, ou seja, a intenção dos sócios de constituir e desenvolver uma sociedade são elementos fundamentais para o nascimento, desenvolvimento e continuidade de uma empresa.

As causas para uma retirada da sociedade, muitas vezes, não tem qualquer conotação jurídica, e, portanto, imotivadas, como a perda de uma afinidade comercial e de propósitos.

A retirada de um sócio, neste contexto é o divórcio para o casamento; um momento de ruptura na relação de negócios, por isso, o conhecimento e o planejamento são instrumentos de grande valia para minorar e mitigar os seus impactos, visando à preservação da empresa.

Quando acaba a convivência pacífica e produtiva entre os sócios de uma empresa, porém ainda há o interesse de um ou de alguns dos sócios em mantê-la, desde que haja a saída da sociedade de um deles, faz surgir à figura da dissolução parcial de sociedade. Tal instituto visa à exclusão de um ou mais sócios de seu quadro societário e a sua continuidade pelo(s) remanescente(s).

Essa providência, tomada pelos demais sócios, frente aquele dissidente se faz necessária para preservar a pessoa jurídica constituída (empresa), diante de um conflito societário, uma vez que a mesma possui função social de geração de emprego e renda, dentre outras relevantes funções, perante os stakeholders.

Neste compasso, o direito de retirada dos sócios de sociedade limitada é de extrema importância tanto para a continuidade da sociedade quanto para o sócio que a integra, devendo ser observado desde a sua constituição.

Desta maneira, o sócio tem direito de se retirar da sociedade, em razão da perda da "affectio societatis", uma vez que o direito de retirada da sociedade é garantia constitucional (art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal) e encerra direito potestativo do sócio (art. 1.029, do Código Civil), cuja apuração de haveres deve observar a regra estabelecida no contrato social.

O sócio retirante manifesta sua vontade à sociedade por meio do envio de notificação prévia que, nos termos do artigo 1029 do Código Civil, deve ser enviada com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias.

Na sequencia, com base na interpretação do citado artigo 1029, combinado com o inciso II, do artigo 605 do Código de Processo Civil, a retirada imotivada do sócio de uma sociedade limitada contratada por prazo indeterminado será efetivada, com a resolução sociedade em relação a ele, no sexagésimo dia seguinte ao do recebimento da notificação.

Por consequência, a resilição do vínculo associativo se opera de pleno direito, por imperativo lógico, após o decurso do lapso temporal estipulado pela lei substantiva, independentemente de anuência dos demais sócios ou de qualquer medida judicial.

De acordo com o item 4.4.3 do manual de registro de sociedades limitadas, que consta de um dos anexos da IN n. 81 do DREI [1], caso a sociedade, por meio dos demais sócios, não proceda à alteração do contrato social, com a retificação do quadro societário, o sócio retirante pode arquivar a própria notificação de retirada na Junta Comercial competente.

Em ato contínuo, a Junta Comercial competente anotará no cadastro da sociedade a retirada do sócio. Deste modo, a sociedade deverá, na alteração contratual seguinte, regularizar o quadro societário.

O valor da cota a que faz jus aquele que se desliga da sociedade deve ser prevista em contrato social, bem como, o prazo contratual e a forma de seu pagamento e correção monetária.

Contudo, o prazo contratual previsto para o pagamento dos haveres do sócio que se retira da sociedade supõe quantum incontroverso; se houver divergência a respeito, e só for dirimida em ação judicial, cuja tramitação tenha esgotado o aludido prazo, o pagamento dos haveres é exigível de imediato (Superior Tribunal de Justiça. Terceira Turma. REsp n. 1.371.843/SP. Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Julgado em j. 20/03/14, DJe 26/3/14).

Os enfrentamentos são mais complexos na hipótese de contratos sociais ininteligíveis, omissos e/ou mal redigidos, com interpretações dúbias.

Havendo omissão do contrato social quanto ao critério a ser utilizado na apuração de haveres em caso de dissolução parcial da sociedade, o valor da quota do sócio retirante deve ser avaliado mediante o critério patrimonial, por meio de balanço especial de determinação.

Em recente julgado, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça [2] entendeu que a metodologia de fluxo de caixa descontado não serve para apurar haveres em retirada de sócio.

A argumentação da maioria dos ministros defende que o método do fluxo de caixa descontado (critério econômico), por envolver projeções de caixa e presunções futuras, faz com que seja afastada a concretude essencial à apuração de haveres, de forma que expressamente no art. 1.031 do Código Civil e no art. 606 do CPC/2015 o legislador optou pelo critério patrimonial, mediante balanço de determinação.

Os ministros ressaltaram ainda que a utilização do fluxo de caixa descontado pode desestimular o cumprimento dos deveres dos sócios minoritários, incentivar o exercício do direito de retirada, o que prejudicaria a estabilidade das empresas e gerar enriquecimento ilícito daqueles que se desligam da sociedade.

Levando em consideração esses aspectos, um contrato social bem elaborado pode evitar diversos conflitos societários e assegurar maior segurança jurídica para todos os envolvidos, o que garante a prosperidade contínua e sólida das atividades econômicas exercidas pela sociedade, em tempos de contingências e mudanças no seu quadro societário.  

Neste contexto, a redação de cláusulas de entrada e retirada de sócios, resolução de sociedade e respectivos haveres societários, estipulação de valores de retirada pelo sócio a título de pró-labore, para fins de evitar a confusão entre as contas e rendimentos da pessoa física e jurídica, entre outras, devidamente customizadas, podem impulsionar os negócios empresariais, por meio de aporte jurídico preventivo e, portanto, de investimento as empresas.

A gestão empresarial é um modelo de trabalho orientado por uma política de valores capaz de alocar e gerir recursos, ações, iniciativas, princípios, valores e estratégias, viabilizando o alcance dos objetivos propostos por uma empresa.

O advogado deve ser protagonista neste ecossistema, como fonte de segurança jurídica para a expansão e estabilidade dos negócios. Portanto, não é um burocrata restrito ao contencioso judicial. É antes de tudo um profissional técnico, gestor, conciliador e estrategista, não próximo, mas integrado as metas e desempenhos corporativos.

*Foto:  Free-Photos por Pixabay (Imagem ilustrativa). 

 

Notas:

[1] BRASIL. Ministério da Economia. Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital Secretaria de Governo Digital. Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração. MANUAL DE REGISTRO DE SOCIEDADE LIMITADA Alterado pela Instrução Normativa DREI nº 81 de 10 de junho de 2020.

[2] REsp n. 1.877.331. Rel. Min. Nancy Andrighi. Julgado em 13 de abril de 2021. 

 

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